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4384 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180

Estou, assim, também em boa companhia e em linha de coerência com a ideia de que o problema em questão não diz exclusivamente respeito aos diplomados em Farmácia (cujo nível técnico difere, aliás, entre uns e outros, embora se avolume a sua preparação científica como se fosse de igual nível, quando não é, dado que uns são licenciados e outros não, consoante o grau académico dos respectivos cursos). Este parêntese é importante para nos situarmos no plano de relação entre o nível académico e as remunerações correspondentes, que justamente têm sido motivo de preocupações em redor do problema económico-social dos diplomados em Farmácia.
E não diz (o problema citado) apenas respeito ao farmacêutico diplomado porque tem implicações com vários aspectos que com ele se relacionam.
Aspectos jurídicos, desde a inconstitucionalidade ao direito comum, à moral e à justiça em si mesma em relação a direitos sagrados, a salvaguardar em face de situações de facto, e toda uma estrutura sócio-económica e institucional em presença, ameaçada de frustração, estrutura de proporções que não devemos ignorar ou a que devemos dispensar a nossa atenção no momento em que à nossa consciência, à consciência de cada um de nós que ocupamos um lugar nesta Câmara, é posto um dilema de votar sim ou não num problema cuja delicadeza e gravidade deu margem a esta espantosa situação de ao cabo de 33 anos não ter sido possível ao Poder Executivo, moral e materialmente, fazer cumprir a lei com que se pretendeu resolvê-lo até às últimas consequências.
E como são várias as implicações desse equacionamento no plano sociológico e bastante delicados os seus reflexos na ordem moral e no enquadramento da hermenêutica jurídica, parece-me justificada a interferência dos não farmacêuticos na discussão das duas teses opostas - a livre propriedade de farmácia ou a indivisibilidade da mesma em função da gerência técnica
E acontece até - e não é paradoxo - que também a lese da indivisibilidade em beneficio dos diplomados em Farmácia só sustenta catedràticamente na doutrina de um jurista, tanto, quanto a mim, tenho como válida a tese contrária - a livre propriedade -, defendida por outro não menos ilustre jurista, ambos já por num citados.
A lei em discussão em pouco diverge, na sua essência e nos processos formais e informais, salvo pequenas alterações por sinal bastante contraditórias da própria tese que a inspira (às quais me referirei mais adiante) do objectivo fundamental que se contém no Decreto-Lei n º 23 422, de 29 de Dezembro de 1933, em cujo preâmbulo se lê ter obedecido a sua promulgação ao propósito de se alcançar o cumprimento por parte dos diplomados farmacêuticos da obrigação imprescitível de assumirem com a mais escrupulosa assiduidade a gerência técnica das farmácias, já anteriormente imposta pelo Decreto n.º 17 636, de 19 de Novembro de 1929, e bem assim com vista a criar uma orgânica mais apropriada à defesa da saúde pública e à moral da profissão farmacêutica.
Não podemos fugir aqui à hermenêutica jurídica que o problema comporta.
Ensinam-nos os juristas, quanto à conduta ilícita e às leis injustas, que, nas relações entre direito e justiça, «a lei procura descobrir o ponto de equilíbrio de uma oscilação variável se o consegue, é sentida como justa, se o não consegue, é sentida como injusta».
Quando se jogam os direitos e os interesses irredutíveis da pessoa humana e os da instituição da família por ela constituída, encontramo-nos perante o «dogma da família», considerada, segundo a expressão do meu ilustre mestre da cadeira do Finanças Públicas Prof. Vasco Fortuna, como «a célula das sociedades o alicerce da civilização, realidade viva e sempre actual em todos os tempos e em todos os lugares, que cada vez mais deve ser olhada como o verdadeiro fulcro da estrutura social e, portanto, das preocupações sociais».
A economia familiar, é ainda o distinto mestre de Finanças Públicas que o preconiza, «deve ser considerada tal como é na realidade um todo indivisível para o qual todos os membros contribuem indistintamente e de diversos modos».
Até moralmente, quando em favor do «monte comum» o não possam fazer materialmente, se entendermos, como ensinam os juristas e sociólogos, que a família em si mesma é sempre um estímulo espiritual para que o respectivo chefe se afadigue e use de toda a sua capacidade para garantir ao cônjuge e aos filhos um futuro o mais livre possível de incertezas. A sua obrigação de assegurar a sobrevivência da família estende-se para além da própria vida.
Estas premissas justificai ao principalmente a razão por que teve de ser abandonada a execução do Decreto-Lei n º 23 422, de 29 de Dezembro de 1933, citado, que se pretende revitalizar com a publicação de outro decreto-lei que quer dizer o mesmo e em certos aspectos pior.
E de como assim é, no próprio preâmbulo da proposta de lei se lê «Estas considerações bastam para justificar a orientação do Governo de manter, na sua essência, o texto do projecto inicial, introduzindo-lhe, embora, algumas alterações que não atingem o princípio posto» (o consignado afinal no citado Decreto-Lei n.º 23 422, de 1933, a revogar, ou seja o da indivisibilidade).
Sendo, porém, certo que «as ideias de direito e de justiça são indesligáveis e o fundamento da obrigatoriedade das normas jurídicas deve procurar-se na coincidência do direito com a justiça», como S. Tomás de Aquino e tantos pensadores ensinaram,
Que «o objectivo fundamental do direito é o da criação e garantia de um ordenamento normativo que apresente absoluta coincidência com o plano natural, constituído pelos interesses e realidades através da função construtiva do direito, essa coincidência total da norma, do valor da vida, aparece como ponto limite da evolução, a meta para a qual o direito se encaminha».
Cito Lições ao Introdução ao Direito, do Dr. José Hermano Saraiva, meu ex e distinto professor da cadeira de Direito Político no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e antigo Deputado a esta Câmara.
Na nossa Constituição Política - artigo 7.º e § 1.º do artigo 8.º - estatui-se que os cidadãos têm a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio, salvas as restrições legais requeridas pelo bem comum entendendo-se que os cidadãos deverão sempre fazer uso dos direitos e garantias sem ofensa dos direitos de terceiros nem lesão dos interesses da sociedade ou dos princípios da moral.
Quando a lei se abstrai da finalidade moral e de todas os implicações de ordem social e humana, necessariamente que «deixa de ser um instrumento eficiente e adequado na disciplina das relações, não tem existência como instrumento normativo, actuante e válido».
Nesse caso, cabe ao legislador revogá-la, conferindo-lhe novos princípios orientadores.
Mas não é o que se verifica em relação à revogação proposta, a qual mantém o espírito de «coacção potencial» que, segundo o parecer da Câmara Corporativa, só excepcionalmente deve ter lugar, pois «quando assim não acontece, é porque a lei ofende a realidade da vida que pro..