O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1539

e nosográfico. As doenças começaram a conhecer-se, a separar-se pelos seus sintomas, facto que, aliás, seguia a linha de pensamento dos naturalistas do Barroco, os quais encontraram em Lineu o seu expoente máximo. Havia já então uma visão descritiva: os médicos esforçaram-se por conhecer no homem as características exteriores das afecções tão bem como os botânicos procuraram descrever as plantas. O nosso Bernardino António Gomes deixou-nos tão preciosas descrições da lepra e outras doenças cutâneas como de certas espécies botânicas que estudou no sertão brasileiro (2).
A pesquisa de sinais objectivos ultrapassou com o método auscultatório de Lãennec a barreira da pele e, de então para cá, mais e mais se aperfeiçoou a recolha desses sinais no sentido de permitir, tanto quanto possível, um diagnóstico correcto, base segura de uma terapêutica eficaz.
O avanço das outras ciências influenciou profundamente a medicina, que a elas foi buscar muitos dos fundamentos da ciência médica moderna. No século XIX, em particular na segunda metade, os avanços neste campo foram tais que a existência de uma ciência médica foi completamente aceite. A pesquisa das causas, quer dizer, o conhecimento da etiologia das afecções, passou a constituir o pensamento dominante em medicina, sobretudo após as descobertas de Pasteur e Koch.
Anotemos que até aqui os médicos se mantinham pràticamente preocupados com o homem doente, quer dizer, moviam-se quase exclusivamente no campo da medicina curativa.
Seria, porém, ao mesmo tempo um erro e uma injustiça afirmar que o médico não tinha interesse pelo homem são. Uma larga plêiade de- anatomistas legou-nos, a pouco e pouco, o conhecimento da morfologia normal do homem e, sobretudo após Claude Bernard ter inaugurado o «método experimental», grande número de fisiologistas e de bioquímicos deu-nos a conhecer as funções normais do organismo. Não duvidamos, porém, de que estes homens tivessem sobretudo em mente estar na posse do normal como ponto de passagem para o conhecimento do patológico, mas o facto é que se ocuparam do homem são, o que constitui uma sólida base para a pesquisa médica moderna.
A terapêutica não evoluiu tão ràpidamente como o diagnóstico; no entanto, nos últimos dez anos, os seus progressos, as suas descobertas, têm sido feitas num ritmo constantemente acelerado. Henri Póquignot (3) escreveu a este respeito:

Pode inferir-se de maneira aproximada o que tem sido este progresso terapêutico, dizendo: antigamente não mais de uma descoberta por século, uma de 30 em 30 anos no século XIX, uma todos os 5 anos até 1936 e, depois de 1943, mais de duas grandes descobertas por ano.

6. Se, como dissemos atrás, o médico no seu contacto com o doente constituiu sempre um elemento de primacial importância no seio das colectividades, a evolução social interveio profundamente, em particular a partir do século XIX, no exercício da profissão e até nos seus fundamentos - na «filosofia básica da medicina». «A medicina exerce-se num determinado meio socio-cultural, em todos os períodos da evolução das sociedades; está inserida no Mundo, não jaz à margem do viver dos homens - faz parte da corrente da história» (4).
A transformação económico-social do Mundo interferiu no alargamento dos horizontes da medicina e podemos dizer mesmo que acabou por mudar em certos aspectos o curso tradicional desta última.
A revolução industrial criou agrupamentos populacionais totalmente novos, onde surgiram problemas de higiene individual que até aí não se punham com tanta agudeza e problemas de higiene colectiva; uns e outros foi preciso enfrentar. Foram, em primeiro lugar, os problemas do abastecimento de águas, os esgotos ... - numa palavra, os problemas de saneamento. Os Estados verificaram que era preciso legislar e mandar executar, numa palavra, afinal, tomar sobre si a responsabilidade neste campo. A medicina preventiva passou a ser uma medicina do Estado.
Não se julgue, porém, que a medicina preventiva é um ramo da ciência médica que brotou nos nossos dias, porquanto nem sequer apareceu no século XIX. Mas, sem dúvida, que a sua importância se manifestou em especial a partir da transformação das sociedades agrícolas em industriais e que os seus objectivos começaram a ser atingidos após a época pasteuriana.
Não é nosso propósito, nem se justificaria mesmo, fazer uma referência pormenorizada quanto às origens da medicina preventiva, mas convém conhecer alguns factos. Se é certo que, como diz C. Frager Broakington (5), «com o começo do século XVIII os médicos começam a pensar e a escrever em termos de saúde pública e que como tal, devem ser considerados os pioneiros na matéria», não podemos ignorar «os grandes epidemiologistas e sanitaristas dos tempos da Grécia e de Roma», ou «esquecer a prática das quarentenas e as medidas tomadas, pelo menos a partir da Idade Média, para impedir a disseminação de certas doenças, tais como as do foro venéreo e a lepra». No século XVIII surge uma série de precauções tomadas contra as epidemias, em especial contra a peste (6).
A contribuição portuguesa não deve ser omitida. Abrimos, com efeito, a era da medicina social com os conhecimentos de higiene exótica (Garcia de Orta; Regimentos de Saúde de 1580, de Ivo; Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, de Ribeiro Sanches - 1756). E Pina Manique e a Junta de Saúde Pública devem ser igualmente recordados.
Na Grã-Bretanha, as necessidades levantadas naquele século pelas guerras navais e pela constante ligação com as colónias foram a origem da higiene na armada, em particular no que respeita às medidas tomadas contra o escorbuto. Devem citar-se a este respeito os nomes de John Pringle (1752), James Lind (1757) e Gilbert Blane (1785).
Aquele século foi fundamental para o desenvolvimento da saúde pública e, se foi importante a obra dos autores atrás citados, não se duvida que se deve a Johann Peter Frank (7) o impulso mais decisivo no capítulo da higiene pública. Na sua obra sobre polícia médica fala-se de

(2) «O médico Dr. Bernardino António Gomes e o Brasil», J. da Silva Horta: Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, tomo VIII, 1960.
(3) Eléments de politique et d'administration sanitaires, E. S. F. Lingres, 1957.
(4) «Relatório sobre as carreiras médicas». Ordem dos Médicos. Relatório final, 1Q61.
(5) A short history of public health, Londres, 1956, p. 3.
(6) Ver, por exemplo, em Inglaterra, Richard Mead, Discourse on the plague, 1720.
(7) Ver a este respeito a obra de G. Frager Broakington (nota 5).