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6 DE FEVEREIRO DE 1964 3129

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna, não porque tivesse qualquer coisa de construtivo a trazer ao debate que nos ocupa, mas porque entendi, em consciência, ser já tempo de alguém ter a coragem de dizer duas verdades amargas sobre o assunto.
Não tencionava intervir no aviso prévio e dessa decisão dei conhecimento aos meus distintos colegas que dele tomaram a iniciativa. Era ela ditada, melancolicamente ditada, pelo cepticismo profundo que de há anos se me vem arraigando no espírito, vendo forcada a actuar na mais mortal das rotinas, na mais letárgica inanidade, a máquina oficial com que se pretende levar a cabo a tarefa de educar os jovens portugueses para as tremendas e grandiosas responsabilidades do futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: peco a V. Ex.ª, em quem me habituei a admirar a inteligência excelsa do professor, o carácter impoluto e a nobilíssima isenção do homem público, que seja intérprete perante todos quantos possam ver nas minhas palavras uma censura pessoal da solene afirmação de que não há nelas a mais ténue preocupação de atingir personalidades, discutidas ou discutíveis, o mais insignificante propósito de «fazer política» a favor ou contra seja quem for, porque poderia até supor-se o impossível e que o próprio nome de V. Ex.ª, que foi Ministro ilustre da pasta da Educação Nacional, onde ainda preside, com notória e indiscutível elevação, ao mais importante dos seus órgãos de orientação superior, fosse envolvido nas alusões que alguns não deixarão de entrever nas palavras que vou pronunciar.
Desde já repilo a insinuação inevitável, reiterando ao Sr. Presidente do Conselho a grata admiração do português que se orgulha do privilégio de poder servir Portugal sob a sua alta orientação.
É nessa missão de serviço que diariamente vivo. É essa consciência ainda que aqui me traz a proferir palavras que muitos julgarão desrespeitosas e inoportunas, e todavia são a substância da verdade que não posso calar em mim, e é preciso que para dignidade da Câmara alguém tenha o desassombro de proclamar.
Proferiram-se aqui muitos discursos que honram os seus autores e, testemunhando da seriedade com que nesta Casa se abordam os problemas, reflectem também as justas preocupações dos pais, dos educadores, dos moralistas e dos dirigentes das actividades económicas e sociais.
Passaram-se em revista, que só não foi exaustiva porque o tempo e a natureza complexa dos assuntos o não permitiram, inúmeros aspectos da educação em Portugal, desde os vários graus do ensino oficial e particular, até às incidências do progresso técnico sobre a formação moral dos jovens de ambos os sexos.
Pareceu-me todavia a mim, a partir do momento em que o Governo anunciara o início dos trabalhos de planeamento de uma reforma geral do ensino e distribuíra as matérias por especialistas idóneos, que nada se ganharia em repetir à saciedade aquilo que o Governo decerto melhor que ninguém sabia, e se dispunha a estudar de forma definitiva. Havia que aguardar pacientemente as declarações públicas autorizadas para delas extrair uma ideia sobre o âmbito exacto da investigação iniciada, os seus princípios orientadores, os métodos da análise sociológica indispensável, os objectivos sociais próximos e remotos a alcançar, os prazos a ter em conta, os meios financeiras necessários à elaboração dos estudos preliminares e a sua rápida publicação para esclarecimento do País - numa palavra, os pressupostos de uma planificação séria, mesmo dentro da relativa modéstia que as nossas circunstâncias actuais recomendam e até impõem.
O País, porém, continua a aguardar pacientemente. Será talvez cedo. Mas começa a desconfiar, e eu com ele, de que baixou sobre as actividades da comissão de planeamento uma espessa, inexplicável cortina, não direi de ferro, mas de fumo, que nos deixa a todos na maior perplexidade.
De que se trata afinal?
Da revolução educativa, cujo frémito inicial se sentiu há anos com a campanha de alfabetização e educação de adultos tão cedo interrompida?
Vamos procurar, de facto, definir os objectivos de uma educação moral, intelectual e profissional para os portugueses de todos os continentes? Para os que hoje entram na escola e hão-de querer sentir o orgulho de serem portugueses ao atingirem a maioridade, nesse mundo misterioso, fantástico e imprevisível de 1980?
Vamos, efectivamente, lançar mãos à obra. fazer exame geral à consciência colectiva e começar a estudar para podermos finalmente prever, definir, pensar e decidir?
Ou preferiremos deixarmo-nos soçobrar no mundo de amanhã, vítimas do atraso sonolento, da mediocridade imaginativa, da estreiteza de visão de que todos seremos depois culpados?...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O mundo misterioso, fantástico e imprevisível de 1980 ...
Mas 1980, Sr. Presidente, é já amanhã. Amanhã seremos não 20, mas 40 milhões. Amanhã teremos reduzido a zero a taxa de analfabetismo, as nossas escolas serão colmeias multirraciais cuja gama cromática e variedade de falares acompanhará naturalmente a unidade de sentimento e a expressão linguística comum. Amanhã continuaremos a ter por vizinhos povos negros evoluídos, já talvez estabilizados e talvez ainda inimigos, que se rirão de nós se os não ultrapassarmos no ímpeto civilizador, no forte querer que foi sempre timbre da lusitanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ou seremos, num mundo que caminha a passos largos para formas ainda mal definidas mas inevitáveis de unidade económica e talvez política, parceiros envergonhados, parentes pobres, europeus de terceira classe?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o tema educativo ocupa hoje espaço cada vez maior nos planos nacionais de desenvolvimento de todos os países, ele é para nós de uma premência dramática e vital.
Não basta termos os recursos físicos e militares para defendermos o património herdado: é necessário que o Mundo se capacite de que somos dignos de o reter, integrado na própria alma.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Uma educação nacional, no Portugal de hoje, tem de partir da definição global não do que somos apenas, mas daquilo que queremos ser.
A um plano nacional de educação devem presidir conceitos fundamentais sobre o que é ser português, e a que