6 DE FEVEREIRO DE 1964 3135
O Sr. Teles Grilo: - Sr. Presidente: vai-se tornando cada vez mais difícil abordar o tema da educação, dadas as suas implicações com outros sectores da vida nacional, a exigir, de quem se propõe tal encargo, vasta soma de conhecimentos não só de carácter geral, como específicos da matéria. Minguados me são os primeiros, quase nulos os segundos (não apoiados), pelo que o meu depoimento necessariamente carecerá de interesse ou só o terá na medida em que VV. Ex.ªs se dignarem, com muita benevolência, apreciar o esforço, a boa vontade e a sinceridade que nele vou pôr.
Sinceridade, sobretudo. Porque é com sinceridade que os problemas ligados à nossa política educacional devem ser tratados. E com tanta sinceridade quanto é certo que todos eles, de uma forma ou de outra, mediata ou imediatamente, se prendem e gravitam em torno dessa extraordinária ideia-força, ideia-valor, que é a juventude!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E quando se fala de, para ou com a juventude, não podemos nem devemos usar de embustes ou sofismas, jogar com. ela, explorá-la. Só assim evitaremos que se afirme, cada vez mais fundo, o dissídio entre os mais novos e os mais velhos e facilitaremos que entre eles se estabeleça um diálogo aberto e franco em todos os domínios da complexa vida social dos nossos dias.
Certo que essa divergência existirá sempre como fruto decorrente, inexoravelmente, da própria natureza humana; mas aos responsáveis pelos destinos dos jovens, em tudo quanto signifique orientar as suas qualidades, quase sempre dinâmicas em excesso, vigiar a sua por vezes tumultuosa gestação biológico-social, imprimir o melhor sentido às suas tendências e impulsividades, ao seu dinamismo vital, aos seus sonhos e ambições, a toda a gama das suas preferências e novas opções, e por fim aproveitar e canalizar, rumo ao tipo de cultura que mais interesse à Nação, a sua extraordinária potencialidade, dia a dia a desabrochar em poesia criadora, perenemente viçosa, empolgante! - aos responsáveis, ia dizendo, por este labor gigantesco, competirá realizar, com perseverança e nunca amolecido entusiasmo, um esforço positivo tendente a reduzir o fosso a proporções que não alarmem, usando de inteligência e bondade, de ponderação e amor, a par, como é óbvio, de indispensáveis e cada vez mais profundos conhecimentos psicotécnicos.
Esse terá de ser, fundamentalmente, o papel do educador hodierno, amarrado, sem possibilidade de fuga, a esta época de generalizada turbação, de desordem nas almas e nos espíritos, de tendência para a discussão, negação e massacre de conceitos multisseculares, de estrangulamento dos valores básicos e tradicionais que em quase dois milénios puderam estabelecer a harmonia da sociedade a que pertencemos - a esta época que, na ânsia indómita, e nem sabemos bem até que ponto legítima ou ilegítima, de provocar uma solução de continuidade na história, está, afinal, a pôr às escâncaras os prole-gómenos de uma autêntica viragem dessa mesma história!
Assim, batido impiedosamente por todos os maus ventos do pretérito, agora engrossados pelos desvairados ventos do presente, o homem a quem está confiada a nobre missão de educar só pode salvar-se, nessa qualidade, e com ele salvar as gerações de jovens que lhe forem confiadas, se puder dispor de meios técnicos, materiais e morais que, para além de fautorizarem a sua firme independência económica, tão imprescindível à eficiência do ensino, possam transformá-lo, a ele, mestre-escol a, a ele, professor liceal, a ele, lente universitário, em pedagogo consciente, possivelmente em sociólogo mais ou menos notável, e sempre num autêntico Educador, com E grande, tão interessado em fazer saborear à inteligência dos jovens, sempre ávida, irrequieta, os frutos ímpares das letras, das artes e das ciências, como preocupado em alimentar nas suas almas, sempre generosas e boas, os mais acabados ideais de cunho eminentemente cristão, em ordem à sua formação moral e profissional, à sua plasmação humana e nacional.
É esse o tipo de educação que deve ser dado à nossa juventude, o tipo de educação que deve ser exigido de todo o professor, desde o do ensino primário ao do ensino superior.
Mas, como a axiomática nos diz, ou pelo menos aconselha, que não deve solicitar-se de alguém aquilo que esse alguém não tem, não pode ou não quer dar, logo ocorre formular, em conclusão meridiana, que se vão pedir as coisas só a quem as tenha, as possa e deseje dar.
E esta conclusão sugere uma outra ordem de considerações, a implicar com o problema do recrutamento do pessoal docente, aliás já aqui tratado com tanto brilho, profundidade e saber, além de outros, pelo Sr. Deputado Dr. Olívio de Carvalho. Todavia, o diverso teor da minha exposição e os diferentes objectivos que através dela me proponho alcançar não justificarão que trilhe, a não ser muito fugazmente, e só num ou noutro ponto, os caminhos já percorridos por outros ilustres parlamentares.
Abordarei o problema em termos muito genéricos, até porque não sou técnico, mas leigo, e dos mais completos, no assunto. Anima-me um único e franco propósito: o de contribuir, na medida do possível, para alertar os responsáveis e chamar-lhes a sua esclarecida atenção para uma ou outra anomalia verificada no sector educacional.
Pois bem, eu desejo perguntar, muito claramente:
Quem tem sido professor?
E como o tem sido?
Quem deve ser professor?
E como deve sê-lo?
Sr. Presidente: evidentemente que as respostas a cada um desses pontos dariam matéria, não para uma modesta e despretensiosa intervenção, como a que VV. Ex.ªs estão a ouvir, mas para extensos e bem documentados trabalhos, a realizar pelos técnicos respectivos.
Limitar-me-ei a responder consoante a um ponto de vista meramente pessoal, e aliás perfilhado por exigência expressa de conceitos e princípios que me nortearam desde sempre e que não podiam ser agora postergados neste transe emocional de uma tomada de posição sobre assunto de tão transcendente importância.
Na verdade, penso que em Portugal - o Portugal cristão que tanta cristandade derramou já pelo Mundo! - tem-se descurado abertamente o problema da formação pedagógica e moral do professor em benefício de uma dominante preocupação de tecnicismo, de especialização, de vultosidade de conhecimentos (uns e outros, aliás, servidos por uma ainda deficiente investigação científica) e de puro profissionalismo a tender para um tipo de ensino a todos os títulos reprovável: a fria exposição ex cathedra, com o desbobinar enfadonho das matérias, a silenciosa passividade dos alunos, e logo o seu alheamento ou desinteresse pela maioria das disciplinas que cursam!
Esta tem sido a realidade, salvo as honrosas excepções daqueles que, por si sós, e não por obediência a normas estabelecidas no alto, vão remando teimosamente contra a maré, sacrificando interesses pessoais, aparentando conformismo com as remunerações oficiais, mas estudando e ensaiando sempre novas formas de elevar o nível do ensino, cuidando sempre do seu aperfeiçoamento e da sua formação pedagógica, não esquecendo nunca a sua