18 DE NOVEMBRO DE 1967 1763
elementos mais válidos que na província foram postos no exercício de funções públicas, nomeadamente nas de carácter docente, e nas mais variadas actividades privadas, honrando dia a dia a escola que os preparou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São estes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito resumidamente, os antecedentes históricos que sem dúvida criaram o ambiente propício à fundação do estabelecimento do ensino secundário, cujo cinquentenário está sendo condignamente comemorado, não só em Cabo Verde, como também em Lisboa, Luanda, Lourenço Marques, Bissau e S. Tomé, cidades onde hoje existem núcleos bastante expressivos de antigos alunos.
Foi pela Lei n.º 701, de 13 de Junho de 1917, sendo então Ministro da Marinha e Ultramar o falecido comandante Ernesto Jardim de Vilhena, que se criou o Liceu de S. Vicente, o primeiro um todo o território português de África e em toda a África intertropical. Governava na altura a província o insigne Prof. Comandante Abel Fontoura da Costa, sem dúvida um dos mais eminentes governadores que por lá passaram, e que na abertura solene das aulas disse:
Ardente propugnador da instrução liberal, prática e disciplinada, quis o destino, sempre caprichoso, que me fosse conferida a subida honra e intenso prazer de presidir à inauguração do Liceu Provincial de Cabo Verde.
Todos nós, velhos e novos, acariciámos uma esperança e, quando a vemos realizada, não há pessoa alguma, mesmo a mais plácida e fria, que não exulte de satisfação. Eis o motivo principal da imensa alegria de grandíssimo número de habitantes insulares.
O Liceu, essa aspiração íntima dos naturais de Cabo Verde, esse ambicionado desejo de há longos lustros, é hoje uma realidade.
O ilustre filho destas ilhas, Exmo. Sr. Senador Augusto Vera Cruz, com uma dedicada pertinácia de quatro anos, conseguiu que o Parlamento da República votasse a Lei n.º 701 ...
Foram estas as primeiras palavras com que Fontoura da Costa, na sua tradicional modéstia, declarou inaugurado o ano lectivo de 1917-1918 no Liceu do Infante D. Henrique, em S. Vicente, hoje Liceu de Gil Eanes.
Seria manifesta injustiça, que os meus conterrâneos jamais me perdoariam, se falasse nesta Assembleia na fundação do Liceu sem que me referisse a Fontoura da Costa e a Augusto Vera Cruz, à memória dos quais rendo as. minhas sentidas homenagens, como obreiros incansáveis desse acontecimento, cuja repercussão na vida do povo cabo-verdiano foi, e continua sendo, de transcendente importância, quer como instrumento de cultura e de promoção social e económica, quer como importantíssimo factor de coesão entre os Cabo-Verdianos e os seus compatriotas da metrópole e das outras parcelas do ultramar.
O Liceu foi na altura satisfazer o legítimo anseio de todos os habitantes da província e, muito especialmente, os de S. Vicente, que já em 1900, num memorial devidamente fundamentado, haviam pedido ao Ministro da Marinha e Ultramar o estabelecimento de «uma escola de ensino secundário e uma outra para o estudo de línguas estrangeiras». Foi seu primeiro reitor o capitão médico Dr. António Augusto da Veiga e Sousa e, anos mais tarde, o falecido Dr. Adriano Duarte Silva, que durante dezasseis anos tão condignamente representou Cabo Verde, nesta Câmara.
O comandante Fontoura da Costa governou Cabo Verde desde 11 de Setembro de 1915 até fins de 1917 ou princípios de J918. No seu governo houve especialmente a assinalar a sua total consagração ao problema do ensino, que mesmo hoje, volvidos que são 50 anos, ainda se encontra longe de ser integralmente resolvido, a despeito de todo o interesse que, tanto o Governo Central como o da província, vêm dedicando ao sector da educação.
Foi Fontoura da Costa quem há 50 anos reestruturou totalmente o ensino no arquipélago. Durante o seu governo foi publicado o Plano Orgânico da Instrução Pública na Província de Cabo Verde, aprovado pelo Decreto n.º 3435, de 8 de Outubro de 1917, que remodelou o ensino primário, organizou o ensino profissional, englobando o da arte marítima, o industrial e o agrícola, estabeleceu que o curso liceal professado no Liceu de S. Vicente seria «a reprodução exacta do curso geral dos liceus metropolitanos» e constituiu o Conselho de Instrução Pública, que continua a ser o órgão consultivo sobre todos os assuntos que interessem ao progresso do ensino na província.
Foi Fontoura da Costa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem sombra de dúvidas, o maior impulsionador do ensino em Cabo Verde, e ainda hoje, passado meio século, o seu nome é recordado em todo o arquipélago como símbolo da valorização do povo cabo-verdiano, que, no passado, infelizmente, nem sempre encontrou, em alguns governantes, a merecida compreensão dos seus legítimos anseios de elevar a sua cultura ao nível que, ontem, como hoje, todos desejamos.
O Liceu de S. Vicente - porque não dizê-lo? - a despeito das manifestas vantagens de natureza social, política e económica da sua existência, que, não raras vezes, se projectaram relevantemente tanto em Portugal como no estrangeiro, como índice da capacidade criadora dos Portugueses no campo da assimilação cultural, muitas vezes foi alvo, no passado, da manifesta má vontade de alguns - graças a Deus poucos -, que, no entanto, mais tarde ou mais cedo, se convenceram, à transparência cristalina dos factos, da sua patriótica utilidade de preparar homens, como há 50 anos vem acontecendo, para servirem Portugal.
Longa e triste é a história - mas não venho aqui contá-la - das odiosas perseguições que, em dada altura, foram movidas contra o prestimoso Liceu de S. Vicente. Não poucas vezes se insinuaram, junto do Governo Central, sérios receios de que ele, num futuro mais ou menos próximo, viria a ser o responsável pelo aparecimento, na província, de graves problemas sociais e políticos, consequência imediata - segundo afirmavam os seus mais assanhados detractores - da formação de sucessivas gerações de pseudo-intelectuais que, sem recursos para continuarem os estudos e sem grandes possibilidades de emprego compatível com a habilitação adquirida, viriam a ser autênticos revoltados!... Felizmente, os factos, como aliás não podia deixar de ser, jamais confirmaram tão maliciosos vaticínios.
Embora o momento, por ser de manifesta alegria, não seja próprio para recriminações, entendi que não devia deixar de me referir a esta passagem bastante dolorosa para o Liceu de S. Vicente, justamente com a intenção de não trair, por simples omissão, a verdade histórica, que, por todas as razões, deverá ser respeitada.
Na altura em que todos nós que por ele passámos, como alunos ou professores, cabo-verdianos ou não, festejamos, entusiàsticamente, o cinquentenário da nossa saudosa escola, entendo, quanto mais não seja por imperativo de consciência, que aqui, na assembleia política mais representativa do País, deverei dizer bem alto que os antigos e actuais alunos dos liceus de Cabo Verde, em tempo