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22 DE JANEIRO DE 1964 2957

Sr. Presidente: mas honro-me de fazer parte desta Assembleia, que, tão dignamente e tão inteligentemente orientada por V. Ex.ª, tem revisto com o maior escrúpulo numerosas propostas do Governo e no perfeito cumprimento do seu dever e no uso das suas inalienáveis prerrogativas, frequentemente se abalança a iniciativas próprias e bem arrojadas. Basta, para justificar essa honra, recordar os vários avisos prévios já aqui tratados e pensar uns momentos em tantos outros já anunciados.
Nesta altura estamos todos, Sr. Presidente, graças à iniciativa do ilustre Deputado Prof. Nunes Oliveira, a quem sinceramente felicito, absorvidos com os problemas da educação, procurando abrir novas janelas para que a luz e a verdade penetrem nos seus recessos mais escondidos e delicados. Já em Maio do ano findo o Sr. Ministro da Educação Nacional declarou «ter em vista estabelecer um estatuto fundamental, traçar uma carta orgânica, definir um conjunto de directrizes ou bases a que há-de obedecer toda a acção educativa em conformidade com os superiores princípios constitucionais». Ora, como todos nós sabemos com que cuidado, com que argúcia e com que sabedoria o Sr. Prof. Galvão Teles se dá, devotadamente, aos seus trabalhos, é óbvio que o nosso propósito se resume numa singela e franca colaboração.
O presente aviso prévio contém muitos e delicados problemas. Vou cuidar do relativo à saúde escolar. E decidi-me a tal, por um lado, com a euforia instintiva de um apaixonado e, por outro, com o temor de um homem consciente e reflectido. Um médico, Sr. Presidente, que durante trinta e sete anos vem coleccionando ossos do ofício e que, apesar de tudo, não desejaria ainda hoje ser outra coisa se de novo lhe fosse dado escolher, reage diante dos problemas da saúde e da doença como um jovem apaixonado. Mas um médico que se não acomoda nos limites da ciência - mesmo considerada esta no seu plano actual e universal e com toda a preciosa achega da sua arte sui generis e individualista - e se mete no mundo tamanho das deduções metafísicas, queda-se, realmente, aterrorizado diante da imensidade de um oceano que lhe parece não ter fim.
E este deve ser o verdadeiro médico escolar.
A problemática da saúde escolar não é apenas relevante, mas também transcendente. Relevante pela quantidade de indivíduos em causa e transcendente pelas qualidades intrínsecas especiais desses indivíduos e ainda pelas suas dependências e projecção na vida nacional.
Relevante porque, além dos 11 por cento da população de Portugal continental e insular inscritos no ensino público e particular, há que acrescentar a correspondente porção ultramarina e a legião de jovens não estudantes entregues ao desporto, no seu melhor conceito, através das suas numerosíssimas agremiações existentes em todo o País e que têm de ser consideradas meios formativos físico-psíquicos e, consequentemente, dependentes do departamento da saúde escolar.
E transcendente, pois é, sobretudo, pertinentíssimo considerar a qualidade da matéria que se vai trabalhar, reflectindo sobre a delicadeza de uma idade que é de desenvolvimento e de adaptação, de grande maleabilidade formativa ou deformativa e de viva receptividade psicológica.
A transcendência atinge a magnitude quando se estende o raciocínio para a influência da vida familiar e social em quase todos os seus variadíssimos aspectos. E de tal forma que não me parece possível determinar os limites do campo de influência da saúde escolar.
Julgo que podemos falar do nascimento ao matrimónio sem deixar perceber-se onde o mar começa e a terra acaba. Assim ficaria a coisa a modos de um circuito fechado, interrupto de cuidados formativos físico-psíquicos individuais, na ambiência escolar, com os olhos postos no supremo destino da grei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque aqui já dei a entender que considero a saúde escolar um fim e o desporto um meio de um outro meio que é a educação física, não causará espanto que, como questão prévia, me tenha de referir à transformação da Direcção-Geral de Saúde Escolar em Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar ou, simplesmente e mais de harmonia com o que actualmente se observa, em Direcção-Geral dos Desportos, última expressão a que realmente tudo se reduziu. Não era este, evidentemente, o intuito do digníssimo legislador ao redigir o Decreto-Lei n.º 32 241, pois nele se reconhece todo o respeito e apreço pela obra notabilíssima realizada pelo Prof. Serras e Silva na Direcção da Saúde Escolar ao sublinhar que nada se tirava ao que existia, sobrepunha-se-lhe alguma coisa de que se esperava muito.
Simplesmente, esta achega, na realidade relevantíssima, mobilizou uma tal burocracia, na maior parte consequente de um clubismo doentio, apaixonado e apaixonante, que - para glória da famosa democracia- a quantidade fez esquecer a qualidade e com o decorrer do tempo postergou-se o respeito pela hierarquia dos valores.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:

Foi-se pouco a pouco amortecendo
A luz que nesta vida nos guiava.

E o saudoso e insigne médico higienista de fecundo espírito criador, o mestre, o educador, o cientista, o sociólogo, o humanista e católico exemplar, lá das alturas a que ascendeu pelas asas das suas nobilíssimas virtudes, ao lançar o seu olhar complacente para as coisas temporais que lhe foram mais caras, há-de sentir-se como perante aquelas figuras esqueléticas, estáticas, perdidas e esquecidas de um Greco ou a Lição de Anatomia, de Rembrandt.
Rompem-me estas palavras, Sr. Presidente, como impulso do muito respeito devido à obra do meu saudoso mestre, e não de forma alguma por qualquer alergia em relação ao desporto, que entusiasticamente aprecio em muitos dos seus magníficos aspectos.
«Que pena me faz -dizia Salazar-. a mim, filho do campo, criado ao murmúrio, das águas de rega e à sombra dos arvoredos, que esta gente de Lisboa passe as horas e dias de repouso acotovelando-se tristemente pelas ruas estreitas e não tenha um grande parque, sem luxo, de relvados e árvores copadas, onde brinque ria, folgue, tome o ar puro e verdadeiramente se divirta em íntimo convívio com a natureza! Que pena me faz saber aos domingos os cafés cheios de jovens, discutindo os mistérios e problemas de baixa política, e ao mesmo tempo ver deserto um Tejo maravilhoso sem que nele remem ou velejem, sob o céu incomparável, aos milhares, os filhos deste país de marinheiros!»
Que melhor e mais bela apologia se poderia tecer ao desporto? Que melhor e mais evidente prova do valor do desporto como meio eficaz ao serviço da saúde escolar? Mas ao serviço como servo de um senhor como