2294 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 90
deram sempre a doutrina de uma larga participação tias populações locais na administração dos respectivos territórios o a necessidade de organizar consequentemente as instituições governativas locais e dotá-las das necessárias competências. Veio até nós em síntese perfeita a frase de António Enes no seu relatório de 1907:
Desejo que a província passe a ser governada e administrada na província., segundo normas inflexíveis estabelecidas e eficazmente fiscalizadas pela metrópole.
A Lei Orgânica actualmente em vigor. Lei n.º 2066, de Junho de 1903, à qual foram introduzidas sucessivas alterações que a têm vindo a aperfeiçoar e actualizar, já em certa medida entrega à competência dos órgãos locais, governador e órgãos legislativos, os assuntos que interessem exclusivamente a cada província.
Contudo, ou por virtude de uma imperfeita ou muito imprecisa definição dos limites do que é local, ou porque as intenções expressas nas bases colidem em muitos casos com limitações impostas nos diplomas reguladores de diversas matérias, ou ainda porque o Ministro conservou nas suas mãos ampla iniciativa e competência legislativa, o grau de iniciativa e atribuições deixados aos órgãos locais têm-se manifestado insuficientes, e cada vez mais à medida que se vão tornando cada vez mais volumosos e complexos os problemas em que têm de intervir.
O facto de ultimamente os Ministros terem recorrido com frequência à delegação nos governadores-gerais da sua competência em determinadas matérias, se atenua um pouco os inconvenientes apontados, não os resolve totalmente nem invalida as observações aqui expostas.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Proença Duarte: - É preciso atender a que, segunde- a Lei Orgânica, há muitas atribuições ministeriais que, pó- força da lei. não podem ser delegadas nos governadores locais, o que é um mal.
O Orador: - É por isso mesmo que digo que, se se atenua, em parte, não se resolve o problema.
Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª
Por outro lado, a guerra que nos foi imposta por aqueles novos imperialismos, que, a exemplo dos velhos, ainda que envolvidos noutras roupagens, pretendem desagregar o território da Nação e colher os seus despojos, impõe, pelas suas características especiais, o aceleramento do ritmo do desenvolvimento económico e social das parcelas mais atingidas e requer uma organização da administração local que a torne apta a agir com maior eficiência, em face das múltiplas e prementes solicitações que tem do enfrentar. Tudo se traduzirá na prática, além do mais, num aumento de bem-estar das populações, em mais elevado moral e capacidade de resistência e, consequentemente, em mais confiança no Governo da Nação, em mais força e robustecimento da unidade nacional.
Assim o entendeu o Governo e daí, certamente, o ter adiado oportuno e conveniente apresentar à Câmara o projecto de lei agora em discussão.
Ao Ministro que então sobraçava a pasta do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, intelectual brilhante e governante de larga visão, que tão bem soube interpretar os anseios e o sentir unânime das populações do ultramar e a quem se deve a iniciativa dos primeiros passos para a elaboração do projecto, presto aqui as minhas rendidas homenagens.
Para quem no ultramar vive e labuta, quer se dedique à actividade privada ou ao exercício de funções públicas, ressaltam a cada passo os inconvenientes de uma excessiva centralização de competências governativas na metrópole. Tolhe completamente a boa marcha dos serviços, desencoraja as melhores iniciativas e é responsável em grande parte pelas ineficiências da administração local.
Quando um governador-geral não tem competência para actualizar convenientemente os quadros dos serviços públicos, a não ser nos mais baixos escalões, quando não pode rever e aperfeiçoar a orgânica desses serviços sem que os projectos respectivos sofram no Ministério demoras, por vezes de anos, para serem estudados; quando não pode abrir créditos ou transferir verbas do orçamento ordinário; quando é muito limitada a sua competência para a autorização de obras a custear pelos fundos de fomento ou saldos de exercício; ou quando a sua competência é quase nula para a autorização da montagem de indústrias num território cujo desenvolvimento económico é condição fundamental da sua sobrevivência, não é difícil concluir que não está adequadamente habilitado com as atribuições necessárias para fazer face às múltiplas responsabilidades inerentes ao governo de territórios com a vastidão de Angola ou Moçambique.
E frequente atribuir-se à excessiva autonomia e à falta de maturidade dos quadros da administração ultramarina a desordem financeira e os desmandos que caracterizaram um largo período anterior ao ano de 1932 e assim tentar-se justificar uma política de centralização que é contrária às realidades da administração ultramarina.
A apreciação parece-me menos justa para com a grande maioria dos que em períodos difíceis dedicaram o seu esforço e deram o melhor de si próprios ao progresso do nosso ultramar e não tem hoje, de todo, base sólida, se atentarmos no desenvolvimento populacional das grandes províncias ultramarinas, no elevado nível cultural já nelas atingido e na existência de um funcionalismo que, se não é ainda o que todos desejaríamos que fosse, já atingiu um nível que não permite duvidar que esteja apto a cumprir com eficiência os ditames de uma sã administração.
Por mim tenho que as causas dos males hão-de ser as mesmas que perturbaram a vida nacional antes do advento do actual regime: o desregramento geral na administração pública, a desordem financeira e a instabilidade política, a que só o redentor movimento de 28 de Maio pôs cobro. E tanto assim é que, regeneradas as finanças ultramarinas de acordo com o plano do Prof. Armindo Monteiro, publicada em 1933 a Carta Orgânica, em que se sistematizam e desenvolvem os princípios da Constituição, e o Decreto-Lei n.º 23229, que aprova a Reforma Administrativa do Ultramar, autêntico Código Administrativo, onde se definem as regras referentes à administração local das províncias ultramarinas, entra-se na fase que até hoje vem caracterizando esta administração: disciplina na gestão da coisa pública e inalterável equilíbrio financeiro.
Desde que a descentralização seja prudente, seja rigorosamente fiscalizada pelo Poder Central, que não abdica da faculdade nem do direito de a fiscalizar e reprimir os excessos nocivos, ela não poderá, como alguns temem, pôr em perigo a unidade nacional e será antes a melhor forma técnico-administrativa de desenvolver e fazer progredir o ultramar, o que será o mesmo que dizer de valorizar a Nação, de que ele é, e com fé em Deus continuará a ser, parte integrante.
Pela justeza dos conceitos e pela precisão da síntese, não resisto aqui a citar a declaração de voto do grande governador ultramarino Eng.º Vicente Ferreira, exarada