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23 DE FEVEREIRO DE 1961 471

nos trasladamos ao segundo ponto, o da índole dos serviços municipalizados autónomos como distribuidores de energia.
Este segundo ponto foi focado pelo Sr. Dr. Santos da Cunha por fornia clara e incisiva.
Inserindo-o agora nas considerações presentes, ocorre-me lembrar que estes serviços autónomos municipalizados - o gás e electricidade, as águas e saneamento, por último os transportes colectivos - são em Portugal paradigma, que encontraram no Porto o seu ambiente próprio de realização.
Correntes da Inglaterra, desde a liberal época vitoriana, germinaram na cidadania da minha urbe, como que num reacordar de remotas formas de associação municipal. Assim, o serviço de electricidade, através da sua Câmara Municipal, é, na sua autonomia, como que virtual associação dos respectivos munícipes, e dizemos muito de propósito associação, corpo moral, e não cooperativa, porque nesta ainda há o propósito de auferir benefícios a distribuir, ao passo que naquela, de índole pública, não é de encarar a realização de lucros.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Esta fórmula está prevista como viável para os concelho de Lisboa e Porto nos artigos 164.° e seguintes do Código Administrativo, mas só nesta cidade têm encontrado clima favorável a fazer-se em regime de exploração directa, preferindo-se na capital entregar ainda os respectivos serviços a empresas concessionárias.
E é de tal natureza o inveterado alheamento dos órgãos da administração pública por esta forma administrativa que por eles é vista geralmente como anómala. E a própria exposição ministerial como tal a considera.
Nesta incompreensiva corrente de ideias, lê-se no artigo 12.° do caderno de encargos da concessão à distribuidora - Companhia Nacional de Electricidade -, aprovado pelo Decreto n.° 36286, de 17 de Maio de 1947:

A concessionária é obrigada a fornecer energia eléctrica nas condições previstas neste caderno de encargos aos «concessionários» de grande distribuição e aos consumidores a abastecer directamente . . .

Tanto basta para, com propriedade jurídica, se ver que nem o serviço da Câmara do Porto, nem o de qualquer outra câmara municipal possivelmente grande distribuidora, se acham prevenidos expressamente a que possam receber a energia daquela entidade, a não ser que explorem o mesmo serviço através de um concessionário. Só por pura interpretação «além da lei» se pode admitir que os municípios que, como grandes distribuidores, explorem o fornecimento de energia por conta própria possam caber ou nos concessionários, como, aliás, é de uso entender-se, ou nos consumidores, a que também se refere o texto do artigo, quando a verdade é que não são propriamente nem uma nem outra coisa.
Este exemplo só o carreei para o debate por bem ilustrativo de como os altos compartimentos da Administração que não sejam os do Ministério do Interior - e nem sempre - andam geralmente alheados desta fisionomia particular da administração pública, que só é tida por anómala decerto por não ser a de Lisboa. Mas, porque o problema foi posto contra a natureza das coisas, colocando os serviços municipalizados na posição, que não têm, de concessionários, isso basta para se lhes atirar para cima com o gravame que se pretende.
Erro de consequência, neto já do erro de origem, salientado no primeiro ponto, de não se fazer recair o encargo da térmica de apoio sobre a produção das hidroeléctricas apoiadas.
E, por outro lado, porem-se os serviços municipalizados, para efeito de encargos térmicos, no mesmo plano das outras distribuidoras primárias parece representar clamorosa injustiça. De facto, os serviços são realmente, na hierarquia jurídica dos conceitos, não uns distribuidores, mas subdistribuidores, como os subarrendatários, os subenfiteutas, ou até, no campo mercantil, os retalhistas em face dos armazenistas. Bastará enunciar esta faceta da realidade, que ela falará por si, creio.
Justificar-se a situação acarretada ao serviço municipal pelo facto de este não ter a folga financeira que caracteriza as demais empresas, verdadeiramente empresas, é que não é de aceitar. Essa disparidade resulta de ser diversa a natureza económico-jurídica dessas entidades administrativas, é-lhes inerente.

O Sr. José Sarmento: - Muito bem!

O Orador: - A essa diferença deveria atender-se do início, e não ficar-se como que desagradàvelmente surpreendido por se dar.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Nunca seria de aplicar, para todos os efeitos em pé de igualdade, ao serviço municipal um critério que, embora mais que discutível em lógica pura, como vimos, só por comodidade será admissível dentro de certos limites. Até neste campo das pessoas morais, «a pobreza avorrecida», a que se referia Camões; mas honesta! Ou seja, em palavras hoje correntes, a «situação de quase tangência» ou a «carência de folga» constantes da nota ministerial.
Pelo que acabamos de ver, facilmente se infere quanto seja vão pretender-se minimizar o caso «como não passando de uma anomalia local». Desde que ele emerge de situações jurídicas previstas na lei geral, para o direito a respectiva posição jurídica goza de plena generalidade, quer se levante a propósito de uma só câmara municipal, quer de quantas distribuam directamente a energia, desde que atinjam a categoria de grandes consumidores.
Terceiro ponto: tão-pouco nos parece de aceitar como argumento o da desvalorização do dinheiro. Cumpre recordar que o contrato actual, cujas tarifas o despacho afecta, não é o de 1938, que atravessou, aliás, quase incólume o período da guerra, fautora de depreciação, é o de 1954, e desde esse ano não consta que se tenha verificado sensível depreciação monetária. De resto, as empresas fornecedoras posteriormente não o denunciando a tempo, como podiam ter feito ao fim de cinco anos, deixaram-no prorrogar até 1965, decerto porque a equação financeira do negócio, tal qual, se lhes não antolhava como modificado desfavoravelmente, já se vê, para elas.
Falar a este propósito em depreciação monetária parece-nos por isso infundado. E mesmo que nos reportemos a 1939, há até a considerar que, segundo as circunstâncias do tempo, se previam grandes probabilidades futuras de tarifas mais baixas; essa mesma era a orientação governativa ainda definida em 1958. Assim, o argumento de o nível das tarifas não ter acompanhado a depreciação real da moeda deverá antes processar-se na variação em igual sentido ocorrida nos dois membros de uma fórmula algébrica.