23 DE NOVEMBRO DE 1967 1801
São as companhias de seguros apontadas como autênticos nababos, acusadas, no ramo «Automóveis», pelo menos, de pretenderem cobrar, ou estarem cobrando, prémios que constituem um verdadeiro crime de especulação.
Para poder apreciar devidamente estas acusações, julgo conveniente e peço me seja relevado que antes exponha à Assembleia algumas noções primárias e elementares sobre a natureza do contrato de seguro, pois a sua ignorância ou obliteração podem ter contribuído para o obscurecimento do problema.
Vêm as companhias acuradas - disse - de- levarem no ramo «Automóveis» prémios muito excessivos.
Esta acusação, para ser válida, tem do assentar no pressuposto de que as companhias tinham a faculdade de estabelecer prémios menores e de os estabelecer sem perderem dinheiro, porque, evidentemente, seria um absurdo pretender que qualquer empresa deve explorar a sua actividade em permanente regime deficitário, pois isso conduzi-la-ia à falência.
Adiante abordarei o argumento de que as companhias poderiam perder no ramo «Automóveis» e ter a compensação em outros ramos lucrativos.
Ora, para imaginar que as companhias são livres de fixarem as tarifas mais baratas ou mais caras, conforme entendam, é preciso pôr completamente de parte a própria função e natureza económica do seguro.
Um dos tratadistas mais célebres e modernos explica que o seguro pressupõe um grupo de pessoas que para fazer face a um mesmo risco susceptível de atingi-las decidem contribuir todas para a liquidação dos sinistros. Assim, mediante as quotizações proporcionais de cada um, são pagos os sinistros aos membros do grupo atingidos pela desgraça.
O segurador não é mais do que um intermediário encarregado de gerir o fundo comum.
Esta mesma ideia fora, aliás, já exposta pelo grande e velho Vivante, que considera também o segurador como um mero repartidor que distribui os prémios recebidos dos segurados no pagamento das indemnizações devidas àqueles de entre eles que se sinistram.
E outro clássico desta matéria, Herrmannsdorfer, precisa com clareza que as prestações dos membros do grupo têm de cobrir as obrigações da entidade seguradora.
Mas, evidentemente, que esta tem despesas próprias a satisfazer e direito a um Lucro legítimo que remunere a sua actividade, apesar de segundo parece, haver quem penso o contrário.
Portanto, é indispensável que as tais quotizações dos membros do grupo - que são os prémios - ainda deixem uma margem, depois de pagas as indemnizações.
Daqui provém a diferença entre o chamado prémio puro ou de risco e o prémio comercial.
Passando agora a referir-me especialmente ao ramo «Automóveis», direi que o prémio puro representa a relação entre o número e valor dos carros seguros e o número e valor das indemnizações pagas.
Com mais propriedade técnica, dir-se-á, como Bedour, que, sendo a frequência da sinistrai idade, a relação do numero de sinistros para o número de veículos sujeitos ao risco e sendo o sinistro médio o quociente do valor das indemnizações processadas para o número de sinistros verificados, o prémio de risco se obtém pelo produto da frequência pelo sinistro médio.
Por conseguinte: se houver 1000 carros seguros, todos pelo mesmo valor, e se 100 de entre eles sofrerem sinistros, importando os prejuízos totais em 1000 contos, é evidente que o prémio puro será de 1 conto, de modo que os 1000 carros satisfaçam os 1000 contos de prejuízo.
Ao prémio puro acrescenta-se então uma percentagem a determinar, que se destina às despesas e lucro da companhia. E assim se obtém o chamado prémio comercial.
Macei a Câmara com estas elementaridades para agora poder concluir e pôr em relevo que, sendo o tal prémio puro ou de risco - que exclusivamente faz face à sinistralidade -, de longe a parte principal do prémio comercial, de cerca de três quartos, quanto a essa parte o segurador não pode ter a mínima influência para o reduzir.
Isso depende exclusivamente dos próprios segurados e, subsidiàriamente, dos terceiros.
Que quanto ao resto se discuta se os encargos cobrados para a companhia podem ser de mais ou menos 1 ou 2 por conto, muito bem.
Mas, quanto à frequência e custo da sinistralidade, isto é fundamentalmente com os próprios automobilistas e acessoriamente com os peões que circulam na rua, as câmaras ou o Estado, que não têm as estradas em perfeitas condições, certos fabricantes de automóveis que se preocupam mais com a velocidade do que com a segurança, etc.
Não com as companhias de seguros.
Elas bem procuram, contudo, incentivar a prudência, quer defendendo o estabelecimento da franquia (adiante me referirei a ela), quer oferecendo bónus aos segurados isentos de sinistros, quer tomando parte nas campanhas de prevenção rodoviária, às quais destinaram nos seus dois primeiros anos de funcionamento cerca de 1500 contos.
Mas neste ramo de seguros nada chega.
Porque é que o prémio de seguro contra incêndio é barato (creio que $80 por conto)?
Porque, felizmente, o número de sinistros é muito reduzido.
Mas comecem amanhã os locatários a fazer fogueiras dentro de casa e a acender fósforos ao pé da gasolina, ou a deixar abertas as torneiras daqueles aparelhos que produzem uma chama viva onde quer que se viva, e ver-se-á como os prémios terão imediatamente de subir para limites que hão-de ser considerados «crime de especulação!».
Então os automobilistas - não todos, felizmente, mas muitos - cometem as loucuras e os crimes contra os quais todos os dias clamam os jornais e que, esses sim, revoltam a opinião pública, e depois há quem se espante de que o seguro automóvel em Portugal seja catastrófico para as companhias, como aliás é mau em quase todo o Mundo?
Então entre 1957 e 1967 os salários operários nas oficinas de recepção subiram, segundo informações do grémio respectivo, em proporções que vão desde 50 por cento (este mínimo é só na classe de estufador, porque nas outras classes o mínimo já é de 71,4 por cento) até um máximo de 233,3 por cento - e não se queria que este agravamento influísse no custo dos seguros?!
Então antigamente os tribunais, convictos de que a indemnização do dano moral era mais ou menos simbólica, atribuíam pela morta de uma criança de 4 ou 5 anos uma indemnização, por exemplo, de 10 contos, e hoje já atribuem, nos mesmos casos, 60 e 80 contos - e isto não há-de causar mudanças?!
Então antigamente o limite de indemnização, em responsabilidade civil, era de 200 contos - e hoje esta pode ser ilimitada, sem que o facto tenha repercussão?!
Há pendente em Lisboa uma acção onde se pedem 3000 contos de indemnização; outra em Benavente onde se pedem 5000 contos; outra em Lisboa onde o pedido é de 16 500 contos; e outra - essa proposta na América, mas contra uma companhia portuguesa - onde o pedido é apenas, para duas sinistradas, de 400 000 dólares, 400 000 dólares para cada uma, entende-se, togo a bonita quantia de 23 000 contos ...