3990 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160
me perturbar sempre que por ela passo, volto ao segundo e explícito propósito do III Plano de Fomento: a melhor repartição da riqueza nacional.
Bem fez o Governo em o fazer explicitamente constar desse Plano.
Nasce aí uma grande esperança.
Certo é contudo, que este entusiasmo esmorece um tanto quando se repara na deficiência programática do Plano relativamente à efectivação do mencionado objectivo.
Estudos profundos e soluções adequadas enriquecem o projecto no que respeita ao modo de conseguir a aceleração do ritmo de acréscimo do rendimento nacional, a ele porém, omisso, ao menos numa formulação idêntica, pelo que toca a soluções concretas para lograr repartição daquele rendimento.
Ninguém duvida, é evidente, da possibilidade de funcionamento dos meios clássicos, permita-se a expressão, para tal obter ao longo e depois da sua execução.
Assim continuará a suceder e aí terá decisiva influência, a par da política fiscal ora persistentemente prosseguida, a política social, sobretudo, e para o caso concreto, com a melhoria das remunerações do trabalho em todos os sectores.
Tais factores, porém, nada tem de específico no III Plano de Fomento, e por isso não pode deixar de estranhar-se que apontando ele como uma das suas duas intencionais finalidades a dita melhor repartição do produto nacional, não lhe tenha feito corresponder, nas providências previstas para a sua consecução, as que visassem precisamente aquela melhor repartição.
E se pode aceitar-se que o Plano não inclua desde já a necessária revisão do actual e discricionário condicionamento industrial, substituindo-o por um condicionamento tecnológico - e essa seria uma providência de decisiva influência na melhor repartição do rendimento nacional, já outro tanto se não aceita, pelo que se refere à minimização com que aparece no Plano, a rubrica da instrução- mormente a do ensino profissional, que, de entre todas as do Plano, é a única que poderia vir a servir de modo eficaz e irresistível a melhor repartição do rendimento nacional,
É que a distribuição do rendimento é função do índice de produtividade dos factores que entram na produção.
Embora com as incidências correctivas e moduladoras que muitos factores de natureza social, económica e política aí provocam, pode, contudo, dizer-se que o rendimento se reparte pelos diversos elementos que entram nu sua criação, segundo o índice da produtividade desses elementos. Pelo que toca ao elemento trabalho -e é nele que. ao plano nacional, reside uma das causas da desigual e perturbadora distribuição do rendimento que o III Plano deseja rectificar-, pelo que toca ao trabalho, repito, o índice da sua produtividade é proporcional à sua qualificação.
É sabido que esta qualificação não é a que resulta de uma formação profissional acelerada, oficial, com simples conhecimento das fases de fabrico e sua mais ou menos hábil execução, mas sim a que provém «de uma formação de base que consciencializa a acção técnica e que só a escola pode dar», repetirei, acompanhando o Prof. Leite Pinto.
Um operário qualificado constitui, assim, uma unidade de eficiência produtiva - desculpe-se-me a expressão - de valer e índice nitidamente superior à que representa um operário sem a dita preparação de base e que não pode contar senão com o seu esforço físico.
Daqui ocorre que o trabalhador profissionalmente evoluído dá ao rendimento nacional uma contribuição mais
ampla e valiosa, dele recebendo, em contrapartida, uma parte mais
O nosso sector trabalho é, infelizmente, de reduzida qualificação: faltam-nos técnicos a todos os níveis - desde o primário ao médio, ao superior. Tal situação restringe poderosamente a criação da riqueza nacional e afecta não menos decisivamente a sua repartição.
O trabalho qualificado - o capital humano - é o principal elemento na criação de riqueza socialmente útil. Da Colômbia, que é uma das nações mais ricas de recursos naturais, à Dinamarca, da mais pobres nesse domínio, vai uma distância de séculos em nível de civilização, em valorização humana, em teor de vida, em bem-estar geral. A população da primeira é analfabeta em 93 por cento: na segunda, há mais de século e meio que o analfabetismo foi extinto e é obrigatório o ensino até aos 15 anos. Na primeira, pode asseverar-se não existir trabalho qualificado. Na segunda, não existe trabalho que o não seja. Pois, apenas por isto, na Dinamarca, país sem riquezas do solo e do subsolo, o rendimento nacional é dos mais elevados da Europa e a sua repartição é simplesmente invejável quando se olham as elevadas taxas da capitação média.
Pelo que referi, alinho, pois, ao lado de quantos entendem e defendem que um dos mais poderosos factores na criação da riqueza social e na sua equitativa repartição é o trabalho qualificado a todos os graus.
O parâmetro do trabalho qualificado de um povo tem a amplitude do seu desenvolvimento intelectual, da sua instrução, do seu ensino, em todos os graus e em todas as modalidades.
Volto a apoiar-me no Prof. Leite Pinto: o desenvolvimento económico começa por ser um problema político, mas sendo, no fundo, a busca do aumento da produtividade, torna-se, no fim de contas, um problema de instrução de todos os homens, a vários níveis.
Identificando-me inteiramente com tão lúcida como inteligente sentença, chego a esta conclusão: que ambos os objectivos do III Plano de Fomento - a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e a sua melhor repartição - teriam no incremento da instrução uma das suas mais importantes e eficientes providências.
Como se porta então o III Plano quanto à instrução do povo português?
Avanço já o meu parecer: lá mais para trás não lhe regateei o meu aplauso e o meu louvor; nesta rubrica, porém, não posso mante-los e adianto que votarei contra se o projecto não beneficio das alterações que nesse ponto julgo indispensáveis.
Não me demorarei a repisar o que já noutras intervenções tenho analisado - a panorâmica geral do nosso ensino, do infantil ao superior.
Para o exame do Plano neste sector e no ordenamento das considerações que vou fazer, apenas repararei no ensino técnico, e, deste, no médio e secundário, por serem não só os de mais cabal sentido e preparação profissional, como também os de mais imediata incidência na aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e da sua melhor repartição, isto é, os que mais adequadamente se entende deveriam ter merecido especial atenção neste Plano de Fomento e não mereceram.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No ensino técnico médio a situação não é apenas de carência, é de angustiante penúria.
Temos hoje os mesmos dois institutos comerciais e industriais de há 100 anos, do tempo do Sr. D. Luís - um em Lisboa, outro no Porto, criados para uma época em que a população portuguesa era metade da actual e a