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4680 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197

Aqui se vibrou a segunda machadada, desta vez mortal, no empreendimento. Digo mortal porque, não obstante as tentativas que se fizeram para que essa bela iniciativa não morreste, como tantas outras iniciativas que teriam certamente transformado a face económica de Moçambique, até hoje nada se realizou Chegou-se mesmo a pô-la completamente de lado
Diz-se que havia quem contrariasse claramente a execução do projecto, com a alegação de que a sua exploração não seria económica. Todas as opiniões são dignas de respeito. Mas não há duvida de que o meu juízo se inclina para aceitai que quem defendia tal opinião certamente não considerou os fins múltiplos da albufeira do Movene, considerou talvez apenas o aspecto da produção de energia eléctrica, esqueceu-se de que seriam irrigadas dezenas de milhares de hectares de terras paia as quais não existe outra alternativa de regadio, não se lembrou de que ali ficava uma garantia para o abastecimento de água de Lourenço Marques, cujos consumos estão aumentando todos os dias e hão-de aumentar consideràvelmente no futuro.
A circunstância de terem aparecido no concurso propostas de preço muito superiores à estimativa elaborada pelo autor do projecto veio certamente reforçar a opinião - e a posição - dos que contrariai a execução da obra.
E o certo é que a obra, na qual tantas esperanças se depositaram, não teve, de facto, realização.
Dir-se-ia que se perderam as palavras de confiança e certeza pronunciadas pelo Sr. Ministro do Ultramar no Palácio Foz, no dia 15 de Junho de 1963. Disse então S Ex.ª, em tom que parecia não admitir qualquer dúvida.
construir-se-á a grande barragem do Movene, paia onde o Incomati será em grande parte canalizado, desde a fronteira, em Ressano Garcia.

Foram palavras de certeza aquelas que foram proferidas pelo Sr. Ministro do
Ultramar. E para nós, gente de Moçambique, palavras, de esperança Afinal, palavras de certeza e palavras de esperança que se desvaneceram como nuvens de fumo batidas por rajadas de vento.
E nós ficámos, em Moçambique, sem a esperança e sem a obra, sem o aproveitamento de fins múltiplos da albufeira do Movene, aproveitamento paia a produção de energia eléctrica, para abastecimento de água de Lourenço Marques, para a rega de muitos milhares de hectares de terras que continuam improdutivas. Ficámos também sem as obras que se seguiriam ligadas àquele aproveitamento ao aproveitamento do rio Sabié e à regularização do Baixo Incomati, cuja água continua a perder-se no mar ou, na época das cheias, a inundar destruidoramente a várzea da Manhiça, inutilizando valiosos campos agrícolas e arruinando e desencorajando os agricultores daquela região.
Aceitemos que a obra se não podia fazei dentro da estimativa do autor do projecto, admitamos que estariam certas as propostas de preço apresentadas pelos empreiteiros. Mesmo assim ela não deveria ter sido abandonada, considerando-se os enormes resultados que se obteriam com os fins múltiplos do projecto, de entre os quais avultava o regadio.
Sr. Presidente Outro aspecto do aproveitamento hidráulico do Movene seria precisamente aquele que permitiria o abastecimento de Lourenço Marques de 86 000 m3 de água diários.
É tão importante o problema do abastecimento de água de Lourenço Marques que desejo dedicar-lhe também uma pai te desta intervenção.
Mesmo eliminando-se a hipótese de se abastecei Lourenço Marques directamente com água provavelmente da albufeira Movene, isto é, aceitando-se o princípio de que a cidade deverá continuar a ser abastecida unicamente com água do rio Umbelúzi, ficaria a salvaguarda, em caso de necessidade futura de se poder descarregar na ribeira do Movene, que é tributária do Umbelúzi, água proveniente da albufeira, aumentando-se assim o caudal daquele rio Haveria, por este meio, a garantia de uma reserva de 86 000 m2 diários, no caso de surgir qualquer emergência ou necessidade inesperada.
Não restam dúvidas, a quem tenha meditado no problema, de que a questão do abastecimento de água de Lourenço Marques está a revestir-se de aspectos cada vez mais graves, tanto mais que se aproxima rapidamente a data em que o caudal do Umbelúzi, nas épocas de estiagem, não mais terá capacidade paia satisfazer um consumo de água que cresce todos os dias, de uma cidade que também cresce com rapidez em população e actividades económicas.
O Eng.º Pedro Arsénio Nunes, que já citei na minha primeira intervenção, num notável parecer que elaborou em Novembro de 1960, após uma visita de estudo que fez a Lourenço Marques, concluiu que, segundo as condições de estiagem aumento da população e restrições ou não do regadio, os níveis de consumo respeitantes às disponibilidades de água do no Umbelúzi sei iam atingidos dentro de treze, dezassete e, no pior dos casos, dez anos, isto é, em 1973, 1977 e 1970, respectivamente.
Nesta última hipótese, da qual nos distam apenas cinco escassos anos, o autor do parecer baseou a sua estimativa no consumo diário de 67 000 m3 de água. Ora, a verdade é que Lourenço Marques, em certos dias do ano, consome já 45 000 m3.
Para assegurar o abastecimento de água de Lourenço Marques, o Eng.º Pedro Nunes sugeriu a criação de uma albufeira no rio Umbelúzi, com a «implantação de uma pequena barragem na secção do rio localizada junto ao monte Guanguane, sensivelmente a meia distância entre as confluências do Calichane a do Movene», que garantiria «a satisfação de um consumo da ordem de 160 X 103 metros cúbicos por dia e das necessidades do regadio, que já hoje é alimentado pelo Umbelúzi, na hipótese de ocorrer uma estiagem como a de 1952».
O custo da construção desta barragem, diz o autor do parecer, não deveria ir muito além dos 20 000 contos.
Entretanto, em estudo posterior, a Comissão dos Rios Internacionais apresentou a sugestão de que, além daquela barragem, fosse implantada uma outra nos Pequenos Libombos, com a vantagem de esta permitir um maior armazenamento de água. Esta hipótese viria reforçar a garantia do abastecimento de água de Lourenço Marques e facultar a rega de maior extensão de terreno no vale do Umbelúzi.
Como se viu, a barragem junto ao monte Guanguane garantiria um «consumo da ordem dos 160 000 m3 por dia e das necessidades do regadio, que já hoje é alimentado pelo Umbelúzi».
Este regadio, segundo um parecer do Eng.º Sousa Monteiro, de Julho de 1957, citado pelo Eng.º Pedro Nunes, cobaia então uma área de cerca de 800 há.
Ora, a verdade é que, a pensar-se a sério na irrigação das margens do Umbelúzi, não se pode limitar o regadio aos referidos 800 ha. Há muitas centenas de hectares mais de boas terras que não devem continuai secas e inaproveitadas por falta de água. Por isso, não vejo que se possa dispensai, para este fim, os 86 000 m3 de água diários que no projecto da albufeira do Movene se destinaram ao abastecimento de Lourenço Marques, isto no caso de não serem necessários para o reforço deste abastecimento.