5 DE DEZEMBRO DE 1963 2531
maior sala da capital para ouvirem atentos substanciosas comunicações e as discutirem com elevação e interesse. Foi, repito, um êxito de que a imprensa de todos os matizes deu largamente notícia, trazendo o grande público ao conhecimento e compreensão das dificuldades da agricultura. Mas é inegável que para o êxito concorreu essencialmente a convicção de todos os participantes de que desta vez a reunião era para valer a pena, pois o Governo se mostrava disposto a tomar em conta as suas conclusões.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora o novo regime cerealífero surgiu, não pelo anunciado final de Junho, mas já bem dentro de Setembro, e surgiu para demolir todas as expectativas fundadamente postas na valorização dos cereais, cuja cultura, por se processar em condições de sequeiro, indefesas contra as variedades da meteorologia, é notoriamente a mais sacrificada de todas quantas se fazem na terra portuguesa e, portanto, a mais urgentemente carecida de reanimação.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já correu bastante que entre as conclusões das jornadas e a publicação do regime cerealífero interveio, pelo menos, uma consulta ao Ministério da Economia, por parte dos representantes dos organismos corporativos da agricultura - e não só do central -, que não se desenrolou no mesmo clima anterior da afabilidade. E se então, segundo parece, a expressão mais nítida de mudança foi a queixa expressa de que os agricultores estão sempre a reclamar, importa sublinhá-la em quanto manifesta ignorância de uma verdadeira constante da civilização industrial, que todavia não requer só complacência, mas substancial deferimento.
Ora foi este deferimento, na resolução imediata do mal-estar aliás reconhecido, que faltou ao novo regime cerealífero, antes o substituíram cerceamentos de facilidades anteriores, que no mesmo domínio do imediato agravaram a situação, em vez de a aliviar, como tão forte e fundadamente se esperava.
Daqui um estado de profundo desânimo e desapontamento entre, pelo menos, grande parte dos agricultores portugueses, cujas implicações económicas, e até políticas, não podem de modo algum ser ignoradas.
Porque até o modo de dizer as coisas não foi o melhor 1 A lavoura reconhecera, francamente, ter sido impelida a cultivar cereal, onde não deveria, por facilidades animadoras; e aceitara que estas lhe fossem retiradas se os preços pudessem ser melhorados. Ora, procedeu-se exactamente ao contrário, mas não faltou a nota de que assim se ia ao encontro dos desejos expressamente manifestados pela lavoura trigueira! Isto, no português antigo, chamava-se fazer o mal e a caramunha: e se traduz uma tendência de espírito para a ironia, convém lembrar que esta figura de retórica é de manejo delicado em política económica, de natureza tão concreta.
No aspecto positivo, porém, o regime cerealífero vem acompanhado da primeira exposição de um plano de reconversão agrária de largo fôlego, de certo modo oferecendo as promessas deste como lenitivo dos desapontamentos daquele. O plano tem sido saudado, como cumpre, pelas tubas da propaganda oficial, mas a verdade é que tem merecimento a mais aplauso do que o dos simples apologistas automáticos, e vem ao encontro de ideias de longe defendidas.
Todavia, a reconversão é, como logo ali se reconhece, operação gradual e custosa e o próprio plano aparece dependente de muitas premissas ainda por apurar. No seu despacho de 7 de Novembro, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, a quem o sentimento de algumas dúvidas não me impede de render as homenagens devidas à sua limpa intenção, não ocultou a falta ou atraso na preparação de elementos essenciais de estudo e de decisão, quase só nos oferecendo, como medida para efeitos imediatos, a importação de 500 bovinos" reprodutores, quantidade que não deixou, todavia, de impressionar quantos supunham a inseminação artificial definitivamente acreditada ...
O sentido fundamental da reconversão é o de viragem de uma economia do abastecimento para economia de mercado. A. preocupação do abastecimento dominou profundamente os espíritos de quantos sofreram as vicissitudes das duas guerras mundiais e decerto só os deixará quando puder ser substituída pela certeza de não ocorrência de terceira; a abertura do mercado - presumivelmente o mercado crescente dos produtos mais ricos - vai exigir grande esforço e acerto na competição com os que já o assaltaram primeiro. E aqui estão as duas grandes ordens de interrogações que se podem oferecer aos anunciados planos, cuja plena aceitação carece porventura de mais largo exame das perspectivas e das opções.
A verdade é que sempre se produziu para algum mercado, mas na produção agrícola o mercado não pode ser deixado em inteira liberdade, tão fortes são as pressões a que anda sujeito. E se esse mercado for o internacional, então há que ter em conta o facto certo de muitos preços oferecidos neste não terem relação com os praticados no interior dos mesmos países exportadores. Tais não são preços fixados pelos Ministérios da Economia: são-no pelos das Finanças, em obediência àquilo que a F. A. O. eufemlsticamente chama «a acção enérgica dos países exportadores para aumentarem as suas receitas, em divisas». E os países que se nortearem por eles na vida interna hipotecarão os interesses dos produtores seus nacionais às políticas financeiras dos fornecedores.
Estará bem que nos voltemos nós mais para as condições dos mercados, mas sempre com prudência. Outra coisa não faz, aliás, a Europa -exceptuada só a Grã-Bertanha: essa, depois de ter morto a sua agricultura, tem tido que a fazer reviver por altíssimo preço-, toda a Europa, que insiste em produzir o seu próprio trigo e a sua própria carne e lhes defende ciosamente os preços nessas árduas batalhas diplomáticas de que os jornais nos dão frequentes notícias.
Na apresentação da viragem há, pois. certo risco de se iludirem os governantes e o público, e a mim parece-me que se está a preferir esse risco ao de pôr francamente a necessidade e a justiça das valorizações de alguns produtos.
Aliás, a reconversão que se anuncia .com a viragem é essencialmente dirigida às regiões do Sul do País, tradicionais e principais cultivadoras de cereais a seco, principalmente do trigo, e procura, repetirei, oferecer praias propícias aos agricultores, que agora são deitados ao mar para se ver quais sobrenadam, na execução de uma táctica já antes sugerida, mas logo repelida com horror pelos sectores então visados.
Mas a crise agrícola e a necessidade de reconversões importantes não são de modo algum exclusivo daquelas regiões. Aliás, o mesmo regime cerealífero que a estas desgostou não menos desagradou a outras: a Trás-os-Montes, por exemplo, que vai deixar de receber os 16 000 contos de subsídio no preço do trigo que o ano passado ainda teve, e às regiões leiteiras do Minho e Douro-Litoral, afectadas pela subida do preço da sêmea