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4134 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

uma luta de concorrência desprestigiante a que a Ordem, em última, análise, se vê compelida a assistir com mágoa e complacência

Consideramos esta particularidade uma importante causa do progressivo desprestígio da classe médica, a que é preciso pôr termo com a redacção de um novo estatuto.

E realmente, Sr. Presidente, na falta de poder por parte da Ordem para manter uma ordem que se vai encontrar, muitas vezes, a ponta de tantas discrepâncias e a razão do enorme desânimo que se esconde no seio dos profissionais da medicina e tanto se repercute na sociedade.

Por isto, e por mais, afirmamos sem hesitações, embora com imensa mágoa, que os médicos também se desprestigiam pelas suas próprias mãos.

E como é paradoxal e nos desorienta verificar-se que, em contraste com esse poder tão débil, a Ordem dos Médicos ultrapasse, as Faculdades na competência que lhes foi outorgada, por exemplo, quanto à distribuição de títulos de especialistas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por compreensível escrúpulo não desejávamos abrir o capítulo do desprestígio do médico no âmbito da administração pública. Todavia, ao facto temos de nos referir, mas só na medida precisa para não ser apontada a falta e se impedir uma errada interpretação do título.

Terei de dizer que é visível a reduzida atenção que habitualmente, se dá ao licenciado em Medicina quando se procede ao recrutamento de valores para a administração da coisa pública, até mesmo para aqueles cargos em que a formação médica dá as melhores garantias.

Em todas as oportunidades disparasse logo, sistematicamente, o tiro da paixão ou deformação profissional.

Também, Sr. Presidente, não nos alargamos em considerações sobre o desprestígio do médico no ambiente social, porque neste particular pesa consideravelmente o seu problema económico, que não queremos aqui apreciar. Recordamos, unicamente, que ao lado de uma ou duas centenas de privilegiados se amontoam milhares em debilidade económica; e aproveitamos o ensejo para afirmar a nossa confiança na base XXX do Estatuto da Saúde e Assistência, que deu asilo ao notável relatório sobre as carreiras médicas.

Sr. Presidente: Cuidemos agora do último capítulo, que consideramos o mais relevante: o desprestígio do acto médico.

As guerras de 1914 e, mais ainda, de 1945 provocaram profunda alteração da face da Terra.

A técnica destronou o reinado do sentido humano, o colectivo arredou o individual e uma adaptação ainda hoje imperfeita ao novo mundo sente-se nitidamente na vivência e na convivência sociais.

Com o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das ciências e das técnicas surgiram e surgem em ritmo impressionante novo e eficientes meios de diagnóstico e de tratamento; e com a imposição do colectivo sobre o individual procurou-se dar plena satisfação a novas e justíssimas exigências sociais no âmbito da saúde.

Mas, em contrapartida, vem a sociedade perdendo, dia a dia, os benefícios de uma consagrada e insubstituível arte de curar essencialmente humana e individualista. Enfim, abriu-se uma lacuna que nem a ciência mais fecunda nem a técnica mais apurada jamais podem preencher.

O endeusamento da técnica e uma interpretação imperfeita do colectivo e do individual tendem a apagar a figura nobilíssima, humana, respeitada e - vá lá - até milagrosa do médico, no quadro social.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O hospital, a casa de saúde, o posto médico, vêm já substituindo o velho, mas cada vez mais saudoso, prestígio do médico de família.

Por esta forma se vão estandardizando máquinas impressionantes, com funcionamento matematicamente exacto e de resultados, em muitos aspectos, eficientes, mas de rigidez inadaptável às mais delicadas solicitações dos doentes.

Assim caminhamos, fatal e infelizmente, para uma nova medicina, que fixa todos os sentidos nas. doenças e afasta todos os sentimentos dós doentes.

Esqueceu-se ou desprezou-se este indiscutível conceito de Mazel:

A intervenção médica, para se realizar plenamente, tem não só de curar, mas também de aliviar e de consolar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Julgamos ter dito o bastante para se poder compreender que é nossa obstinada preocupação conseguir um sistema em que o aproveitamento integral do surto de progresso - tão exuberante no terreno da técnica como no campo social -não queime, até às cinzas, outros meios válidos e - repetimos - já consagrados e insubstituíveis.

Aditem-se - é o nosso clamor - os relevantíssimos novos métodos e uma mais ampla cobertura assistencial à tradicional arte de curar, a que nunca foi estranha a abnegação sacerdotal «sempre gratuita, porque os sentimentos são bens que não têm preço». E Sr. Presidente, não havendo hipótese da adição, então preferimos ao sistema das permutações as vantagens, sempre possíveis, de um arranjo certo.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A evolução social proporcionou também, e infelizmente, um maior apego ao temporal em prejuízo do espiritual, avivando os sentidos e adormecendo os sentimentos. E esta descida no quadro geral das virtudes morais e cívicas reflectiu-se no acto médico, que continuou depois a perder ainda mais prestígio com a inevitável socialização da medicina, imposta por esta realidade incontestável: todo o indivíduo tem direito aos serviços médicos de que necessite.

Por parte de muitos médicos atribui-se a grande culpa do desprestígio do acto médico aos Serviços Médico-Sociais. Sem deixar de considerar válidas muitas das suas razões, temos, honestamente, de não esquecer, ao julgar as causas do referido desprestígio dó acto médico, aquela influência da evolução social sobre a mentalidade de todos os homens e forçosamente também sobre a dos médicos e a dos doentes.

Por outro lado, é justo ponderar nos benefícios que a medicina organizada também levou a centenas de médicos e a milhares de doentes.

E não encontramos, com efeito, razões que justifiquem certas medidas extremistas preconizadas.

Tem ela - a medicina organizada -, efectivamente, defeitos que, certamente, os responsáveis são os primeiros a deplorar e têm empenho em corrigir. Correcção que veementemente desejamos seja de forma a glorificar ainda