O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE ABRIL DE 1965 4749

Mas agora, se o destaco, é apenas para lembrar que ele serviu de ponto de partida para a polémica iniciada por Castro Elói.
Com ânimo de serrano descido à capital, na dos seus princípios, indiferente às consequências ou inconsequências das suas palavras e sem escutar o bom senso dos conselhos do abade de Estevães, seu colega, exprobrou, a propósito da ópera, o luxo e a complementar imoralidade.
Lembram-se, Srs. Deputados, que dizia

Eu tenho o desgosto de ter nascido num país em que o mestre-escola ganha 190 réis por dia e as cantarinas, segundo me dizem, ganham 30 a 40 moedas por noite.

Não vem a despropósito notar que o diferencial assim verberado, apesar de todos os progressos ditos democráticos, contabilizado hoje pela actual moeda, se agravou até!
Respondeu-lhe, fazendo a apologia do luxo, como também recordam os desta Assembleia, o deputado pelo Porto, designado Libório Meireles, que transparentemente camuflava o já professor de Direito Aires de Gouveia, depois ministro, bispo e arcebispo in partibus. A redundância da sua prosa vazia e estilizada ao raro constitui sempre útil lição daquilo que se deverá na oratória evitar, sem se exceptuar o Parlamento. Mil vezes antes o espesso de Elói que o oco pretensioso de Libório. Felizmente, tal estilo já deixou de ter uso.
Todavia, a propósito do estilo, que me perdoem os Srs. Deputados, não fujo a fazer em autocrítica um reparo ao que hoje usamos. Precisamente em contrapartida do que acabamos de exprobrar em Libório e muito menos grave é aquele que podemos designar de tecnocrático extensivo. A ele se não pode de todo furtar, é natural, segundo o gosto do tempo, esta Assembleia, em concorrência com a Câmara Corporativa. Pecado leve, decerto, mas que me cumpre não omitir, com vista para daqui a 100 anos.
E, reatemos o diferendo Calisto-Libório, quanto à substância, se muitos aspectos, do luxo verberados pelo primeno, dada a subida de nível de vida, deixaram de ter-se por sumptuários e passaram a consumos correntes, nem por isso a crítica salubre dos desperdícios meramente ostentosos deixou de ser uma das constantes desta Câmara, além da letra da Lei de Meios. E dessa crítica não podem estar isentos os próprios sectores das colectivas administrações de serviços públicos e privados, que tantas vezes a merecem.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: -Algo de luxo criticável subsiste decerto, o que já se foi, e ainda bem, foi o radicalismo liboriano ao teorizar a sua defesa.
Quanto ao discurso de Libório sobre a reforma das cadeias, é de estrita justiça recordar quanto a abolição da pena de morte deve a Aires de Gouveia, autor do respectivo projecto de lei. Isto posto, não há dúvida de que, quanto ao regime prisional por aquele homem público preconizado, o penitenciarismo, tinha carradas de razão a antecipadora crítica de Elói. E deste transcrevo

Visto que Jesus Cristo, ou seus discípulos, nos ensinam, como obra de misericórdia, visitas aos presos, conservá-los humanamente, amaciar-lhes pela convivência a ferócia dos costumes, não venham cá estes civilizadores aventar a soledade aos ferrolhos, o insulamento do preso, aquele terrível vae soli! que exacerba o rancor e os instintos, enfurecidos do delinquente.

É de inteira actualidade a orientação preconizada a este propósito por Calisto Elói contra Libório. É o que se vem realizando, actualizadamente, através do Ministério da Justiça, com as reformas prisionais progressivamente levadas por diante desde Manuel Rodrigues, pelos Ministros Profs. Cavaleiro Ferreira e Antunes Varela. Eis, pois, outro ponto de inteira actualidade quanto ao discutido há um século nesta Casa.
Que mais ó preciso pata justificar o lembrar-se na Assembleia o centenário da publicação de uma obra que tão directamente lhe respeita, que mais não seja para guia do que cumpre evitar-se, tal como nos portos as bóias balizam os baixios interditos?

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: -Tanto basta para mostrar que obra de tanto vulto não perdeu o interesse e que o respectivo herói, não obstante a queda, geralmente era quem estava do melhor lado, ou seja do do paterno e receptivo Camilo, contra-
- revolucionário de espírito e pecador de paixão.
Não é de esquecer, a propósito -não é verdade, Sr Deputado Rapazote? -, a figura contracenante do colega de círculo de Elói, o já citado abade de Estevães, sempre ao travão, quer aquando dos primeiros exageros reaccionários daquele, quer aquando do seu escorregão liberal.
Sr. Presidente: Depois, de assim ter ilustrado quanto há ainda de vivo na memoranda obra de Camilo, já é tempo de regressar ao tema inicial, o da época lírica no Porto.
Recordam-se os Srs. Deputados de que Calisto Elói, para contrariar o que tinha por nefasto, seja "o sisarem-se os povos provincianos para manutenção dos divertimentos em Lisboa", recorreu ao despique irónico de terminar reclamando, em nome da equidade distributiva, ópera, sim, para o Porto, mas, além desta cidade, para todas as cidades e até lugarejos, "para todo o País", dizia, "de Monção ao cabo da Roca".
Ora através desta forma de argumentar pode, por excesso, precisamente, e contra o intuito de quem a formulara, ver-se perpetuado o estado de facto que tem permitido manter i o exclusivo de Lisboa. O que é preciso para benefício geral é achar forma de o romper.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já assaz se acha demonstrado.

1º Que a ópera é um espectáculo de arte, sobretudo musical, altamente educativo e que, contra o rigorismo do primeiro Elói, nada tem em si de sumptuário
2º Que a localização do seu primeiro desdobramento impõe-se seja no Porto, sobretudo na modalidade popular, para possível convergência de maior número de ouvintes.

Do Sr. Ministro da Educação Nacional dependerá naturalmente a decisiva palavra sobre este assunto. Será possível arranjarem-se as coisas para no ano próximo -já que neste a temporada se foi - conseguir efectivar-se tão legítima aspiração?

O Sr António Santos da Cunha: - É preciso que seja possível!