3374 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
tem-se empenhado em solucionar os inúmeros problemas que assoberbam a lavoura!
Na realidade, o paradoxo é de referir, porque, apesar do nunca desmentido interesse das instâncias oficiais e até das contribuições concedidas a várias actividades agrícolas, a lavoura não logrou atingir o grau de relativa despreocupação que é mister obter para bem poder desempenhar-se da sua árdua tarefa.
A crise da lavoura manifesta-se, efectivamente, como muito bem diz o autor do aviso prévia, sob três formas distintas: empobrecimento, desclassificação social e despovoamento dos campos. O observador atento poderá anotar ainda que elas são alotropia de uma única verdade incontestável: o amanho e cultivo da terra têm sido, desde tempos imemoriais, olhados como actividade inferior, a mais baixa de quantas o homem exerce.
É a altura do nos interrogarmos: aceite o princípio de nobreza para todas as formas de trabalho, sujeitas apenas ao seu desempenho honesto e eficiente, por que temos esperado então tanto tempo pela resolução do problema vertente?
A resposta é, como a crise, de carácter universal: a dificuldade é grandeza de tal ordem que tem superado as mais fortes boas vontades sucessivamente postas ao serviço demolidor daquela barreira.
Continuamos na interrogação: apesar disso, deveremos depor as armas, cessar a luta e deixar que a situação se resolva por si própria? Nunca o fizemos, nem as restantes nações; pelo contrário, todos nos temos empenhado no progressivo desenvolvimento dos meios de ataque, na busca constante de um objectivo que reconhecemos difícil.
Aqui estamos hoje, na sequência daquela determinação, a procurar intensificar o combate à crise da lavoura. Aqui estamos a lembrar que é necessário prosseguir, atacando de frente, e sem tibiezas nem delongas, a vasta gama dos obstáculos.
Sabemos perfeitamente que o sector industrial, mercê de um conjunto de factores favoráveis, pôde alcançar uma estrutura e orgânica satisfatórias num espaço de tempo mínimo, isto é, entre equacionar e resolver-se o problema, caminhou-se rapidamente na satisfação das justas reivindicações sociais de quem o serve. Não nos move a ideia insensata de esperar uma evolução que se processe ao mesmo ritmo no caso da lavoura. Mas entendemos oportuna a ocasião para definir o rumo a tomar, tanto mais que nem sequer precisamos de criar novas estruturas e consequentes órgãos directivos, tanto de carácter meramente técnico como do ponto de vista social.
A nossa organização corporativa engloba meios suficientes para, numa íntima e perfeita comunhão de esforços e trabalho, atingir a plataforma mais consentânea com os interesses da Nação, isto é, de modo a reduzir ao mínimo viável o desequilíbrio existente na relação trabalho da terra-trabalho industrial-outros serviços.
A lavoura nacional dispõe dos organismos indispensáveis à marcha regular e normal das suas actividades, e àqueles nem falta já a cúpula conveniente, pois a Corporação está criada há anos e apta a servir os fins a que se destina. As Casas do Povo, instituições de base para garantia e defesa dos interesses respeitantes aos trabalhadores da terra, estão experimentadas no decurso de longo período de funcionamento e temos a certeza de poderem satisfazer quanto delas se pede nos estatutos por que se regem; bastará, unicamente, proporcionar-lhes condições para a realização integral da obra polifacetada que a letra da lei lhes confere.
Aliás, é o próprio Ministro das Corporações quem vem corroborar a opinião emitida. Na sua visita do dia 15 próximo passado ao distrito de Setúbal, anunciou importantes progressos da política social rural, alguns deles a assinalarem já o ano corrente.
A regulamentação do trabalho e a extensão da previdência aos trabalhadores do campo são medidas de incalculável valor para debelar o gérmen da doença que se radicou nos nossos meios rurais e é obstáculo a remover com urgência.
A utilização do ensino profissional acelerado na formação e reclassificação dos trabalhadores rurais, mediante a criação de centros de aprendizagem junto dos próprios locais de trabalho, é outra achega valiosíssima para a solução do problema.
A reorganização e valorização das Casas do Povo, como organismos de cooperação e previdência rural, é pratica salutar que o Sr. Ministro também promete para breve e está absolutamente de acordo com o nosso modo de ver.
Da conjugação e interpenetração dos organismos existentes poderá, se quisermos, surgir a fórmula mais conveniente para, numa simbiose admirável, diminuir cada vez mais os diferendos do binómio lavoura-trabalhadores rurais, acabando, mesmo, pela eliminação pura e simples de todo e qualquer sintoma que possa traduzir oposição entre as empresas e os servidores.
Sendo impossível dissociar os elementos empresa agrícola e populações agrícola-rurais, ao propormo-nos solucionar a crise da lavoura, impossível se torna igualmente pretender acabar com o ancestral baixo nível de vida das gentes ocupadas no trabalho da terra sem que, concomitante e paralelamente, se dê à empresa o meio material de o fazer. As implicações assumem foros de reciprocidade que nenhum economista, por mais hábil e voluntarioso, é capaz de anular.
Lavoura pobre não pode retribuir generosamente quem a serve; populações agrícolo-rurais fracamente remuneradas constituem comunidades cuja fixação ao lugar de origem é extremamente difícil conseguir.
Os grandes centros são imanes poderosos que atraem aquelas populações dia a dia com maior intensidade. Superficialmente considerado, o êxodo dos trabalhadores rurais para os grandes aglomerados e centros onde a indústria domina é fenómeno que parece constituir manifestação egoística de quem, a nossos olhos desprevenidos, deveria continuar a viver no acanhado torrão natal. Mas, visto o caso à luz da equidade de direitos, para não o analisarmos antes sob o aspecto de humanidade, o êxodo traduz a única tentativa que o trabalhador da terra vislumbra para melhorar a sua vida e dos seus. Não nos é lícito descurar neste julgamento a penosa existência dos trabalhadores da terra, carregada de sacrifícios de toda á ordem, a começar pela dureza do seu labor e contingência de execução, para de mãos dadas com o nulo ou reduzidíssimo conforto do meio, onde quase tudo falta ou está fora do alcance da sua bolsa, passar pelo triste reconhecimento da sua desclassificação na escala social e finalizar o «seja o que Deus quiser» a respeito do futuro, quando a velhice ou a doença vierem obstar a que ganhe o «pão nosso de cada dia».
Parece-nos ouvir o eco de vozes longínquas e desgarradas, acusando o espírito de novidade e aventura de muitos. Sim, é verdade haver exemplos deste género. São, contudo, as excepções a confirmar a regra geral a que nos reportámos.
Todos temos conhecimento de que, apesar de alguns casos esporádicos de variadas causas, a principal determinante do fluxo migratório dos campos para as cidades e centros industrializados é a manifesta inferioridade do sector agrícola, que é um sector deprimido, tanto em referência ao nível de vida das populações agrícolo-rurais, como pelo índice de produtividade das forças de trabalho.