10 DE NOVEMBRO DE 1967 1699
que não tenha de lamentar-me, no tocante, «de um progressivo aumento do custo de vida» (justificação da circular), tanto mais que me não sinto incluído no número dês que têm contribuído para os alegados prejuízos das companhias seguradoras, que, aliás, compreendo e admito. (Sic.)
Em resposta, a Sociedade Portuguesa de Seguros, como qualquer vulgar especulador, prepotentemente e sem quaisquer considerações pertinentes, nem cortesia, informou-me simplesmente de que, tendo em vista a minha carta, declarava nulo e de nenhum efeito o nosso contrato.
Inconformado, para me não maçar, nem ter de chegar a isto, refutei vigorosamente, mas dentro dos justos limites, um modo de agir que me não parecia curial, insistindo em que as companhias seguradoras, na modalidade de serviço de interesse e utilidade pública que prestam, não deviam, nem podiam, por decisão unilateral, fora do espírito e das normas reguladoras dos contratos de seguro, anular o que fora legal e regularmente estabelecido, além de que, no caso
sub judice, a minha carta de nenhum modo justificava ou autorizava tal procedimento, o que me levou a reafirmar o que havia já escrito, pedindo para que anotassem novamente que não concordava com o pretendido e anunciado aumento do prémio do meu seguro, o qual, no entanto, pagaria quando me fosse apresentado à cobrança o respectivo recibo, mas com a declaração prévia e expressa de que o faria coacto, por uma decisão unilateral sua.
Carta lá, carta cá, fugindo-se deliberadamente à minha argumentação de jure, que se não contestava, por manha ou por carência de serviços jurídicos na companhia, que me deixou a impressão de os não ter, o certo é que, treslendo-se-me por conveniência, num incrível funcionamento de um contencioso que não cheguei a saber se existia, a decisão continuou irrevogável e irrecorrível, sem que, apesar de instados, me dissessem concretamente quais as razões determinantes da denúncia do contrato, nem tão-pouco me remetessem, para eu liquidar, o pedido saldo resultante dos prejuízos em vinte anos (!) por mim causados à companhia, a tê-los dado, fundamento justificado para a imposta rescisão.
Quer dizer: ou eu concordava voluntariamente (a expressão é sua) ou não concordava, e então não lhes servia como segurado, embora disposto a pagar o prémio com o aumento imposto.
Vejam VV. Ex.ªs que beleza de escrúpulos os desta companhia, mais gentil do que o próprio Estado, todos os dias a entesourar contribuições aumentadas com que não concordamos, mas pagamos, coactos, embora, pelo normativismo legal que o autoriza!
A coisa entende-se e não se entende, pois não há dúvida de que, de duas uma:
Ou o regime legal do contrato de seguro autoriza as companhias, por decisão unilateral, à elevação arbitrária dos respectivos prémios, que nós podemos ou não pagar, com sujeição às respectivas consequências, caso em que não será de pedir o favor da nossa concordância ...
Ou não autoriza sem a manifestação prévia dessa concordância, que pressupõe a possibilidade de uma discordância, e então aquelas, na modalidade de serviço de interesse e utilidade pública que revestem, não poderão, sem uma autorização superior, arbitrariamente e sem razões ponderosas, eximir-se à contraprestação da responsabilidade assumida e rescindir, aponte sua, o que foi legal e regularmente convencionado, pois de contrário ficamos sem saber qual o préstimo da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, nem a natureza do respeito devido à nota do Ministério das Finanças, cujas determinações as companhias podem tão facilmente frustrar, anulando, em oposição com o seu espírito, os contratos em que o outorgante segurado se não submeta, ou mesmo se submeta «não concordando» com os aumentos «impostos», pois lhe são exigidos através de uma «concordância voluntária», modo novo de «coagir», sem lei, mas pela vontade soberana do mais forte!
Ora isto não pode ser. Não pode continuar a possibilidade de tal artifício, e a lei, se o consente, terá de ser revogada, tanto mais que o regime proteccionista concedido representa um privilégio justificado pelo interesse colectivo e não pode ser açambarcamento de uma actividade com fins especulativos. De outro modo, a protecção dos segurados não passará de uma farsa, sujeita, como está, ao arbítrio de uma das partes, que, até por antipatia pessoal, pode denunciar a seu bel-prazer os contratos em que outorga para salvaguarda de interesses que superam o mero exercício de uma actividade comercial.
Insistindo, devo reafirmar que a posição tomada nada tem que ver com a experiência pessoal de que sou portador, pois já dei a Pedro o que, coagido, me recusei a dar, «concordante», a Paulo. O que importa, diversamente, é a situação de desigualdade em que, oprimidos, se encontram muitíssimos automobilistas e peões, que, indefensos, por tal modo ficam desprovidos de uma protecção a que têm direito e a intensidade do tráfego automóvel impõe. Falo assim por todos quantos, por não saberem ou não poderem fazê-lo, desejam, e decerto aplaudem, que ao Governo chegue um apelo no sentido de ser urgentemente disciplinada uma actividade que, antes de ser negócio de nababos, é e terá de ser serviço de interesse e utilidade pública.
Mas fiquem ainda sabendo os Srs. Deputados que me escutam que, no caso controvertido, a companhia denunciada foi tão «escrupulosa» no seu procedimento contratual que só não quis aceitar o pagamento do prémio com o aumento imposto, a que me dispus, por não ter eu, alegou, «concordado voluntariamente» (a expressão continua a ser sua) com aquele, sem reparar que, ao coagir-me, em contrário às determinações da nota, estava usando da mais aviltante e intolerável coacção, a resultante de uma inaceitável prepotência sua.
Entretanto, eu e os demais em cujo nome falo teremos de outorgar novos contratos, e, porque novos, com sujeição às novas tarifas aplicadas arbitrariamente, modo engenhoso de não respeitar as boas intenções da nota, destemidamente se enfrentando as «providências» que o Sr. Ministro das Finanças disse poder tomar «perante uma atitude menos compreensiva das companhias», como ficou evidenciado.
Por isso, não será ocioso perguntar, e com a devida vénia o fazemos:
Em que ficamos, Sr. Ministro?
Podem ou não as companhias seguradoras, num mau uso de uma protecção que se não justifica, continuar atropelando os legítimos interesses e direitos dos automobilistas e peões?
E, a poderem-no, não estaremos todos sendo vítimas de mais um autêntico crime de especulação, tão danoso como qualquer outro e a que também não falta nenhum dos seus elementos típicos?
O Sr. Ministro das Finanças é homem corajoso, de espírito lúcido e inteligência viva. Assim, sem mais delongas, já que, implícita e explicitamente, das considerações feitas resulta o essencial, aguardemos serenamente a resolução do problema, que nem sequer é difícil.
Nacionalização das companhias seguradoras?