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1938 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76

Direito e até professor da respectiva Faculdade de Lisboa o seu ilustre sucessor no magistério da pasta da Saúde?
O próprio parecer da Câmara Corporativa por igual versa a face médica e a face jurídica do problema. E se pela primeira se vê consagrada a alta competência de saber experiente e do fogo apaixonado, mas lúcido e crítico, quanto a tais assuntos do seu relator, Sr. Prof Bissaia Barreto, na segunda se identifica a contribuição orientadora dos ilustres juristas que assinam o parecer.
Será assim que, sobretudo como velho jurista - ou, antes, como jurista velho -, me proponho adiantar sobre a proposta algumas considerações. Isto sem subestimar, embora sem os reivindicar, os títulos inerentes à competência que a todos e a cada um nos concede a sabedoria dos povos, consagrada no famoso provérbio castelhano: De médico e de loco todos tenemos un poco!
Será, porém, sobretudo, por ângulo histórico e jurídico, insistimos, que nos ocuparemos da proposta.
E ao fazê-lo sentimos cumprir ainda um dever filial, já, no sentido próprio, pelo interesse que no meio familiar, primeiro, e mais tarde no profissional VI meu pai dedicar a matérias inerentes à psicologia normal e à psiquiátrica; o dever civicamente filial para com a minha pátria pequena, a cidade do Porto, que tão justamente se orgulha do seu Hospital Conde de Ferreira e da escola psiquiátrica de médicos prestigiosos que à volta desse centro cresceu, trabalhou e ensinou.
Não parecerá, por isso, despiciente que eu aqui, como Deputado por aquela cidade, me alongue em considerações atinentes a estes pontos, relacionando com o desenvolvimento nacional da assistência e dos estudos psiquiátricos o desenrolar das ideias filosóficas, médicas e jurídicas que os impulsionaram, quer no campo da profilaxia, internamento e recuperação de adultos e menores, quer nos da criminalidade, do estudo e do ensino.
Sr. Presidente: remontemos ao primeiro quartel do século XIX. Pelo que respeita ao Porto, acompanhemos os seguros trabalhos de história da medicina forense do ilustre Prof. Dr. Luís de Pina.
Logo se nos depara ter sido o primeiro tratadista português de medicina legal não um médico, mas o grande jurisconsulto, filho daquela cidade, Ferreira, Borges, o conhecido autor do nosso primeiro Código Comercial, além do de uma economia política, etc.
Emigrado em 1823, por liberal, teve ocasião de acompanhar durante alguns anos, em Londres e na respectiva Universidade, sumidades médicas do tempo, entre os quais um discípulo e companheiro do famoso Dr. Gall.
Serviu-lhe essa preparação para publicar em 1832, na capital inglesa, as suas Instituições de Medicina Forense, a primeira obra, repetimos, que sobre esse vasto capítulo médico se publicou «em nosso romance» (palavras do seu autor).
Ali tratou largamente da alienação mental - alheação mental lhe chamava - e nos deixou uma curiosa e larga classificação das correspondentes formas da doença.
Quão ilustrativo é este exemplo de como uma cultura vária, longe de afectar por diminuição as possibilidades de um especialista -no caso um vigoroso jurisconsulto-, lhe multiplicaram as possibilidades. Como as musas no tempo de António Ferreira, aos doutores não prejudicaram as ciências, antes, pelo contrário, valorizaram as capacidades de visão mental de Ferreira Borges!
Foi ainda no Porto, da autoria do professor de Medicina Furtado Galvão, da respectiva escola médica, que, em 1855 saiu a segunda publicação genérica portuguesa atinente àquela matéria, ou seja o Tratado Elementar da Medicina Legal, onde largamente se versa as doenças mentais declaradas e os estados orgânicos que podem ocasionar perturbação mental.
Entrementes, em Lisboa, e na respectiva escola médica, começavam clínicos e professores de mérito, citados no relatório e parecer introdutores desta proposta, a preparar a instalação entre nós, em 1848, do primeiro estabelecimento exclusivo para doentes mentais - o Manicómio de Rilhafoles, hoje Miguel Bombarda -, o que se promulgou por iniciativa de um Governo de Saldanha.
Para gozar de benefício correspondente, teve o Porto de aguardar poder auferi-lo da munificência testamentária do conde de Ferreira, disposição que, segundo é fama, lhe fora sugerida anos antes pelo excelso monarca que foi D. Pedro V.
Tão importante legado, destinado para o efeito à Misericórdia do Porto, é bem expressivo sinal de como a falta de um hospital para doidos se fazia sentir naquela cidade e de como devia haver ambiente receptivo em correspondência com tão importante iniciativa de um «vizinho» do Porto.
E certo é que, por volta de mil oitocentos e poucos, o dotado hospital se achava pronto a funcionar, e para dirigi-lo era chamado o professor de Medicina coimbrão Dr. António Maria Sena, já destacado especialista, com estágio lá fora, desse ramo médico.
Com ele, como seu adjunto, logo começou a trabalhar nesse hospital o Dr. Júlio de Matos, filho do distinto advogado Marcelino de Matos, também desta cidade.
Trazia o Dr. Júlio de Matos, que acabara de se formar na escola médica local, larga bagagem de preparação filosófica e científica, que bem demonstrara, e era ainda estudante de medicina, na direcção, com Teófilo Braga, já professor de Letras, da revista O Positivismo, que durante uns quatro anos, por volta de 1880, se foi publicando também no Porto.
O simples título dessa revista logo inculca da orientação filosófica de Júlio de Matos, que, aliás, não divergia da do Dr. Sena nem da de Magalhães Lemos, companheiro dos primeiros no hospital e também como eles mais tarde professor.
Mas neste campo, se Matos propendia para a psiquiatria, Lemos antes se inclinava para os trabalhos neurológicos.
Esta distinta equipa de trabalho, com seguras preocupações do rigor do método científico, embora cedo desfalcada da competência do Dr. Sena, falecido novo, em 1890, conquistou no País, e mesmo no estrangeiro, uma ainda não obliterada posição destacada de prestígio científico.
A Júlio de Matos, que o Prof. Barsona Fernandes não hesitou em qualificar como o maior nome da psiquiatria nacional (ver Anais Portugueses de Psiquiatria, II, p. 315), coube, pela morte de Sena, exercer durante mais de vinte anos a direcção do Hospital Conde de Ferreira.
Aí, para além dos trabalhos clínicos a que estava adstrito, com puro amor pela expansão dos respectivos conhecimentos científicos, se prestou, por volta de 1900, a reger durante anos prestimosos cursos livres para médicos e juristas, os quais, através das suas maravilhosas faculdades de exposição, fizeram escola e deixaram tradição.
Meu pai acompanhou durante anos esse preceptorado e assim se concretiza uma das razões do enternecimento pessoal a que atrás me referi e a que me é impossível escapar ao evocar estes factos.
Paralelamente, em Lisboa, com a entrada, por 1892, do Dr. Miguel Bombarda para director do Rilhafoles, esta vasta casa de saúde sofreu considerável reforma.
Filosòficamente, a formação deste médico, no pendor do empirismo positivista que caracterizava, como vimos,