O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 DE ABRIL DE 1960 617

Importa muito ser, a este respeito, objectivo; não nos compete neste lugar nem jurar que as coisas vão tão bem como gostaríamos que fossem, nem certificar que vão tão más como alguns sectores gostariam que acontecesse. Temos antes de determinar com toda a exactidão possível a realidade, na precisa medida em que o seu conhecimento é necessário, caso a caso, à função crítica ou legislativa da Assembleia. E dessa objectividade rigorosa não nos afasia nem o temor de desagrados nem o desejo de aplausos, qualquer que seja o sector donde venham, qualquer que fosse o grau de popularidade que isso pudesse proporcionar.
Suponho que a questão das implicações políticas do diploma se poderá colocar correctamente nestes termos:
O movimento nacional de 1926, especialmente o estilo novo de governar iniciado em 1926, nasceu de uma situação difícil de anarquia administrativa, política, económica e social, contra a qual se reagiu através da imposição de uma disciplina rigorosa e da afirmarão e vivência de um ideal quase ascético de vida pública.
A virtude foi elevada à qualidade de critério basilar da governação, e nesse conceito de virtude estavam intrínsecas as noções de sacrifício por todos repartido, de limitações pessoais, de sobriedade, de renúncia ao supérfluo, de dedicação total do servidor à função pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Era por esse caminho difícil que se esperava atingir, e efectivamente se atingiu, a resolução da crise material e moral que flagelava a Nação ao terminar o primeiro quartel deste século. Por isso -porque a salvação pública só se; poderia ganhar através de sacrifícios que todos haveriam de sofrer- se afirmou que a redenção nacional seria a ascensão dolorosa de um calvário.
Com a superação da crise, com o abrandamento da tensão inicial, com a estabilização do Regime e a transformação de condições económicas fundamentais aconteceu que se definiram algumas situações que se não harmonizam com os ideais de virtude a que os Portugueses já vão estando habituados e que, por isso mesmo, ferem a sensibilidade de quem delas tem conhecimento.
Era isto uma consequência natural e previsível; era o resultado de uma lei da história, que se tem observado em todos os tempos, era até uma lei da natureza; os cogumelos parasitários não brotam senão à, sombra das grandes árvores protectoras; e creio que, se tivessem voz também diriam que não estão ali para sugar a seiva preciosa, mas antes para proteger e defender as raízes da fronde que generosamente os cobre.
Trata-se de incrustações, e seria tão prejudicial negar que existem, como pretender que constituem uma regra geral. Pelo contrário: tanto quanto tenho podido conhecer e observar, estou persuadido de que a regra geral continua a ser no nosso país a de que o serviço político se exerce em conformidade com o pensamento ético do Regime, ou, noutras palavras, com a virtuosa lição de Sal azar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não desconheço que existe o ponto de vista contrário, isto é o de que estamos em presença de um mal geral. Essa convicção tem-se ùltimamente a afirmado com insistência, e quero crer que muitas das pessoas que a exprimem estão sinceramente convencidas do que dizem. Bastaria isso para que se prestasse ao assunto toda a atenção; um estado de opinião é em si mesmo um facto político e podo revestir a natureza de um problema político; neste caso estamos em presença de um problema político.
Algumas situações viciosas serviram de ponto de partida para, através de uma amplificação premeditada e de uma campanha dirigida, se gerar um clima de suspeita que recai sobre todas as pessoas que servem o Regime. É este aliás, um processo com foros de tradição no nosso país. Esta sala assistiu aos ataques que precederam a subversão do regime autoritário de Costa Cabral; e está ainda vivo na memória de muitos o que aí se disse a propósito de adiantamentos e de lista civil e sabe-se perfeitamente o que é que com isso se pretendia, o que com isso se conseguiu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suspeitas sobre a isenção dos homens são a arma dos que pretendem acutilar as instituições, e isto resulta precisamente de que o prestígio das instituições é medido pelo prestígio dos homens que as representam ou as servem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reconhecer que isto é assim obriga a prestar ao assunto uma atenção séria, evitando inércias sobre cujo significado não deixaria de se especular. Presentemente, entre o que se diz e o que na verdade se passa há uma distância enorme; quem conheça directamente os factos e não se fie apenas em rumores anónimos sabe até que ponto se tem dito a verdade ou se tem mentido.
Aproveita-se tudo; inventam-se acumulações que não existem, contam-se como benesses escandalosas títulos puramente honoríficos ou presenças em associações humanitárias; consideram-se opulentas sinecuras comissões inteiramente gratuitas, às vezes exercidas com sacrifício daquelas horas que haveria o legítimo direito do consagrar ao repouso.
Apontam-se os casos conhecidos e passa-se logo deles aos que se desconhecem, afirmando que são todos semelhantes, e ignora-se ou nega-se intencionalmente tudo o que se não possa harmonizar com os tons sombrios do quadro.
Ocorre-me um facto bem expressivo desta tendência, que me permito relatar porque se refere a alguém que durante muitas legislaturas honrou com a sua presença e a sua palavra esta Assembleia: o Dr. Joaquim Dinis da Fonseca.
Os jornais noticiaram, em três linhas, que havia sido nomeado administrador, por parte do Estado, da Companhia de Diamantes de Angola.
Creio que não houve ninguém que o não soubesse, e não faltou quem quisesse ver no facto um desmentido à fama de isenção e desinteresse que envolvia o seu nome e de que dera, aliás, provas durante a vida inteira. Depois da sua morte tornou-se público o que os amigos mais chegados já sabiam: que aceitara o lugar violen-tando-se a si mesmo, por entender que não tinha o direito de, por um escrúpulo individual, privar daquele novo rendimento as muitas centenas de crianças da desolada região de Ribacoa a cuja sustentação e educação deste há longos anos sacrificava tudo o que possuía.
Em pão para os filhos dos pobres se consumiu tudo quanto adveio do novo encargo.
Este facto, disse eu, foi tornado público, em artigos públicos, na imprensa. Quantas pessoas o recordam? Não me enganarei se disser que são mil vezes menos do que aquelas que ainda não esqueceram, e isto é bem significativo, as três linhas da nomeação. Peço me re-