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616 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

fício que consistia em «não deixar sacrificar umas às outras as diferentes classes da Nação e sujeitá-las igualmente a todas as restrições impostas pela salvação comum».
Sob este aspecto compreender-se-ia difìcilmente que as restrições impostas pelo Estado aos seus servidores pudessem deixar de se aplicar ao sector marginal e complementar das empresas públicas e semipúblicas. Não havia razão séria para, pensar que a austeridade na remuneração, a modéstia no viver, o sacrifício no exercício da função, pudessem deixar de se aplicar igualmente em ambos os sectores, visto que ambos eram dominados pela ideia comum do interesse, público. Não se podia aplicar indiferentemente, num e noutro campo, todo o regime das remunerações do funcionalismo público, visto que a própria natureza das coisas o impedia; mas o limite imposto às remunerações mais elevadas era suficiente para assegurar no conjunto o desejável equilíbrio com as retribuições pagas aos directos servidores do Estado.
A medida promulgada em 1935 era, pois, uma consequência, do principio salutar da equitativa repartição do sacrifício por todos os portugueses e uma garantia do equilíbrio das escalas paralelas dos servidores do Estado e dos servidores das empresas das quais o Estado confiava a realização de interesses públicos, ou a administração de valores que pertencem à Nação.
Os signatários do projecto pensam que estas razões não perderam ainda a sua validado; e, reconhecendo que a transformação das circunstâncias na ordem económica dificulta a aplicação daquele limite, entendem, todavia, que o condicionalismo político e social da hora presente aconselha prementemente a sua aplicação. Manifesto é que falo em nome próprio, e peço me seja relevado se me equivoco nesta interpretação do sentimento das pessoas que firmaram com os seus nomes o projecto do lei que listamos a discutir.
O condicionalismo político e o condicionalismo social da hora presente constituem precisamente o tema das duas partes seguintes da minha intervenção.
Em livro que o Centro de Estudos Político-Sociais da União Nacional me fez a honra de editar escrevi em 1958 estas palavras, que me permito reler: «Se é lícito extrair das contradições da história alguma lei permanente, esta é a de que a fórmula dos governos é menos determinada pela vontade discricionária dos homens que pela natureza das conjunturas cuja solução há-de constituir o programa do governo. A organização política é o processo de reacção normal do organismo social às situações e às dificuldades que tem de enfrentar; por isso a política é uma variável; ela procura adaptar os seus esquemas e fórmulas à mudança dos acontecimentos.
(Nesta altura assumiu a presidência, o Sr. Paulo Cancella de Abreu).

Só o fecharem-se os olhos àquilo que constitui o condicionamento nacional básico permite que ainda se considere viável um governo de tipo liberal no nosso país. Quem quiser ver tem necessariamente de concluir que as tareias do futuro imediato são cargas pesadas de mais para tão débil alavanca. Foi já a ineficácia da fórmula liberal que há 30 anos determinou a sua substituição pela forma autoritária; e de então para cá não poderá dizer-se que os problemas internos e os que decorrem da nossa coexistência, no conjunto das nações tenham perdido nada do seu melindre, magnitude e urgência. A alternativa que por isso mesmo se pode pôr não é entre um governo forte e um governo fraco, mas sim a que se estabelece entre um governo forte da direita e um governo forte da esquerda».
E num outro passo desse mesmo livro: «A opinião pública está na base de todos os governos, no sentido de que não ó possível governar sem a adesão dos governados». Isto, verdadeiro em relação a todos os regimes, é-o de modo especial para os regimes autoritários. A matemática é uma ciência exacta, e o seu emprego dá uma sugestão de rigor e de objectividade a que todas as ciências são sensíveis, procurando a matematização das suas leis. O prestígio das maiorias apuradas pela contagem numérica é, pois, enorme e representa um modo fácil de, aparentemente, resolver uma questão difícil. A fraqueza, do sistema está porém, precisamente naquela sobrevalorização do elemento quantitativo. Já «Mariana» o sentiu e exprimiu numa frase lapidar: «Os votos não se pesam, cantam-se». A ideia da «medida» da opinião enraíza numa concepção mecanicista e estática das sociedades; a verdade é que a opinião pública, no sentido em que a expressão tem interesse político, não é uma extensão, mas uma força. O cálculo daquela força não pode ser feito pela contagem igual de votos de força diferente; ter um governo por si ou contra si a maioria dos votos não significa que tenha por si ou contra si a força da opinião. Esta é constituída e dinamizada pelos elementos significativos, e não pelos votos formais. Rigorosamente, a ideia do sufrágio universal anula a ideia da averiguação da vontade dominante, visto que, se teòricamente o voto é a expressão de uma opinião individual, na realidade por detrás da maioria dos votos não há qualquer opinião. E como os « votos válidos e os votos aparentes são igualmente contados, o resultado a que se chega tem valor puramente convencional.
As democracias não se iludem, aliás, a esse respeito; o sufrágio funciona menos como alicerce do legitimidade substancial que como requisito formal de licitude. Por isso mesmo não se considera que o apoio da maioria seja necessário para exercer o Poder; basta para isso a combinação hábil entre grupos, a coligação de partidos ou até uma posição minoritária com possibilidades de manobra entre os grupos numèricamente mais fortes.
Com o governo de autoridade não é assim ... Precisamente porque constitui um sistema mais forte, exige dos governados uma maior base de adesão. A experiência histórica mostra que, se o consentimento passivo dos governados é suficiente para que um governo convencional se mantenha no Poder, para os governos fortes é necessário um permanente suporte de confiança activa, um clima de presença cooperante nos vários sectores nacionais.
O governo liberal é apenas sancionado pela opinião, mas o autoritário tem de ser exigido por ela. Um exprime o estado da opinião fixado num certo momento - o momento em que o diafragma eleitoral funcionou -, o outro tem de corresponder não a uma fase estática, mas à sucessão de atitudes que constituem a essência criadora do espírito: aquele fez-se para conservar uma ordem já definida, este para construir uma ordem nova. Por isso mesmo a adesão pública ao primeiro basta que seja inicial, mas quanto ao segundo tem de ser permanente, tem de sentir-se em cada uma das novas perspectivas de acção que se vão abrindo. É, portanto, justificada a atenção que se presta nos Estados do autoridade ao sentimento público»
Não precisarei de lembrar que a matéria em discussão tem forte incidência sobre o sentimento público e, como tal, se reflecte no prestígio e na raiz da autoridade moral do Estado. É a este aspecto do problema que pretendo referir-me ao falar de condicionalismo político.
O assunto tem sido aflorado, e as referências feitas vejo que vão desde as generalizações alarmadas até às incredulidades completas, sinceras ou aparentes.