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12 DE DEZEMBRO DE 1966 817

Os antecedentes da nossa vida colectiva aconselham, efectivamente, a não garantir que em circunstâncias menos propícias, quanto a calma da vida pública, estabilidade do Poder, constância de pensamento governativo, se conseguisse, sem sobressalto, soluções de continuidade, tergiversar de rumos, levar a termo a empresa desejada. Por maioria da razão se recordarmos a sorte mofina de tantas obras de menor tomo e exigência.
Parece, por outro lado, demonstrado que o mais vivo estímulo para a acção reside na firmeza dos princípios que a projectem, ainda que integralmente a não informem. E da fé inabalada nas suas virtualidades.
O estado de espírito dos cépticos representa, na hipótese, valor negativo, aos pragmáticos em política não deve pedir-se melhor do que expedientes de administração ou governo pelo governo; mas de quem tem uma doutrina esperamos sempre que renove toda a sorte de estruturas. Vamos a ponto de exigir-lho quando e na medida em que as instituições e os factos legais contradigam as verdades com que pretendem abonar-se.
O valor potencial de certas iniciativas reside, portanto, em que lhes não mora na origem um gesto avulso de lucidez quanto a elenco de problemas delimitado, mas em que, por estrita obediência às raízes da formação ideológica e mental, se pratica um acto consequente.
Acontece, entretanto, que os pressupostos doutrinários permanecem para além do seu específico domínio e nas soluções predominantemente técnicas não raro se vislumbra a marca da sua presença. Constitui, de resto, característica saliente (e dramática!) da evolução do mundo contemporâneo que a ânsia de buscar o apoio de um sentido unitário da vida reduza a muito pouco os planos de interesse em que os homens se encontram como em terreno de absoluta neutralidade espiritual.
Isto situa com justeza uma zona de críticos sistemáticos do código e isola os motivos por que os seus reparos incidem sobre determinados pontos com exclusão dos mais, ainda que por tabela o mau humor atinja o conjunto do articulado e inclusive o propósito em si da recodificação do direito civil.
Tudo se passa como se «os alicerces pré-jurídicos de certas instituições», a que entre nós aludiu o Sr. Ministro da Justiça, sejam trazidos à colação, fora do lugar próprio e a destempo, em jeito de quem enuncia uma essencialíssima questão prévia.
Esta existe, sem dúvida, e acima de rasteiros objectivos sectários; se é levantada, movimenta as posições antagónicas e não só aquela onde còmodamente se situem os discordantes.
Como notou um ilustre filósofo do direito, também neste sector o positivismo deixou de poder ditar «veto radical a quanto subentenda especulação ultra-empírica». Respeitamos, sim, a majestade da lei; mais nos obriga a reverência do direito e dos seus fundamentos transcendentes.
Daí, não nos ser indiferente o que a ordem jurídica estabeleça, por exemplo, sobre negócios usurários, sobre o regime do contrato laborai, sobre o uso, abuso e limites do direito de propriedade.
Daí, andar em jogo mais alguma coisa do que simples disciplina formal se se trata de estorvar um tanto ou de manter abertas todas as facilidades de dissolução do vínculo contratual civil do matrimónio.
Na lógica da mesma preocupação, reputaríamos inconcebível, claro está, que o código não integrasse a matéria das disposições concordatárias relativas ao casamento canónico. Tanto como desrespeito ao acordado de potência para potência, quanto como regresso, na ordem interna, ao olímpico desdém pela consciência da grande maioria dos Portugueses.
Assim vem o calor da controvérsia à aliás não muito demonstrada frieza do austero direito civil ...
Todos estes problemas, e os que implicando melindres de outra natureza se lhes avantajam em número, sabemos que desafiaram trabalho imenso de investigação científica, de pesquisa de soluções equilibradas de entre as soluções possíveis oferecidas à opção inteligente dos especialistas.
Felizmente que estaria deslocado o apontamento mordaz de Vieira - sobre os príncipes baralharem os metais e trazerem desencontrados os conselhos e os conselheiros. Desta feita «votou cada um no que professa», com lucro visível da empresa, que aproveitou do saber e diligência dos mais doutos.
O tê-los sabido e podido congregar, com ressalva da sua independência intelectual e sem compromisso de livre consciência, não representa decerto mérito despiciendo de um estilo de vida nacional adequado ao aproveitamento pleno de todos os valores da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: O tratamento em pormenor do regime dos diferentes institutos, por mim, não me atreveria a pô-lo em causa. E suspeito de que, se a tanto me afoitasse, alguém me repetiria o argumento produzido por um deputado dá Câmara de 1867, quando esta em 21 e 22 de Junho desse ano se ocupou do projecto de Seabra. Que interferir com a generalidade das disposições do código equivalia a arriscar-se a tocar na economia do sistema e que, a pretender-se fazê-lo com a requerida seriedade, deveria dispor-se, não do período corrente de um debate parlamentar ou sequer de toda a sessão legislativa, mas de uma legislatura por inteiro.
As coordenadas de orientação geral do código, essas, são as que verdadeiramente imprimem carácter e obrigam a escolher.
O seu exame consciencioso, que a exaustiva e concludente exposição do Sr. Ministro decisivamente terá ajudado, permite convencer, em meu modesto juízo, de que, devendo constituir «o símbolo representativo de uma época» (a nossa época) e dar «á imagem fiel de um povo» (o nosso povo), o novo Código Civil duvidosamente poderia ser, em substância, muito diverso do texto agora pendente de ratificação.
Sr. Presidente: Sem embargo do efémero da sua condição - um século mal completo passa daqui a pouco sobre o início da vigência de um código revogado -, o novo código exibe um pouco da perenidade das criações do espírito.
Ficará como testemunho expressivo do que agora somos e sabemos fazer. Pelo mérito intrínseco, que a análise crítica lhe estabelece. Pela orientação, cujo sinal o individualiza; segundo as concepções da época, a que não poderia furtar-se; segundo a influência da colectividade por quem e para quem existe, que vincula e serve, que onera e defende, espelha e molda.
Traz também vozes de outra ressonância. Fala de circunstâncias que lhe são exteriores e afinal incorpora, porque sem elas não seria, ou não seria como é nem valeria o que vale.
As que há vinte e dois anos inspiraram a decisão de lhe dar vida. As que, ao longo deles, acompanharam e balizaram o esforço beneditino da construção jurídica. As que, noutra esfera de interesses, mas no mesmo mundo de