3000 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122
as despesas respeitantes à sinalização do trânsito nas respectivas áreas.
As despesas obrigatórias também carecem de revisão e actualização. Há encargos cometidos às câmaras que, no ultramar, não lhes devem caber e outros que não devem pertencer a outras entidades. Estão no primeiro caso os vários aspectos da assistência, as despesas com tribunais, conservatórias, cadeias, administrações de concelho; os subsídios ao Instituto Ultramarino e à Escola de Medicina Tropical, etc.
No entanto, a acção de povoamento da província - e em todo o ultramar -, que devia caber essencialmente aos municípios, com toda a certeza de resultar mais eficiente e económica, anda por lá a estiolar-se e a desacreditar-se sem qualquer interesse para a terra e para a Nação. Há organismos que se perdem vergados ao peso de uma burocracia imperante e absorvente, enquanto outros razoavelmente apetrechados com material e pessoal competente, e que «devem Ser as alavancas propulsoras do progresso da província, levam vida de carência.
Estou, ao referir o facto, a pensar nas câmaras municipais, na Junta Autónoma de Estradas, nos serviços de saúde e-nos serviços de instrução. E coloco nesta conjuntura as comunicações rodoviárias acima de toda a actividade, porque sem uma boa rede de estradas não há povoamento a sério. Sem uma boa rede de estradas não se desenvolvem nem se multiplicam as autarquias locais. Sem uma boa rede de estradas não se pode falar em desenvolvimento económico nem no bem-estar das populações, sem estradas ou com más estradas não lhes chega lá o essencial e necessário, e, se lá chega, chega caro.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Nesta fase de recuperação geral nem se justifica o aparecimento da Junta de Povoamento como entidade autónoma, pois tudo devia estar a cargo dos municípios e da Junta Autónoma de Estradas, em íntima colaboração.
Sr. Presidente: atentemos em que em Angola há gigantestas tarefas para realizar e a reclamarem, por isso, dos homens que lá vivem e lá firmaram as suas aspirações e interesse, o melhor da sua inteligência e labor, em aliciante desafio à capacidade de criar. E com estes é que a Nação" pode e deve contar.
Como que paira permanentemente no ambiente que envolve os homens e as coisas o eflúvio aguilhoante das aspirações em busca de concretização, que os que para lá vão por empréstimo percebem, mas não sentem nem vivem. E ainda que uma vez ou outra o acaso as encarne em algum paladino do «bem comum do povo», cedo a força da inércia os reduz à imobilidade e faz voltar as aspirações à fruste condição de coisas sonhadas. São como água crescida na boca ao cheiro de coisa boa e que se engole desconsoladamente sem o acompanhamento daquilo que a fez crescer.
Ali não se sabe por que fatalidade está condenado a malogro todo aquele que por sua acção mostre que vai distinguir-se e elevar-se acima da planura charra em que vegetam as mentalidades adaptadas à ronceirice do equilíbrio coriformista a que os mais práticos e entendidos chamam «não fazer ondas», ou nivela a cabeça pela altura dos que se retoiçam na planura, que é o que na maioria dos casos acontece ou, se persiste em mante-la acima da vulgaridade, logo lhe fica decepada pela implacável guilhotina rasoirante. Por lá é isto que sempre se tem passado; e não me peçam exemplos, porque só abordo generalidades.
Sr. Presidente: a vida administrativa em Angola, qualquer que seja o grau em que a consideremos -municipal ou pública-, decorre desfasada, desarticulada da maneira de ser e do querer da maioria das populações vinculadas u província. Aos menos avisados pode parecer paradoxal esta afirmação. Contudo, não é. Eu explico.
Mas vou explicar em termos de ser a inteligência de cada um que há-de encontrar o devido entendimento. Consideremos que para administrar os interesses do distrito de Vila Real e para presidir ao respectivo município o Sr. Ministro do Interior vai buscar destacadas individualidades a Faro e a Portalegre. Honni aoit ...
Claro que isto é possível: todos os cidadãos do mesmo país estão igualmente aptos a compartilhar e a colaborar nas tarefas de interesse colectivo. Simplesmente, os do lado de lá do Marão é que não ficarão contentes; e com sucesso ou sem ele não deixarão de manifestar o seu desgosto, embora aceitando contrafeitos a providência superior. Mas não há dúvida de que os Trasmontanos são mais hábeis para discernirem sobre os interesses da sua região -tanto políticos como administrativos- do que os mais preparados cidadãos de outras províncias, contanto que* estes nunca lá tivessem vivido.
Deste modo, o íncola trasmontano olha para o governador e para o presidente recém-chegados como quem olha para uns turistas. Salva-se a solução como recurso de emergência, ocasional e transitório; mas que nunca só transforme em processo corrente e normal, como se pratica em relação a Angola. E todos pensamos, porque a isso os factos nos conduzem, que lá estamos reduzidos à primária função de contribuintes e produtores de matéria colectável, sem préstimo para as missões que interessam à Nação, à terra e a nós próprios. K que, colaborando em todas as tarefas em maior número e sempre, melhor podíamos avaliar os nossos erros e às nossas necessidades e com melhor cara pagaríamos esses erros, o que é mais agradável do que pagar erros por que não somos responsáveis.
Acrescentemos aos inconvenientes que da própria lei decorrem o desconhecimento ou deficiente preparação administrativa que frequentemente revelam as entidades incumbidas de funções tutelares e administrativas em alto nível, quase sempre transviadas da noção de «bem comum do povo», porquê dele desligadas, e o quadro das atribulações passa a dar mais nítidas perspectivas. Mas só ficará uompleto evidenciando em forte pincelada o choque fatal que a passagem .do equador causa nas pessoas -em todas as pessoas- que vão para o ultramar e que ao chegarem lá depressa manifestam os seus nefastos efeitos: egocentrismo e megalomania, omnisciência c infalibilidade, pruridos e susceptibilidades de toda a espécie, cujos graus de evidência variam na razão inversa dos princípios e educação de cada adveniente, com reflexos prejudiciais nas boas relações e marcha dos serviços.
Pelo vulgar, deixam de ser as mesmas pessoas que ao partirem de Lisboa se mostravam, vergadas ao peso de uma falsa humildade imposta pelo inesperado de uma ascensão rendosa e de uma confessada ignorância do meio e dos seus problemas.
É facto bastas vezes invocado para se fazer blague; mas nunca foi considerado na escolha dos homens que são despachados para o ultramar sem encomenda prévia e com marca de utilidade que a prática não chega muitas vezes a confirmar.
As gentes do ultramar não escolhem nem pedem: aceitam o que daqui vai; mas também acreditam nos poderes de concepção, de realização e de administração de muitos dos valores que lá se criaram ou se radicaram. Sabem que