3662 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145
gens. Até onde o meu entendimento alcança, posso discriminar, segundo as razões, algumas modalidades de turismo: emocional, espiritual, económico e oficial.
No turismo emocional, ou desportivo, considero a caça, a pesca, a caça submarina e o montanhismo. Excepção feita a este, são modalidades que têm irreprimíveis atractivos em Angola; mas não devemos fazer, por enquanto, muito alarde, para. que não deitemos tudo a perder por falta de conveniente organização.
No turbino espiritual agrupo o recreativo, propriamente dito ou divagante - o do homem que passeia por passear, sem outra finalidade que não seja a de ver e observar e divertir-se com o que lhe agrade e apareça no momento-, o sedativo ou repousante e o cívico, ou educativo. Este último, como adiante exporei, é o que, em meu modo de entender, mais deve preocupar as entidades oficiais, se bem que não seja de qualidade rentável.
O turismo económico, ou comercial, é o do homem que não pára, em busca de melhores meios de comprar, produzir e vender sempre mais e melhor. São os turistas deste tipo os observadores mais argutos e os críticos mais rigorosos e exigentes. Andando em viagem de negócios, como dizem, tudo vêem, nada lhes escapa, tudo anotam o tudo comentam. São os mais activos elementos de propaganda de um país e, também, aqueles que, para viajar, entendem que todas as oportunidades são boas, contanto que ... o negócio mande viajar.
Com esta gente todo o cuidado é pouco; por isso, não pode haver desleixos em nenhum aspecto do arranjo da nossa casa e da compostura das pessoas. E resta-nos o turismo oficial, que pode assumir aspectos políticos e culturais - muitas vezes a encobrir propósitos de espionagem ou para comerem a isca e ... largarem o anzol.
Evidentemente que esta classificação é puramente de ordem pessoal, feita a priori e portanto, sem pretensão nem jeito académico.
De todas as modalidades de turismo que enunciei, uma há, de sentido endógeno, que, a par das outras, deva ser praticada com especial interesse e carinho. Refiro-me ao turismo cívico ou educativo. Julgo ser este o melhor meio para dar a conhecer aos Portugueses o Portugal ultramarino.
E, para todos nós, uma vergonha que enormíssima legião de nacionais, residentes na metrópole e que se situam em todas as classes, desconheçam o nosso ultramar.
Até não se registaria o caso grotesco de não serem aqui conhecidos do grande público os frutos tropicais que não entram na categoria de silvestres: a papaia ou mamão, a manga, o abacate, as anonas (sape-sape, fruta-pinha, fruta-conde), a goiaiba, a pitanga, o abacate, etc. E se fosse- a referir-me aos frutos silvestres, a ignorância até abrangeria muitos dos que se dizem profundos conhecedores de coisas dó ultramar e dão cartas e sentenças em qualquer lado.
Ainda hoje há pessoas em terras desta metrópole que ao verem um português negro ficam espantadas e incapazes de dominar a sua surpresa.
A uma senhora das minhas relações, funcionária do Estado, que aqui veio gozar as suas férias, uma pobre mulher tocou-lhe com um dedo no braço e passou-o rapidamente pelo seu a ver se deixava algum ferrete. E, como não deixou, fez um gesto convicto com a cabeça em sinal de afirmação, dizendo à outra- gente que cercava a senhora - é, é!
A senhora, foi impotente, à vista de tão ingénua ignorância, para reprimir uma risada, franca. Mas foi isso motivo para nova admiração e de comentário, a meia voz, de umas para as outras: «Ah! Que dentes tão branquinhos ela tem!».
Outro caso, que até parece anedota: aquando da eclosão do terrorismo em Angola, a imprensa noticiava que as operações militares de repressão se tornavam morosas e difíceis devido à densidade do capim, onde se acoitavam os terroristas para fazerem emboscadas. Tanto bastou para que certo senhor, com grau universitário, ao encontrar, casualmente, um antigo condiscípulo que viera a Lisboa em serviço oficial, falando da guerra de Angola, perguntasse ao amigo recém-chegado: «Ora, tu, que vens de lá, é que vaia explicar-me: o que vem a ser essa coisa do capim que tanto favorece os terroristas?» Resposta pronta do amigo: «Isso não tem explicação, só visto. Olha! Vai para lá pastar e já ficarás a saber o que é o capim».
Ora, penso que, a primeira tarefa dos serviços nacionais de turismo é a organização sistemática de grandes excursões do proletariado rural e das cidades, das classes média e estudantil às terras do ultramar, mais para obterem um conhecimento prático da grandeza e riqueza de Portugal e contactarem com a população negra, confraternizando com ela, como filhos da mesma Pátria, que são, do que, propriamente, para verem e admirarem novas paisagens. E deveriam ser essas excursões organizadas de tal modo que os excursionistas, logo que postos os pés em terra africana, ficassem totalmente entregues apenas aos cuidados da gente de cor que em tudo os guiaria em cumprimento do programa previamente estabelecido.
O metropolitano não pode continuar a desembarcar em solo pátrio de além-mar e olhar para o seu compatriota negro como se este fossa um bicho, e não filho de Deus é seu irmão em Cristo, como ele é.
Da acção militar que vem sendo desenvolvida em Angola alguma coisa mais do que desgraçados mulatos há-de ficar, embora não seja de esperar muito, dadas as condições psicológicas em que, para lá vão, resultantes de velhas e erradas concepções, e o estado de espírito em que têm de actuar.
E deixemo-nos de «lugares ao sol», de férias na Caparica, colónias de férias de quejandas iniciativas, aliás de muito louváveis intuitos, mas sem grandeza de horizontes, acanhadas, muito «pires» e dissonantes de nossa posição no Mundo.
Estabeleça-se, com o objectivo que preconizo, um intercâmbio de trabalhadores, funcionários, estudantes e militares, com a colaboração do Estado e de todas as forças vivas da Nação, e asseguro que o êxito será absoluto e os resultados incalculáveis.
E o dinheiro será, assim, mais bem gasto do que aquele que vem sendo consumido numa propaganda e com uns cavalheiros que por mais que gritem nos seus países - se gritarem- não colherão vontades nem votos que possam influir em qualquer procedimento decisivo a nosso favor nos organismos internacionais em que se discute e joga a sorte e destino das nações. Pode servir, quando muito, para ganharmos, na ordem pessoal, alguns amigos; mas de nada servirá para nos assegurarmos do que é nosso.
Podem, por boa etiqueta, não desfeitear o anzol depois de comidas as custosíssimas iscas; mas também não serão capazes de desfeitear quem nos hostiliza. Tenho ilusões, porque sempre entendi os factos diferentemente do comum das pessoas que neles pensam. E pouco sei. Mas sei o suficiente para estar convencido de que o que é de Portugal só com portugueses se defende e garante.
Este desiderato, porém, só o conseguiremos com o supremo esforço de tornar permeáveis e interpenetráveis aos