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1940 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76

Assim no-lo revelou o Prof. Luís de Pina no sou interessante trabalho Três Momentos Vitais do Júlio de Matos.
Um outro destacado positivista dessa época, mas da geração seguinte, em face do espectáculo continuado de incoercível desordem que caracterizou esse deplorável período da vida nacional, reflectindo sobre as velhas raízes comtianas da sua formação, soube repudiar a tempo - e de que forma! - a metafísica revolucionária, geradora de jacobinismo. E esse foi Alfredo Pimenta.
De facto, a lição concreta e contundente do fenómeno república ajudou deveras à revisão do pensamento dominante no meio cultural. Tornou-o mais permeável e receptivo às correntes que lá fora, sobretudo na França, se contrapunham, ganhando as almas ao empirismo naturalista e ao mecanismo radical; às leis da natureza era contestado, por um lado, o rigor de um determinismo absoluto (Boutroux); por outro lado, o primado interno do fluxo da consciência proclamado por William James e o livre arbítrio, através de subtil e sedutora análise de Bergson, foi postulado como psicologicamente admissível.
No campo cosmológico, a evolução dos seres era por este último filósofo interpretada como o desenrolar de um sopro anímico e espiritual - a evolução criadora, como que um neoplotinianismo.
Entre nós, Leonardo Coimbra tornou-se arauto desta corrente filosófica, realçando-a no seu criacionismo. São hoje bem de meditar, a propósito, os ensinamentos da admirável encíclica de Pio XII Humani Generis.
E, neste sentido, para que vertiginosos píncaros não tem conduzido o pensamento contemporâneo, por exemplo, o Pe. Teilhard de Chardin: nele a bergsoniana ideia da propulsão da unidade para a complexidade, evolucionando mediante um sopro anímico, é posta antes às avessas como uma aspiração criadora da complexidade para a unidade divina.
Volvendo à matéria do positivismo jurídico e psíquico, recordo o primeiro choque que em sentido contrário representou a conferência do meu condiscípulo Paulo Mereia, quando em Coimbra, ainda estudante, realizou a sua memorável conferência «Idealismo e Direito».
Em matéria psiquiátrica e criminológica operava-se já desde o fim do século XIX uma confluência útil para efeitos, antes que teóricos, práticos e realizadores.
De um lado, os deterministas passaram a reconhecer o valor da convicção subjectiva da liberdade volitiva como realidade social e, nessa base - a da consciência do lícito e do ilícito -, havia, para efeitos da vida em sociedade, de reconhecer-se como válida para efeitos de responsabilidade. Do outro lado, os sequazes do livre arbítrio aceitavam mais estreitos limites objectivos que condicionam este e assim eram levados a reconhecer aos factores de determinismo imperantes sobre as pessoas maior peso do que antes lhes era atribuído na doutrina clássica e nas leis. Assim surgiram a «Terza Scuola» - Alimena - na Itália; a escola de Lião - Lacassagne, Tarde, Salleils, Grasset -; e na Alemanha - Lizt, entre outros.
E sob o influxo desta última orientação que se segue ordenadamente o reformismo actual da nossa legislação, quer no campo de crimes e penas, quer no campo da psiquiatria, e assim se integra inteiramente no sentido exposto, como claramente resulta dos seus termos e relatórios. Isso o reconhece e fundamenta largamente o parecer da Câmara Corporativa, no caso da presente proposta.
Essa orientação no campo do direito penal traduzira-se nitidamente já na Reforma Prisional (Decreto-Lei n.º 26 643) do saudoso Ministro Dr. Manuel Rodrigues. Mas acha-se sobretudo consagrada pela legislação inspirada pelo Ministro Cavaleiro de Ferreira, primeiro na Lei n.º 2000, que instituiu o Tribunal de Execução das Penas e seu regulamento (Decreto n.º 34553), segundo, ainda mais substantivamente, nas alterações ao Código Penal do Decreto-Lei n.º 39 687, de 5 de Junho de 1954.
Por outro lado, nos excelentes relatórios que precederam esses diplomas se acha exposta e justificada a orientação doutrinal para que eles convergentemente tendem.
E também na prática administrativa, pois que durante o cumprimento das penas estas se vão ajustando melhor, no caso de cada criminoso, no sentido da defesa social, enquanto se revela perdurar a sua pericolosidade, e no da sua recuperação à medida que esta se for inculcando progressivamente.
É uma tendência para a efectivação da individualização da pena defendida pelo grande jurista Salleils. No campo psiquiátrico, atinente ao direito civil, princípio semelhante se consignou na lei quando, na reforma de 1930 do Código Civil, da responsabilidade do ao tempo Ministro da Justiça, também meu condiscípulo, Dr. Lopes da Fonseca, se acrescentou ao artigo 316.º, que prevê as interdições por demência, um parágrafo prevendo interdições parciais para a prática de certos actos relativas a débeis mentais: aos tais da zona cinzenta, entre a loucura e a sanidade, de que falava Maudsley.
Aqui permitam VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, por piedade filial, recorde a parte que a meu pai coube na sugestão formulada para esta inovação e que de há tanto se achava prevenida em várias legislações estrangeiras: italiana, alemã, francesa...
Ora, no campo da psiquiatria, os critérios que presidem aos trabalhos e soluções de toda a ordem se inspiram igualmente por princípios de orientação prática paralelamente afins aos que acabo de expor quanto à criminologia: é o que resulta sugestivo do trecho que passamos a transcrever do já atrás citado ensaio do Prof. Barsona Fernandes sobre a «Psiquiatria em Portugal». Referindo-se em 1954 ao estado desse ramo de ciência médica, assim escrevia:

A característica fundamental da psiquiatria portuguesa está no equilíbrio das várias tendências organicistas e psicológicas, evitando pontos de vista sectários e unilaterais.

Perante este conceito de orientação prática entre a ciência médica e a jurídica, nos vários sectores que afectam a psiquiatria e as suas implicações com as matérias de direito penal e privado, se torna bem justificado um movimento de aplauso esperançoso.
O diploma em discussão integra-se nessa orientação e merece, por consequência, o nosso voto.
Como se fez no parecer da Câmara Corporativa que precedeu a Lei n.º 2006, primorosamente relatado pelo Dr. Júlio Dantas, e se repete no da actual proposta, pela comparação do texto daquele diploma vigente com o aprovando se mede o que neste se propõe de novo. Os nossos colegas médicos nesta Assembleia que sobre ele se pronunciaram já, e à cabeça deles o Sr. Deputado Santos Bessa, largamente versaram o assunto de forma a mostrar à Câmara as perspectivas da sua projecção realizadora no plano preventivo sanitário e pedagógico.
Quero limitar-me a comentar alguns aspectos jurídicos inovadores, que, aliás, foram postos em foco no citado parecer da Câmara Corporativa, que apresenta para certos casos sugestões construtivas que deveras aperfeiçoarão este diploma e, assim, tenho por bem dignas da aprovação da Assembleia.
Trata-se sobremaneira do aspecto tocado no segundo ponto do n.º 21 do parecer da Câmara Corporativa, ou seja