1764 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95
algum ou em qualquer parte, criaram ao País quaisquer problemas sociais ou políticos. Se alguma excepção existe, ela serve justamente para confirmar a regra.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os alunos dos liceus de Cabo Verde, conforme já tive ocasião de aqui dizer, têm servido, não paru criarem quaisquer embaraços ao País, mas, pelo contrário, para darem o seu franco e valioso contributo na resolução dos nossos problemas nacionais, até ao humano limite das suas possibilidades, não regateando sequer o sangue que heroicamente, e tantas vezes, vêm derramando rias portuguesíssimas terras da Guiné, de Angola e de Moçambique, combatendo corajosamente pela integridade de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O contributo que; o Liceu de S. Vicente vem dando à formação e renovação dos quadros do funcionalismo, tanto na metrópole como no ultramar, é, sem dúvida, relevante. Não exagerarei se disser a VV. Ex.ªs que por exemplo, a maior parte dos funcionários públicos mais altamente qualificados da Guiné foram antigos alunos do Liceu Mindelense e que nos quadros administrativos e da Fazenda, tanto de Angola como de Moçambique, os seus antigos alunos ocupam grande parte dos lugares, não poucas vezes como funcionários altamente qualificados.
Encontramos a cada passo antigos alunos do Liceu de Gil Eanes ocupando altos cargos na magistratura, no funcionalismo civil, na política, no ensino, na investigação, nas forças arruadas, nas profissões liberais, na marinha mercante, etc., tanto na metrópole como no ultramar, e até mesmo no estrangeiro. Na minha recente viagem a Moçambique lá se me depararam, como também em S. Tomé, dezenas deles exercendo, em diversas filiais do Banco Nacional Ultramarino, os cargos de gerente, do guarda-livros, etc., e tive a satisfação de verificar o alto conceito em que são tidos pelas entidades públicas e privadas que com eles contactam dia a dia.
Na província de Cabo Verde mais de 90 por cento dos funcionários públicos passaram pelos bancos do Liceu de Gil Eanes. Dos dezoito médicos lá existentes no quadro de saúde, nove foram seus antigos alunos. Dos dez chefes dos serviços clássicos, quatro fizeram nele os seus estudos, o mesmo acontecendo com dez dos presidentes dos treze corpos administrativos da província. Dos actuais professores pertencentes ao seu quadro, apenas dois não fizeram nele o curso liceal. Mas não é só no funcionalismo público que encontramos números significativos a demonstrarem à evidência o real contributo do meritório Liceu na valorização do arquipélago. O mesmo acontece em todas as actividades, e muito especialmente no comércio.
Há também a assinalar que quase todos os funcionários das dependências bancárias da Praia, do Mindelo e do Sal nele fizeram os seus estudos secundários, sendo de notar que um dois desses estabelecimentos as respectivas gerências estão entregues a antigos alunos.
Creio. Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o panorama que acabo de esboçar é suficientemente elucidativo quanto à manifesta contribuição relevantemente positiva e a todos os títulos valiosa que o Liceu de S. Vicente vem dando à Nação.
O Liceu de S. Vicente, que iniciou as suas actividades apenas com 42 alunos, dispõe hoje de uma população escolar de 772, o que é francamente significativo. Nos primeiros vinte anos da sua existência, por ele passaram 1269 alunos, dos quais mais de 100 fizeram o curso liceal completo, mais de outra centena obteve o diploma de, curso geral e, finalmente, para cima de 500 completaram o 1.º ciclo.
Já em 1937 existiam 25 antigos alunos que, tendo nele feito os seus estudos secundários, se diplomaram seguidamente em Medicina, Engenharia, Agronomia, Direito, Letras, Ciências Matemáticas e Administração Ultramarina. Nesse ano encontravam-se na metrópole matriculados em diversos cursos superiores 47 alunos, oriundos do Liceu de S. Vicente e que nele haviam feito do 1.º ao 7.º ano. Desses estudantes apenas 3 não concluíram os respectivos cursos.
Desde a sua fundação até ao presente, matricularam-se no Liceu do Infante D. Henrique, hoje Liceu de Gil Eanes, mais de 5000 alunos, dos quais cerca de 200 se diplomaram em diversos cursos superiores e de ensino médio e exercem condignamente a sua actividade na metrópole, no ultramar e alguns no estrangeiro.
A influência exercida pujo Liceu de S. Vicente nos diferentes sectores da vida do arquipélago é francamente positiva. Km todas as actividades existentes encontramos, directa ou indirectamente, os reflexos mais ou menos intensos, dessa influência. Quer nas manifestações culturais, quer naquelas mais ou menos directamente ligadas às coisas materiais, está sempre presente o Liceu, com todo o seu prestígio que foi criando paulatinamente durante os longos anos da sua gloriosa existência.
Aspecto, por exemplo, a considerar dessa forte influência reporta-se ao movimento literário, que desde o aparecimento da revista Claridade, em 1936, ganhou foros de autêntica consagração na vida intelectual portuguesa. Se várias causas se poderão apontar como estando na origem desse movimento, não é de menor relevo o ambiente criado pelo Liceu e que aglutinou, na ilha de S. Vicente, os diversos componentes do grupo, antes espalhados pelas ilhas.
Desse grupo faziam parte Jorge Barbosa, cujas poesias traduzem, no dizer de Jaime de Figueiredo, o «intimismo provinciano» das realidades do arquipélago; Dr. Baltasar Lopes da Silva, antigo aluno do Liceu e de, há longos anos seu muito ilustre reitor, cujos escritos de, ficção, para além do seu valor literário, oferecem seguro suporte da análise sociológica da vida cabo-verdiana, quer do ambiente dos meios rurais, quer da vida citadina, na qual ressalta, principalmente, o ambiente da vida estudantil; Manuel Lopes, que soube, primorosamente, descrever todo o drama das estiagens, que ciclicamente assolam o arquipélago, e outros.
Poderá contentar-se que dos nomes apresentados apenas um passou pelos bancos do Liceu de S. Vicente, mas precisamente o que pretendi foi realçar o ambiente que tornou possível esse florescimento literário. O Liceu moldou a vida do arquipélago e com ele se individualizou o regionalismo cabo-verdiano. Nos anos subsequentes à publicação da revista Claridade, outros valores se vieram revelar, quer com o aparecimento da revista liceal Certeza, quer com os números de Claridade que até 1960 se foram publicando, acolhendo todas as revelações que foram surgindo. Estou certo de que escritores como Arnaldo França, Nuno Miranda, Aguinaldo Fonseca, Gabriel Mariano e tantos outros, todos antigos alunos do Liceu de Gil Eanes do 1.º ao 7.º ano, dariam continuidade ao movimento iniciado em 1936 e assegurariam o prestígio que. no mundo da língua portuguesa, goza a literatura cabo-verdiana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifico que me alonguei nas minhas despretensiosas considerações por mais tempo do que aquele que na realidade era a minha intenção, quando comecei a escrever estes ligeiros apontamentos sobre o meu liceu, de tão gratas recordações que, nem a extensão das distâncias, nem o decorrer dos anos, conse-