522 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 205
ainda bem recentemente vilipendiou o sen supremo representante e que, mais recentemente ainda, excedeu todas as marcas da grosseria e do insulto pela sua atitude na O. N. U., preferiu esta atitude, dizíamos, a defender como lhe competia, aliás inteiramente dentro do estatuto que rege a Assembleia da O. N. U., um país como Portugal, que não só tem sido um aliado firme, leal e seguro, como aliás é seu costume, com o demonstra a manutenção da nossa aliança com a Inglaterra, que é a mais velha do Mundo, como pode apresentar-se sem mácula perante o Mundo, tendo sabido constituir uma nação plurirracial, mas coesa, segura dos seus direitos e deveres, firmemente resolvida a defender e lutar pela integridade nacional.
Um dos deveres essenciais da amizade e da aliança é a lealdade, que dá a segurança mútua dos que confraternizam um mesmo ideal. Amigos ou aliados que não saibam ser leais não servem a ninguém, e muito menos nos podem servir a nós, que é nessa moeda que costumamos saldar os nossos compromissos.
O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!
O Orador: - A forma como o povo da metrópole e das províncias ultramarinas tem manifestado a sua indignarão perante a atitude dos Estados Unidos da América, mancomunando-se na O. N. U. com a Rússia e a Libéria contra nós e em contravenção nítida do estatuto daquela organização, na qual só solicitados entrámos, é um grito de alma que, se manifesta o orgulho de um povo, representa também a mais profunda e justificada desilusão.
O Governo merece-nos toda a confiança e temos antecipadamente a certeza de que a ela corresponderá inteiramente, defendendo hoje como ontem, como sempre, os interesses, a honra e a dignidade da Nação.
O que acabamos de dizer significa que as resoluções que tomar no sentido de nos desafrontar da injuria que recebemos, mesmo as mais enérgicas, terão o nosso apoio, a nossa, inteira e completa solidariedade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: através da imprensa e dos outros meios de informação acessíveis ao público, tomou o País conhecimento dos incidentes ocorridos em Angola e que tiveram o seu início em 14 do mês findo, sem que, até agora, possamos registar o seu epílogo. Os relatos que chegaram ao conhecimento geral a todos impressionaram, provocando na metrópole, agora mais do que nunca de olhos postos em Angola, una reacção manifestada, em múltiplas formas de compreensão e de solidariedade.
De lá regressei há dias e venho procurar expor aquele pouco ou muito que a propósito tenho a dizer.
Não estava no nosso Congo, nos Dembos, onde se registaram as maiores violências, mas sim em Luanda, onde ainda hoje se continua a viver muito intensamente a emoção dos horrores sofridos pelos nossos bravos irmãos, r s barbaridades cometidas em suas - que são nossas, também - mulheres e filhas, todas inocentes vítimas de acirradas paixões, criminosamente criadas e alimentadas por vergonhosos e inconfessáveis interesses, por dementadas políticas de falsa solidariedade humana, assistidas pela insensatez de povos sem maioridade, que, ao ensaiar os seus primeiros passos, tolamente se presumem de adultos. Povos e homens, infelizmente, no que há que os distinga.
Em Luanda, centro de toda a vida de Angola, sofreu-se intensamente, e sofre-se ainda, toda a angústia, dos males que nos atingiram. E de mais perto se avaliam melhor os transes por que passaram os nossos irmãos, pacíficos trabalhadores obreiros de um Portugal maior, traiçoeiramente atacados nas suas vidas e fazendas, que viveram o horror de assistirem impotentes ao cobarde assassínio de mulheres e de filhos, chacinados com selvática fúria e requintes de primitivismo e malvadez inenarráveis. Curvo-me perante esses mártires e rendo a minha homenagem aos heróis, aos tantos que se revelaram em tão trágico transe da nossa vida de Angola.
Por fidelidade à memória de uns e por respeito aos outros, devemo-nos todos nós, Portugueses, a coragem de encarar a situação de frente, tal como ela se nos apresenta, e criar a consciência nacional que impeça alheamento, seja de quem for, dos problemas daquela nossa província.
Por maior consideração que mereçam as razões que levem à tendência em afirmar uma prematura normalização da vida em Angola, há que ter em linha de conta que aqueles portugueses civis - donde sobressaem, entre tantos, os defensores de Carmona - que ali suprem a insuficiência da força pública, e sabem por experiência própria, demasiado dolorosa, a verdade da situação, não podem e não devem suportar que se afirme ter-se atingido a quase normalidade da vida anterior.
Não, não é assim, infelizmente, e há que proclamá-lo, sob pena de ofendermos a quem tanto devemos respeitar. É certo que a vida tende a regressar à normalidade; mas na região atingida, uma vasta região altamente acidentada, densamente coberta de florestas, produtora de dois terços do café de Angola, que há dois anos a esta parte via acumularem-se as nuvens das dificuldades resultantes do aviltamento dos preços e das dificuldades de colocação do seu principal produto, a vida não retomou a sua normalidade: mantêm-se impraticáveis os trabalhos agrícolas em bom número de fazendas; o comércio cinge-se ao estritamente indispensável; o desemprego, que se registava e era preocupante, tomou uma acuidade alarmante; os espíritos não estão tranquilos, não se sente um clima de segurança; o nervosismo grassa como epidemia e, o que é pior, este estado de coisas tende a alastrar - em boa parte pela propagação do boato, que encontra ideais condições de proliferar em tal ambiente.
Sr. Presidente: esses senhores da O. N. U., que não há muito exibiram no palco do seu teatro o «coro das carpideiras» perante o desaparecimento de um homem vitima de um crime político, já tiveram ou virão a ter alguma manifestação de contrição pela responsabilidade que lhes cabe no assassínio de mulheres, de crianças, de homens pacíficos, brancos e de cor, cujo único crime seria o de viverem alheios a políticas e entregues ao seu trabalho?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A argúcia e a inteligência com que descobrem os problemas dos outros ter-lhes-ão permitido verificar o quanto contribuíram para o que sucedeu em Angola?
Que atitude temos nós a tomar perante essa gente, que não seja a de absoluto desprezo? Que consideração nos pode merecer a insensatez criminosa de quem incita o homem contra o homem, procurando convencê-lo de que a resolução dos seus problemas, que a solução dos seus diferendos está na violência, na selvajaria, no primitivismo?
Afigura-se-me que toda a ponderação que deve assistir ao homem, em especial nos momentos difíceis da