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12 DE DEZEMBRO DE 1964 4117

desde Tombuctu e outras proveniências. E vem de muito fundo porque os intelectuais mais representativos do continente negro, acusando os Brancos de racistas, se afirmam os mais intransigentes racistas, ao tentarem impor a ideia" de negritude, indefinível e inconcreta como o sexo dos anjos de Bizâncio, quando o que deveriam era falar de africanidade, grande princípio que profundamente venero. Ora Senghor põe como condição à sua projectada comunidade a independência prévia das nossas províncias ultramarinas. Mas, com todo o respeito pela sua altíssima qualidade de poeta e a elevada posição que ocupa na hierarquia política do seu país, não posso aceitar a viabilidade dessa estranha manta de retalhos fabricada com fios arrebanhados nos quadrantes do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não acredito porque a independência não é um fim, mas um meio, como bem lembrou um dos arautos da nova índia. Depois, Senghor esquece as vozes tão autorizadas que ultimamente se têm levantado em França contra o modelo da independência gaulesa, que nos quer, afinal impor, o qual, por seu turno, não passa de uma variante do figurino britânico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que são, de facto e na raiz. essas duas comunidades senão outra forma de colonização ou colonialismo, em que a assistência cultural, num caso, e a política, no outro, escondem a dominação económica dos povos jovens, aparentemente autonomizados?

Dois franceses de mente clara, sábio e economista um, e famoso jornalista o segundo, já mostraram que essa independência concedida pela França serviu apenas um escol de burocratas - sobre os quais se apoiou o domínio camuflado da metrópole -, cenáculo de mandarins, que, absorvendo o melhor da frágil economia nacional, se transformou numa colonização de maiorias por uma escassa aristocracia de cor, contra os interesses da massa e do bem comum, vulcão permanente em sobressalto, pela consciência crescente que sobretudo a juventude vai tomando do logro em que a prenderam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós vemos bem os erros que temos cometido no nosso ultramar. Mas não são os que nos apontam de fora. E temos ainda a força de alma indispensável para os emendarmos. Somos homens ... Mas, em matéria de obra civilizadora, pequenos, tudo que queiram, não precisamos de lições de quem sabe menos do que nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Possuímos uma tradição; e, cristãos que somos, não acreditamos na fatalidade cega das independências, porque repelimos, pela inteligência, os mitos e os tótemes.

O processo político do Brasil não adianta nada para um imaginário futuro da nossa África. Só o desconhecimento integral da história interna dos dois casos permite aceitar, beatificamente, a planificação primária. Nem Portugal nem o Brasil lucraram com a separação, não só porque este era há muito um Estado, como porque os espíritos superiores do grande país irmão (iludido por uma falsa autonomia artificialmente criada pela clique maçónica, que em seu único proveito se apossou do Poder, contra os interesses gerais da Nação) vêm reconhecendo a necessidade inadiável de outra vez nos federarmos, até politicamente.

Estudou alguma vez, porventura, o poeta Senghor, com serenidade, o nosso conceito de integração? Analisou-o, desde dentro, na letra dos textos legais, à luz da história real, na praça pública do nosso convívio racial, longe da vozearia que os nossos caluniadores há uma década vêm erguendo, nas assembleias internacionais?

Senghor é, na verdade, um príncipe da inteligência; e, como tal, sabe que a razão nunca pertence a quem mais levanta a voz para se fazer ouvir, abafando a justiça dos outros. Lá porque a Rússia, desde Lenine, aí por 1920, começou a gritar a todos os ventos o seu calão colonialista e a urgência de fazer chegar todos os povos pretensamente colonizados à independência (primeiro passo, pela sua imaturidade, para os atrair à escravidão comunista) e porque nós não temos garganta para erguer tão alto a verdade da nossa integração contra a fraudulenta descolonização russa ou chinesa, já o espírito superior de Senghor há-de vir repetir uma fórmula desacreditada pelos factos sangrentos que enlutam a África de hoje?

Sei que João XXIII, na Pacom in Torris, defende o direito dos povos à independência. Mas também os previne, aí mesmo, contra a ilusão tremenda da autonomia prematura ... Com esta velha lealdade de português ecuménico, habituado a falar a língua è a aceitar, catolicamente, as formas de cultura de todos os povos, quero declarar a Leopoldo Senghor que o seu próprio socialismo cristão envolve uma contradição nos termos, conforme Pio XI mostrou, na linha de Leão XIII. Lamentável seria que a lucidez da mente privilegiada de Senghor ajuntasse mais uma utopia, de que nós seríamos as vítimas, a essa outra, que há-de acabar por vencer.

Tenhamos, pois, coragem para enfrentar todos estes embates, que a vitória final será nossa.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Fernandes.

O Sr. Marques Fernandes: - Sr. Presidente: As minhas primeiras palavras são para testemunhar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a satisfação que senti ao tomar conhecimento, na cidade da Guarda, do franco restabelecimento da saúde de V. Ex.ª

Chegado a esta Assembleia foi-me permitido, gostosamente, verificar que o aspecto e as feições de V. Ex.ª proibiam perguntar pela saúde, que, em tempos idos, estivera abalada.

Regozijo-me; pois, com o que mais parece rejuvenescimento que restabelecimento.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao apreciar a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1965 sinto uma atracção irresistível para, mais uma vez, me fixar nos problemas que respeitam às actividades intimamente ligadas à terra.