4782 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 201
estão incluídas na verba global respeitante ao fomento da agricultura, da silvicultura e da pecuária.
Deduz-se, porém, do programa apresentado que, uma vez mais, se planeou com modéstia no capítulo relativo ao fomento da pecuária.
Neste cômputo das necessidades da pecuária é que, segundo me parece, se cometeu um erro muito grave.
É a pecuária, em Moçambique, uma das actividades que se apresenta com maiores e mais imediatas perspectivas de desenvolvimento, dada a necessidade de, com os seus produtos, acudir, em primeiro lugar, ao próprio consumo interno e, depois, ao dos outros territórios nacionais. Tanto para a carne como para os lacticínios existe mercado que não será fácil abastecer inteiramente Só a província importa, por ano, mais de 80 000 contos de lacticínios e a metrópole importa do estrangeiro mais de 120 000 contos de carne congelada. Além disso, o consumo de carne a de lacticínios em Moçambique tende a aumentar consideràvelmente, devendo atingir cifras muito elevadas no dia em que as condições económicas de toda a sua população permitam o consumo regular, nas quantidades indispensáveis a uma alimentação equilibrada, de carne, leite, queijo e manteiga.
O consumo de carne e lacticínios da metrópole também tende a aumentar e, embora seja de esperar que a sua própria produção aumente, pode calcular-se que ela não chegará para um completo abastecimento das suas necessidades de consumo. Isto sem mencionar outras regiões do território nacional escassas de carne e de lacticínios, que precisarão, no futuro, de ser também devidamente abastecidas
Moçambique possui condições para desenvolver extraordinàriamente o seu armentio. O efectivo de cerca de 1 100 000 bovinos que hoje possui pode elevar-se, sem dificuldade, a mais de 6 000 000, e até, talvez, a um número muito maior. Mas para isso é preciso que se promova o fomento da sua pecuária, sem hesitações, sem tibiezas, com as verbas indispensáveis.
Foi isso que se não viu na intenção do II Plano de Fomento, e é isso que, mais uma vez, não pode deduzir-se dos objectivos do Plano Intercalar.
Têm-se tentado, através dos planos de fomento, diversas modalidades de povoamento com base na cultura do tabaco, com base na cultura do chá, com base na cultura do arroz, etc. Mas não vi ainda que se tivesse tentado o povoamento com base na pecuária, com excepção do magnifico exemplo da Cela, em Angola, onde se encontram colonos cuja maior fonte de rendimento é precisamente o leite. Esta seria uma forma de povoar e de enriquecer a economia da província.
É de lamentar o pouco interesse que o problema da pecuária tem merecido na elaboração dos planos de fomento, pois deveria ser-lhe dada uma posição de maior relevo, no sentido de colocá-la no caminho de um verdadeiro desenvolvimento. Este desinteresse por alguns dos seus aspectos mais cruciantes, entre os quais avulta o problema da água, é, sem dúvida, a causa da quebra do efectivo bovino, que começou a verificar-se a partir de 1963.
A província registou, em 1959, um efectivo bovino de 1 000 000 de cabeças, que se elevou, em 1962, para 1 142 000 cabeças, mas já no ano seguinte viu esta cifra reduzida, em vez de aumentada, para 1 126 000 cabeças.
Uma das principais causas da diminuição do nosso armentio são as secas, as secas implacáveis, que ainda no ano que findou vitimaram milhares de cabeças.
A falta de água para dessedentação dos animais não representa uma dificuldade insuperável. Ela existe, em grande parte, devido à incúria dos homens, que não procuram armazenar a água necessária na época das chuvas, quando as águas se perdem inùtilmente sem encontrarem quaisquer represas, mesmo as modestas represas de terra, baratas e fáceis de construir, que as barrem na sua corrida e es conservem, para mitigarem a sede não só dos animais, como dos próprios homens.
O decrescimento do efectivo das manadas em quase todas as regiões da província representa um sintoma muito grave. Decrescimento por vezes acentuado, que requer a imediata atenção do Governo e que exige que sejam tomadas medidas que sustem, em primeiro lugar, esse decrescimento ruinoso e que, em seguida, estimulem o crescimento do efectivo bovino.
O médico veterinário moçambicano Dr. José Marques da Silva, que no combate contra a mosca tsé-tsé percorreu quase todos os caminhos de Moçambique, escreveu um notável trabalho, subordinado ao titulo Panorâmica da Nossa Pecuária, no qual analisa o problema do decrescimento das manadas de bovinos da província.
Diz o Dr. Marques da Silva que nos distritos de Lourenço Marques e Gaza a bovinicultura dos autóctones se apresenta «com as cores reais sombrias». Há decrescimento das manadas em quase todas as delegações de sanidade pecuária, «assumindo gravíssimos aspectos sobretudo nas áreas do Sabiè, Magude, Guijá e Limpopo, onde se registou de 1960 a 1963 uma baixa nos efectivos de 35 677 bovinos, ou seja 11,7 por cento», que entre os não autóctones a bovinicultura, embora se não apresente com aspecto tão grave, «também não se nos mostra promissora». E acrescenta que «o problema n.º 1 dos dois distritos é o problema da água».
Nas terras de Magude e do Sabiá, diz o Dr. Armando José Rosinha (Inquérito à Evolução Sofrida durante um Período de Dez Anos pelos Núcleos de Gado Bovino a Sul do Rio Limpopo), «estão por ocupar pecuàriamente extensas áreas de pastagens, das melhores que existem em Moçambique, porque a falta de água é absoluta».
«Verifica-se, assim - acrescenta o Dr. Armando Rosinha -, que o problema da água se transforma, de facto, no elemento n.º 1 a resolver para que a criação bovina a sul do rio Limpopo tome o incremento que pode e deve ter».
Analisa ainda o Dr. Marques da Silva, no seu citado trabalho, a situação alarmante em que se encontram outros núcleos de bovinos da província. Diz, por exemplo, que no distrito de Inhambane, com exclusão da Circunscrição de Panda, a bovinicultura está em franco declínio, que no concelho de Tete e na Circunscrição de Maguè «morrem por ano, por falta de água (à sede), cerca de 3000 bovinos», e que este número de baixas continuará a aumentar de ano para ano, não só vitima da sede, como também sacrificada pela fome; que «o núcleo da Angónia definha alarmantemente devido à fome».
Gostaria de trazer para aqui integrando-os nesta intervenção, outros passos do importante trabalho do Dr. José Marques da Silva, mas o tempo de que disponho para usar da palavra não me permite dar satisfação a este meu desejo. Chamo, porém, para esse trabalho a atenção dos serviços que no Ministério do Ultramar tomem decisões sobre a execução do Plano Intercalar de Fomento para que as verbas a distribuir para o fomento da pecuária - insisto no meu pedido - sejam suficientes para resolver os graves e importantes problemas que sufocam o seu desenvolvimento e a arrastam para a completa ruína Não chamo a atenção dos técnicos de Moçambique, porque esses conhecem o problema em todos os seus aspectos, e, se não conseguem resolvê-lo, é porque não têm ao seu dispor meios para o fazer