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4386 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180

O Sr. Costa Guimarães: - Porque é que a lei se não cumpriu na totalidade?

O Orador: - Talvez os meus ilustres opositores possam responder.
E é de salientar o comentário suscitado.
Com efeito

Parece uma prova concludente, insofismável, de que o regime citado, criado em 1933, de propriedade da farmácia, pelo Decreto-Lei n º 23 422, se mostrou iníquo, mormente na sua aplicação a viúvas e herdeiros. Só assim se poderá compreender que um departamento do Estado, cuja magnífica execução de serviço deve constituir motivo de justificado orgulho, venha a declarar que, na matéria em apreço, abandonou qualquer espécie de coacção, no sentido de obrigar ao cumprimento de disposições contidas em diploma legal.

Mas se assim é, pergunta-se no referido comentário e eu também formulo a mesma pergunta, perfeitamente justificada.
Porquê reincidir? Porquê tentar dar vida a um diploma cujas normas invocadoras se mostraram de tal modo divorciadas dos mais elementares princípios da moral e da equidade?
E os inconvenientes, no futuro, não incidirão apenas sobre a família do proprietário não farmacêutico, pois ninguém garante que os filhos ou filho de uni farmacêutico, por ele o ser, virão também a ser farmacêuticos mesmo compelidos a isso, hipótese que já vi afirmada por pessoas com responsabilidades, como se coerente e pedagògicamente ela se pudesse admitir!
E quando o farmacêutico não deixa prole? E a sorte do cônjuge depois do seu falecimento? E o inverso, quando o património seja do cônjuge, por herança, o marido não seja farmacêutico - porque é inteiramente admissível - e sejam este e os filhos sobrevivos?
São realidades sobre as quais todos devemos meditar, até mesmo os Srs. Farmacêuticos.
Por isso me dizia há dias um ilustre médico que daqui a umas décadas - o tempo é o grande mestre - natural é que o problema não seja visto pelos Srs. Farmacêuticos, classe a que eu rendo as minhas homenagens, sob o mesmo prisma.
A natureza humana tem destas coisas!
Claro que me hão-de contrapor o facto do interesse público uma maior garantia à defesa da saúde pública, maior estimulo para a carreira farmacêutica, o prestígio, a moral e a dignidade do farmacêutico, que, na opinião dos que defendem radicalmente a tese da indivisibilidade, só se pode alcançar desde que a propriedade da farmácia seja um monopólio do diplomado em Farmácia, e isto porque esta actividade não é um comércio como qualquer outro, embora se não possa contestar que, sendo um comércio especial, cujo exercício, pelas suas implicações com a saúde pública, requer medidas adequadas, é, no entanto, um ramo comercial, hoje mais do que nunca, em que a farmácia deixou de ser uma oficina de laboração de medicamentos, esta se transferiu para os laboratórios que fabricam mais de 95 por cento dos medicamentos, que a farmácia compra e vende com ânimo de lucro, que há-de existir sempre e existe, quer o proprietário da farmácia seja diplomado, quer não seja.

O Sr. Teles Grilo: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Teles Grilo: - O ânimo de lucro só existe nas farmácias dirigidas por não farmacêuticos.

O Orador: - A afirmação de V. Exa. é um pouco forçada. Que sejam os não farmacêuticos apenas a ter o ânimo de lucro, acho muito cândida a afirmação de V. Exa.

O Sr. Costa Guimarães: - O lucro é igual, porque os preços estão fixados.

O Orador: - Muito obrigado pela achega.
É comércio por definição própria e juridicamente confirmada por quem tem competência para o fazer, a Procuradoria-Geral da República, que já teve oportunidade de se pronunciar sobre a matéria, com a homologação respectiva e incontestável do Sr. Presidente do Conselho.
Tenho o maior respeito pelas razões invocadas, e julgo que ninguém coerentemente pode ter outra posição em relação às motivações de interesse público apresentadas e de prestígio da classe de farmacêuticos diplomados - e não digo da classe farmacêutica porque o pobre do ajudante de farmácia não conta no preconceito doutoral de uns tantos, que se esquecem de que, sem quebra do grau académico de cada um, as classes profissionais devem-se solidariedade humana e social imposta pela nossa ética cristã e por razões de justiça, porque só com a colaboração mútua umas e outras podem cumprir a sua missão e realizar o bem comum no trabalho e nas relações humanas.
Mas deixemos o ajudante de farmácia por agora, de cuja situação voltarei a referir-me mais adiante.
Com efeito, se essas razões se pudessem sustentar na base de uma argumentação sine qua non sem outra alternativa de soluções, eu curvar-me-ia muito lògicamente perante as mesmas razões - de interesse público. Este sim, e só ele, todos sabemos que deve ter prioridade na relatividade da valorização nos domínios da personalidade, no ordenamento dos valores entre a sociedade e a pessoa, mesmo agregada na inviolável instituição que é a família.
Mas não nos esqueçamos da interpretação que o eminente estadista, Chefe do Governo Português, Prof. Doutor Oliveira Salazar faz da nossa Constituição Política ao referir-se à mesma.

Ela começa por estabelecer como limites à própria soberania a moral e o direito. Impõe ao Estado o respeito pelas garantias derivadas da natureza a favor dos indivíduos, das famílias, das corporações e das autarquias locais. Garante a propriedade, o capital e o trabalho, em harmonia social.

Lembro aqui um depoimento de ilustre mestre, que foi director da Escola Superior de Farmácia de Lisboa, Doutor Raul de Carvalho, que num estudo sobre deontologia e orientação profissional, publicado em 1942, afirmava

Há na maioria das vezes necessidade de continuar a posse de uma farmácia que já se herdou muitas vezes de pais para filhos ou de tios para sobrinhos. Também muitas vezes a descendência é apenas feminina e é um rapariga que deve a fortiori abraçar aquela profissão, sem discrepância. É certo que a legislação não salvaguarda convenientemente os interesses da viúva ou dos filhos de um farmacêutico proprietário de farmácia, o que certamente se procurará remediar em futura legislação.

Ora, acontece que nem essa excepção é contemplada humanamente, moralmente (eu entendo que o problema