2872 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115
administrativo, se apresentou como inteiramente cabido e apropriado, e tanto que o não modificou a redacção definitiva que a este código veio a ser dada em 1940.
Organizado e editado em período de franca estabilidade da vida nacional, este código reflecte bem o espírito construtivo da época, quando, além do mais, estabelece com larga pormenorização a competência dos corpos administrativos, impondo-lhes o activo dinamismo que tão necessário se mostrava.
Assim, a essas autarquias se traça um vasto e importantíssimo somatório de actividades, que vão desde a administração dos seus bens próprios e dos comuns ao fomento e coordenação económica, ao abastecimento público, à cultura, à assistência, à salubridade pública e até à própria polícia.
Pode afirmar-se que, de uma maneira geral, todas as actividades da vida humana encontram lugar na especificação da competência que é atribuída aos órgãos de administração local por este código.
Contudo, a despeito de impor tão grande somatório de obrigações, certamente com o nobre intuito de dinamizar a vida administrativa, adormecida em várias latitudes do território nacional pelo desinteresse a que por lá se chegara, este código, ao mesmo tempo impulsionador e cauteloso, não deu grandes largas às administrações municipais!
O condicionalismo estabelecido que, por um lado, estreitava os horizontes em que essas administrações se podiam mover livremente e sem peias, por forma que o seu dinamismo pudesse ser controlado de dentro e de fora, por outro, encurtava-lhes as possibilidades através do regime financeiro que lhes impunha.
Na verdade, às administrações municipais não ficava margem para talharem os seus réditos, na justa medida das grandes necessidades que lhes cumpria satisfazer, já que esses réditos, na sua parte mais importante, haviam de chegar aos seus cofres através do sistema fiscal do próprio Estado, cobrados com alguns dos impostos e contribuições com que este robustecia o seu erário.
Houve mesmo o cuidado de afirmar no artigo 566.º que «o concelho, a freguesia e a província gozavam de autonomia financeira, sem prejuízo da fiscalização e tutela do Estado».
Sem embargo deste estreito condicionalismo para obtenção de receitas ordinárias, às administrações municipais foi desde logo imposta como despesa sua, para ser satisfeita obrigatoriamente, uma impressionante série de gastos que, em boa verdade, nada interessavam ao desenvolvimento da vida municipal.
Foram todas essas despesas taxativamente enumeradas nos dez números do artigo 640.º e por eles se mostra e vê como foi violenta e descabida semelhante exigência.
Na verdade, obrigar as câmaras municipais ao pagamento das despesas que só ao Estado deviam pertencer, como eram todas as que em tais mimemos do citado artigo se referem, representa uma nítida contradição com o postulado básico que presidiu à elaboração desse código e que no seu preâmbulo se afirmou ser «a intenção de iniciar na vida. administrativa uma fase harmónica com a ideologia que, no domínio constitucional, inspirou as reformas do listado Novo».
Se se podia aceitar que antes do domínio constitucional, e por mercê das grandes tarefas da reconstrução em que a ditadura se tinha lançado e para obviar às enormes despesas que foi necessário fazer, o Estado impusesse às câmaras esse sistema de indirecta contribuição nos seus gastos, já não é admissível que tal sistema se transladasse para um código, tornando-o assim uma norma natural de vida.
É que ela ofendia nitidamente o espírito construtivo da Constituição Política, na medida em que restringia as grandes missões específicas das câmaras municipais, que não podem ser cumpridas senão depois de estarem pagos os encargos da alheia administração!
Na verdade, assentou-se em que as câmaras teriam de satisfazer obrigatoriamente as despesas com a renda, construção, conservação e reparação dos tribunais judiciais de 1.ª instância com sede na circunscrição municipal; as despesas com renda, instalações, mobiliário, água e luz das secções de finanças concelhias e dos bairros de Lisboa e Porto, tesourarias da Fazenda Pública, tribunais das execuções fiscais, conservatórias do registo civil e delegações de saúde, conservatórias do registo predial, nas sedes da comarca, e administrações dos bairros de Lisboa e Porto; as despesas com o expediente das escolas primárias; as despesas da instalação dos carcereiros; as despesas de renda, construção, conservação e reparação das casas para magistrados judiciais; as despesas de transporte de doentes para- tratamento anti-rábico, quando não fossem conhecidos ou não possuíssem recursos os donos dos cães raivosos; as despesas com o tratamento dos doentes pobres em determinados hospitais; as despesas do recenseamento eleitoral, do recenseamento militar e do recenseamento escolar; as despesas com quotas que, por lei, houverem de ser pagas a associações ou institutos nacionais ou internacionais.
De uma maneira geral estes encargos já constavam de preceitos de diplomas que os vários departamentos do Estado foram editando para se aliviarem da pressão importante dos seus numerosos gastos.
Mas não eram só estas as despesas que os municípios tinham de satisfazer obrigatoriamente. Outras e vultosas lhes impunham diversas providências legislativas ou actuando como tal, como, por exemplo, os gastos com o levantamento aerofotogramétrico do território nacional, que foram de apreciável montante.
Pena foi, na verdade, que, ao promulgar-se um código tão valioso, no qual, como escreveu o seu ilustre autor em notável artigo publicado em número extraordinário de O Século com que esse jornal quis assinalar as comemorações do duplo centenário da fundação e restauração de Portugal, em 1940, «se abriam horizontes magníficos ao município português», se houvessem enevoado esses horizontes com um condicionalismo que, ditado por certas conveniências momentâneas e exclusivistas, não podia servir, e não serviu integralmente, o grande interesse nacional que o ditara.
Efectivamente, se é certo, como afirma ainda o insigne professor, que «o município não precisa de mais atribuições ou de mais competência, mas apenas de encontrar quem saiba animar e utilizar as faculdades legais para as exercer em prol do comum», certo é também que, para se atingirem tão altas finalidades, têm as administrações de poder dispor dos meios necessários, de contar com as possibilidades materiais para executarem a obra que, com inteligência, amor e entranhada dedicação aos seus rincões, tenham concebido os seus administradores com o esclarecimento que sempre foi apanágio dos homens bons dos concelhos.
Ora o importante diploma que foi o código de 1986 não harmonizou os seus nobilíssimos intentos da incentivação da vida local com as possibilidades de se realizar essa mesma incentivação no ritmo e na expressão que se impunham.
E puna foi que assim tivesse sucedido.
Condicionada estreitamente a possibilidade de obtenção dos meios indispensáveis ao cumprimento rigoroso dos seus imperativos deveres, uma grande maioria de administra-