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4116 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 166

-lo-ão o chefe mais ouvido da nova África. E. então, mais cedo ou mais tarde, o conflito há-de estalar e os Negros acabarão por ver que não é a Europa, que não somos principalmente nós os seus inimigos irredutíveis, mas o pan-arabismo avassalador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Atitudes e declarações suas, ainda recentes, levam-nos a crer, fundamente, que apenas de disponha livremente de todo o imenso território do seu país as bases de treino dos terroristas angolanos desaparecerão. Mas outro serviço inestimável devemos ainda a Tchombé. O que nós, Portugueses, vínhamos sustentando há muito (que Zanzibar e o Tanganhica se tinham convertido no grande centro do comunismo chinês para a escravização da África), ele o mostrou eloquentemente a todos, com as provas na mão, graças ao armamento e documentos apreendidos aos rebeldes de Sumialot.

Logo a seguir, as perturbações do Malawi permitiram que se levantasse outra das vozes mais nobres da África Negra -- a do presidente Hastings Banda, que infatigavelmente proclama que a Tanzânia se tornou um feudo do expansionismo de Mão Tsé-Tung. Realista e clarividente, este ilustre estadista africano sabe muito bem que as lutas internas e externas que lhe movem provêm todas, em larga medida, não só do facto de ele manter connosco as melhores relações de vizinhança, como de afirmar, até, a sua admiração pela nossa sociedade multirracial de Moçambique. Vontade firme c inteligência lúcida, segue, inquebrantivelmente, a sua linha de rumo desafiando todos quantos pretendam vir quebrá-la, por ser a única apta a garantir a liberdade e a grandeza do seu povo.

Quando sabemos que este desafio intrépido se dirige, principalmente, contra a Tanzânia, que os mais graves jornais ingleses e ocidentais, os que melhor reflectem o sentir da opinião pública e até do seu governo, já escrevem que Julius Nyerère vive manietado, claramente ultrapassado, pelas circunstâncias que ingenuamente aceitou, significarão alguma coisa de realmente grave as isoladas perturbações da ordem, que se deram no Norte de Moçambique?

A situação explosiva, desse nosso mau vizinho não pode sustentar-se por largo tempo sem um roce brutal com outros Estados negros - o Malawi, o Congo ou mesmo o Quénia. Poderosas nações do Ocidente espreitam, nitidamente, uma oportunidade para intervir. Mas esperemos que não incorram no utopismo das tropas inglesas, chamadas, há tempos, quando Nyerère fora deposto, para restabelecer a normalidade constitucional, a cuja sombra traiçoeira se chegou à trágica anarquia de hoje. Sempre me persuadi de que o problema das nossas províncias ultramarinas não é interno, e que não passa de um fantasma no exterior, imaginado por bem conhecidos interesses criados.

A evidência temo-la em Moçambique, como já a recebêramos em Angola, em perspectiva em tudo idêntica.

Quando o venerando Chefe do Estado tranquilamente passeou por essas regiões, tão ameaçadas como hoje, cuja situação é a mesma de então, apesar de tudo o que se possa crer não precisou de uma poderosa escolta, nem teve de andar longe das multidões nativas. Todos o aclamaram, como lia dias acentuei à Câmara, com igual fervor patriótico, alheios às ameaças do exterior, só preocupados com dar largas ao seu lídimo portuguesismo, fossem pretos, brancos ou mestiços.

O Sr. Délio Santarém: - Muito bem!

O Orador: - Se alguém timbrou em salientar-se nessas manifestações de lealdade foram precisamente as populações de cor, ante cuja vaga impetuosa nenhuns serviços de ordem resistiram. Queriam sentir junto de si o abraço efusivo do seu Presidente, encarnação viva desta Pátria comum, em que eles, como nós, cá e lá, bem alto afirmam que há-de continuar, una e indivisa, pelos séculos fora, além de todas as ciladas, covardias estranhas e ameaças impotentes.

Sr. Presidente: Pena tenho de não poder traçar aqui também um rasgado elogio político da maior figura cultural da África. Negra dos nossos dias, o celebrado poeta Leopoldo Sedar Senghor.

Visitou há meses, oficialmente, o Brasil, a maior empresa civilizadora de um povo por outro povo - Portugal -, em qualquer época ou lugar, como afirmaram já conceituados mestres da história. E lá, na cidade do Rio de Janeiro, que nós criámos e Baptizámos cristãmente, respondendo ao governador Carlos Lacerda (que afirmara, bem senhor dos factos e das palavras, que não podia "admitir-se que se pretenda impor" a Angola e Moçambique "uma independência para as conduzir a uma dignidade de que já beneficiam"), disse Senghor que Lacerda cantar a "no sucesso brasileiro o sucesso de uma civilização formada, não na sujeição, mas na independência em relação a um povo cuja tutela rejeitastes, sem lhe renegardes a cultura". E como que para espantar o mundo dos nossos dias, sempre tão ávido de sensacionalismos. lançou Senghor a proposta da criação de uma comunidade luso-afro-brasileira, que não pode deixar de nos merecer a mais enternecida gratidão. Não porque a aceite ou considere uma novidade em que ainda ninguém tivesse pensado.

Esqueço, por agora, a evidente contradição intrínseca da proposta, o generoso idealismo do poeta de raça que levou Senghor a subestimar a mais funda realidade do passado e do presente, o espantoso equívoco espiritual que ela supõe.

Deixo, para já, de lado, tudo isso, para incondicionalmente aplaudir a grandeza de alma de alguém que sabe conscientemente o maremoto que pode levantar, não entre nós, Portugueses, que há séculos andamos curtidos pelos sóis e vagas de todos os oceanos, mas precisamente no mar agitado da negritude. Mesmo que Senghor, na melhor das intenções, invertesse a perspectiva, falando desde o Brasil para se fazer ouvir em Portugal, quando o que se impunha, em boa verdade dos factos, era que de lá se dirigisse ao Mundo, à luz da mundividência portuguesa. Não para atingir a nossa atitude presente, mas para a iluminar e fazer ver pelo caminho que Carlos Lacerda bem lhe apontou.

Conheço desde estudante a primorosa obra poética de Senghor, que tanto admiro, até pelas claras ressonâncias de Paul Claudel que nela se encontram, desse Claudel eterno em que reconheço, com Charles du Bos, o maior génio latino e cristão do nosso século. E li o melhor de antologias e estudos que os grandes intelectuais negros, como Senghor, escreveram acerca do conceito de negritude.

A minha discordância vem, assim, de muito longe e de muito fundo. De muito longe, porque acompanho, desde jovem estudante, página a página, a gesta civilizadora da minha pátria cristã, a qual não é uma vasta empresa de
pirataria nem feira de escravos, mas essencialmente apostolado evangélico, embora com as fraquezas de toda a tarefa humana quantas vezes assimiladas na própria África, como o tráfico de escravos, que, séculos antes de nós chegarmos, árabes e negros largamente praticavam,