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20 DE ABRIL DE 1960 615

mais. Serão curtas, porque desta vez não há razão para ser extenso, e recairão sobre os três pontos seguintes:

1.º Necessidade de uma clara delimitação do problema;
2.º Juízo sobre as razões de ordem política que inspiraram o projecto;
3.º Problemas sociais conexos e vantagem de em parte os resolver.

Sobre cada um destes três pontos direi a seguir exactamente o que penso. Não será contribuição valiosa, mas poderá ter ao menos o mérito de provocar contestações mais fecundas ou objecções procedentes. Tudo serão réplicas que só terei de agradecer, desde que formuladas sinc ira et studio, isto é, sem exaltações, que não esclarecem, e com aquela atenção estudiosa a que sempre nos há-de obrigar, se não a consideração que devemos aos outros, ao menos a que devemos ter por nós próprios.

I

E entrarei já no primeiro ponto do enunciado.
Sem saber o que se discute, não se pode evidentemente discutir.
Os excurseis a propósito, ou menos a propósito; as divagações pelos problemas afins e marginais; as especulações doutrinárias, que, aliás, podem ser do maior interesse, têm por efeito perturbar a simplicidade inicial das questões e podem contribuir para criar expectativas enganadoras. Isto é: quando o que se discute não está em causa, pode vir, com razão, a estranhar-se que, depois de se ter discutido tanto, se tenha concluído e decidido tão pouco.
O problema que está na ordem do dia resume-se, tal como o entendo, ao seguinte: o estatuto fundamental dos vencimentos do funcionalismo civil, contido no Decreto-Lei n.º 20 115, consagrou um conjunto de princípios ordenadores e basilares que, de modo geral, se encontram em vigor. Entre esses princípios - e precisamente como um dos mais vigorosamente inovadores - estava o de que o limite das remunerações pagas pelo Estado aos seus servidores deveria ter aplicação não apenas dentro do Estado, em sentido restrito, mas também no sector marginal das empresas públicas e semi-públicas.
Sucede que a disposição que contém esse princípio, sem ter nunca recebido revogação expressa, tem perdido, pouco a pouco, a sua primitiva imperatividade. Pode resumir-se a questão dizendo que, embora sob o ponto de vista jurídico esteja em vigor -o que, aliás, já tem sido posto em dúvida -, na realidade afrouxou por tal forma o seu poder de comando que hoje em vez de constituir regra a que hajam sido abertas excepções foram as excepções que se tornaram regra e os casos de aplicação que passaram a ser excepcionais.
E é este o problema sobre o qual há que tomar posição: o princípio afirmado há, 25 anos e as razões que o ditaram mantêm a sua validade - e, portanto, deve manter-se o limite então estabelecido, depois da sua indispensável correição em vista das circunstâncias actuais- ou, pelo contrário, a preterição do preceito é consequência de forças que não devem ser ignoradas e tem precisamente o significado de que o critério limitativo perdeu inteiramente a sua oportunidade e justificação?
O projecto de lei n.º 27 pretende constituir uma resposta para essa pergunta.
O seu autor e as pessoas que juntamente com ele subscreveram afirmam-se convencidas de que permanece relevante o conjunto de motivos que levaram em 1935 o legislador a consagrar o princípio do limite, pelo que tal princípio deve ser reafirmado e novamente regulamentado.
Pela minha parte devo dizer que ao entender assim, não me esqueci de que a opinião contrária também tem por si razões sérias, que seria perigoso não ponderar devidamente. Em tudo o problema verdadeiro há sempre razões a contrapor-se: é mesmo da contraposição que nasce o problema. Resolver é escolher; e governar é uma escolha permanente.
Deve reconhecer-se, em primeiro lugar, que o próprio processo de postergação do regime estabelecido no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115 é um sintoma de que aquele regime se adequava dificilmente à realidade, visto que a realidade acabou por ultrapassá-la. Sem dúvida nenhuma, que nestes 25 anos muitas coisas se alteraram em Portugal. Subiu o nível geral da riqueza, transformou-se o teor da vida, cresceram muito as exigências, e mais ainda as aspirações, aumentou a qualificação técnica requerida para os postos superiores do trabalho. Esta transformação geral explica só por si que o limite de 1935 só tenha tornado insuficiente, sem necessidade de se recorrer a conceitos emocionais de cobiças desregradas ou de abusos plutocráticos. Nas empresas puramente particulares subiu o investimento, o risco, a especialização, a complexidade do labor directivo, e, portanto, o nível das remunerações subiu paralelamente. O técnico hoje chamado a montar a contabilidade industrial de uma empresa exige 10 vezes mais que o clássico guarda-livros que há 25 anos se encarregava de manter a escrita em dia segundo os métodos tradicionais. O técnico realmente competente, com possibilidades de colocação em qualquer lugar do Mundo, não aceitará, sobretudo se for estrangeiro, trabalhar em Portugal por menos do que receberia em qualquer outro país. Se as empresas públicas e semipúblicas não poderem acompanhar esta evolução, ou terão de pagar menos aos administradores do que a alguns empregados, ou ficarão privadas da colaboração dos elementos mais valiosos, visto que em relação aos homens também é verdadeira a lei da oferta e da procura, no sentido de que quem mais oferecer monos terá de procurar.
Estas razões, e várias outras que no mesmo sentido só poderiam alinhar, são verdadeiras, sem embargo que nalguns casos traduzem apenas regras gerais que se não aplicam em muitas das situações concretas conhecidas. Mas, em resumo, elas autorizam a conclusão de que de facto é no terreno dos condicionalismos económicos e nas condições próprias da vida das empresas que se deve procurar a explicação das remunerações altas e da derrogação dos limites que há um quarto de século se tentaram impor.
Em sentido contrário há-de porém, inscrever-se que já em 1935 estes factos eram sensíveis e que, embora então revestissem intensidade menor do que hoje, era previsível que a situação económica evolucionaria no mentido em que efectivamente evoluiu. Apesar disso, o legislador entendeu que o limite devia ser fixado. E em 1948 e em 1950 já a situação económica revestia aspecto que em pouco se distinguia do actual e no entanto, o legislador continuou a entender que o limite da lei se justificava, como resulta dos despachos do Conselho de Ministros que naqueles anos recaíram sobre questões suscitadas pela aplicação do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115. As razões por que entendeu assim são transparentes e integram-se no conjunto mais vasto da ética fundamental do Regime. Os princípios de autoridade administrativa que o Estado impunha a si próprio decorriam de uma concepção viva e basilar, que foi definida por Salazar em 1929 como uma política de sacri-