2870 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
tempo pedem e esperam não se diluam de todo nas páginas voltadas da agenda da grande política nacional!
Quero crer que na escolha, além da II atufai indulgência, muito influiu o facto de se saber que com plena consciência, dei conta de muitos desses problemas quando pela força inquebrantável do Destino tive de servir o meu município de origem durante mais de três lustros, iniciados antes de 1936.
Tomei então conhecimento c estreito contacto com toda a grande teia de dificuldades que tanto nos embaraçavam a administração desse minúsculo corpo administrativo, amargurando a nossa actividade em razão dos estreitos limites., que- lhe impunha a sua permanente debilidade de recursos e o condicionalismo então vigente.
O encontro com as edilidades de outros municípios fez-me conhecer a generalização desse grande mal e criou em mim a ideia, que sempre me tem acompanhado, de colocar ao serviço das instituições municipais os magros recursos do meu acanhado valimento.
Obedecendo a tal ideia, apresentei numa das sessões desta Câmara, em Abril de 1959, no decorrer da última legislatura, uma nota de aviso prévio em que me propunha tratar da vida difícil e tormentosa da grande maioria dos nossos municípios.
Deixei com singeleza sumariada nessa nota a necessidade de valorizar as instituições administrativas, nomeadamente as câmaras municipais, como indestrutíveis unidades de acção, com lugar perfeitamente definido na orgânica nacional, com tarefas importantíssimas que nenhum outro organismo ou instituição pode cumprir com o mesmo, ou sequer aproximado, proveito local e nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tanto, propunha-me fazer uma revisão do. conjunto dos direitos e obrigações dessas autarquias, referindo - como dizia - o apoucamento daqueles e o indefinido e arbitrário alargamento destas, com a consequente impossibilidade de servirem os seus povos em ordem a conferir-lhes teor de vida conforme com os grandes princípios da dignidade humana.
Anunciou-se, entretanto, a publicação do novo Código Administrativo para o findar do ano de 1960, em cumprimento do determinado no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 42 536, de 28 de Setembro de 1959, e por isso não se julgou oportuna a efectivação desse aviso.
Decorreu o tempo sem que essa publicação se fizesse, ficando assim incumprida a citada disposição legal.
Pareceu então conveniente que eu renovasse o meu propósito, e daí o ter apresentado uma nova nota de aviso prévio sobre a mesma matéria, que venho efectivar agora.
Foi essa apresentação feita na sessão de 23 de Abril do ano corrente e, segundo consta do Diário das Sessões n.º 95, que a inseriu, o sumário escolhido não se afasta muito do sumário primeiramente apresentado.
E nem podia deixar de ser assim.
As razões que haviam presidido ao meu propósito inicial ainda todas se mantinham na plenitude da sua força.
Por isso se deixou afirmada, depois de rápida passagem sobre a situação actual das autarquias municipais, a necessidade da revisão do sistema do actual Código Administrativo, que, dizia, criou os grandes desencontros da estrutura financeira municipal, ciosamente mantida em apertado e rígido condicionalismo centralizador, que teima em não equacionar o crescente valor das necessidades dos povos com o deficitário teor das administrações locais para as satisfazerem.
Desta sorte, se anunciou o propósito de analisar essa estrutura financeira nos seus diferentes aspectos, partindo, evidentemente, das receitas para se fazer ajustada apreciação das despesas como maneira que pareceu melhor para demonstrar II necessidade da predita revisão.
Quando, porém, dei conta do ambicioso sumário que traçara, logo reconheci a completa impossibilidade de o desenvolver com a latitude que lhe sonhei!
Primeiramente, tive de aperceber-me que havia superestimado as minhas próprias possibilidades de antigo e modestíssimo presidente de uma câmara humilde, que, a despeito de ter sido uma escola onde se aprenderam as proveitosíssimas lições de uma experiência vivida em muitos anos dezassete foram os que a servil -, não me conferiu mais do que os primeiros rudimentos da difícil ciência administrativa.
Depois, porque, aliado a tais limitações, o desenvolvimento completo - ou que pudesse ser havido como tal - desse sumário não podia ser feito, na minha vida ocupada e complicada, no acanhado tempo de que pude dispor.
Desta sorte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu trabalho, que não sairá da linha despretensiosa das minhas intervenções nesta Câmara, não será, de nenhum modo, e porque o não pode ser, um completo repositório das muitas razões que pesam a favor da causa que me propus defender, mas, sim, mais um depoimento em que procurará demonstrar-se que, infelizmente, na orgânica daquelas nobres autarquias há fortes peias a mais ao lado de muitos direitos a menos.
Não é, de maneira nenhuma, novo este pensamento!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: nunca entre nós foi posta em dúvida a imprescindibilidade das comunidades municipais e o altíssimo somatório das suas grandes virtualidades.
Pensamento dominador das relações humanas, sempre os mais fortes, desde as épocas primevas, em que o Poder tinha mais cunho pessoal, se lembraram que a sua sobrevivência tinha, como condição primeira, a da sobrevivência dos mais fracos na sua vida em comum.
Daqui que estes fossem ganhando direitos que se haviam de manter e definir para poderem perdurar.
As comunidades municipais apareceram assim, e não importa agora aprofundar o seu condicionalismo inicial e as suas origens como instrumentos de manutenção e definição desses direitos.
Por isso, atravessaram as procelas políticas que a humanidade foi sofrendo e aparecem, nos alvores da nossa nacionalidade, como valores indiscutíveis, de que os nossos monarcas não quiseram nem puderam prescindir.
São bem conhecidas as vicissitudes dos nossos municípios através dos nossos oito séculos de história e a gama variada dá sua evolução.
Superiores, sempre, aos vendavais da política, com maiores ou menores direitos, eles chegam aos nossos dias carregados de tradição. É que, ciosos guardadores das liberdades humanas e da sua preservação na vida comum do conjunto de almas ligadas pelo mesmo destino, os municípios sempre foram as instituições que melhor as acautelaram e desenvolveram, defendendo-as contra as cobiças do mando de qualquer hierarquia.
Não há, nem nunca houve, entre nós opiniões divergentes a este respeito.
O município é, assim, uma realidade viva e natural que se tem projectado na nossa história como se projectou e projecta na história dos povos em que o indivíduo aparece como um ser dotado de personalidade que lhe atribui direitos e obrigações, nas quais se cimenta a dignidade