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13 DE DEZEMBRO DE 1967 2071

câmaras da televisão, me era dado prever. Nas pequenas povoações, ou, como em Alenquer e Oeiras, nas sedes dos concelhos, onde a água, caindo do céu em torrentes ou transbordando do leito de pequenos cursos de água transformados em rios caudalosos, tudo submergiu, levando na sua violência vidas e haveres, as imagens colhidas são de profunda desolação e de dor.
Barracas, pobres e miseráveis refúgios daquela boa gente, e casas de deficiente construção destruídas; pontes, estradas e caminhos arrasados ou intransitáveis; hortas, pomares e terras de semeadura alagados e culturas estragadas; corpos humanos e de animais enterrados no lodaçal imenso; árvores arrancadas, automóveis inutilizados ou seriamente avariados; lama às toneladas cobrindo arruamentos ou ainda dentro das casas que resistiram à tempestade, cobrindo os parcos haveres que não foram destruídos; por toda a parte, dor e luto, sinais bem evidentes da tragédia vivida e ainda estampada nos rostos daqueles que salvaram a vida, mas perderam familiares, amigos, ou simples vizinhos e conhecidos, atestam de forma eloquente aquelas horas de horror que as populações viveram, impotentes perante a catástrofe que as atingiu.
A solidariedade demonstrada por toda a nação portuguesa e por alguns governos amigos - e até apenas conhecidos - dá-nos, como ínfima, mas grata, compensação, a noção de que nem tudo está pervertido, e algo ainda resta, no que ao estrangeiro se refere, de sentimentos de humanidade, que é sempre grato referir.
Mas, que entidades oficiais agissem da forma como o fizeram, ou até outras, que de há muito nos habituaram à sua acção altruísta e humanitária - refiro-me especialmente à Cruz Vermelha Portuguesa, à Caritas e ao Movimento Nacional Feminino; que algumas empresas e entidades particulares tenham mais ou menos colaborado na remoção dos destroços, na recuperação dos salvados e no auxílio às vítimas, vestindo-as e agasalhando-as, acho perfeitamente natural, e apenas demonstra que a dedicação ao bem comum não é uma palavra vã. Vi, com os meus próprios olhos, centenas e centenas de soldados e de fuzileiros navais, com cansaço bem evidente, colaborarem em tudo quanto da sua presença se esperava, desde a limpeza das casas e das ruas à recuperação daquilo que teoricamente ainda seria recuperável; VII bombeiros, voluntários e municipais, cheios de lama, com uma abnegação a todos os títulos louvável, lutarem para que os terríveis efeitos do temporal se apagassem o mais rapidamente possível da visão dos sobreviventes; VI senhoras do Movimento Nacional Feminino, da Caritas e da Cruz Vermelha Portuguesa tentando levar o conforto a centenas, a milhares, de vítimas alheias ao frio, à lama e a perigos de todo o género - que admirável é a mulher portuguesa! VI médicos e pessoal de enfermagem e administrativo, dos hospitais ou de instituições de beneficência, cuidarem dos feridos e dos traumatizados pela surpresa que os colheu na noite trágica de 25 para 26 de Novembro; VI sacerdotes, de uma bondade extrema, fatigados, mas corajosamente presentes, tentando levar o conforto àquelas pobres almas, ou orando por quantos Deus levou, como impunha o seu mister, distribuindo pelos vivos aquilo que para os mortos já era inútil. VI, ainda, a espantosa resposta ao apelo da Imprensa, sempre presente, sempre pronta a colocar a favor dos atingidos pela desgraça todo o poder da sua força e da sua penetração, levando até ao coração dos seus leitores toda a extensão da tragédia verificada.
Mas, de tudo, o que mais me impressionou e profundamente comoveu foi a presença generosa, admirável, cheia de altruísmo e de bondade, de centenas ou até milhares de jovens, na sua maioria estudantes, que abnegadamente (ia a dizer heroicamente), empunhando pás, picaretas, vassouras e todos os utensílios úteis à tarefa que se impuseram espontaneamente, a pé, por caminhos cobertos de lama, de pedras e de destroços, deixados os meios de transporte onde era possível o seu acesso, levaram a força da sua juventude e do seu generoso coração aos necessitados, colaborando com todos e com tudo quanto a emergência impunha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E essa juventude, por vezes incompreendida e até incompreensível, criticada pela sua irreverência e pelo seu inconformismo para com aquilo que supõe constituir reacção aos seus anseios, e mais não é do que a luta dos mais experientes para a defesa do património moral que lhes foi legado (do outro nem se fala), essa juventude, dizia eu, soube - porque mantém intactos dentro de si os sentimentos que lhes permitirão continuar Portugal - corresponder àquilo que de melhor se poderia esperar: a sua total solidariedade cristã para com os desprotegidos da sorte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, generosamente, ao frio, cobertos de lama e com as mãos feridas, alimentando-se precariamente e trabalhando de manhã à noite, raparigas e rapazes de todos os meios, universitários ou de escolas secundárias, alguns de fábricas e empresas, deram ao País um raro exemplo do que valem, e a grata certeza de que é nos maus momentos que se conhecem os bons corações. E nem mesmo a capa de inconformismo e irreverência de que às vezes se armam ilude, muito menos destrói, o seu coração de portugueses, em tudo dignos daqueles que generosamente, em África, asseguram o seu futuro e aguardam a sua rendição por estes, que acabam, entre nós, de mostrar serem dignos deles próprios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se, e com razão, daqueles que, como disse, em África, fazem «durar indefinidamente a nossa resistência», numa explosão de fé e de vontade que a todos enche de orgulho e garante a continuidade da Pátria.
Pois também na retaguarda a nossa juventude teve ensejo de pôr à prova a sua excelente disposição de merecer aqueles que além-mar garantem a sua existência. A batalha que travaram agora com os elementos da natureza são a garantia de que amanhã, na guerra, saberão o que querem e quanto valem.
Sou considerado, politicamente, como um ultra, um reaccionário contra as novas concepções da vida de que a nossa juventude, certa juventude, é a expressão suprema. Pois é justamente a essa juventude, cuja alma não está pervertida e generosamente deu, com o seu esforço, um alto exemplo aos egoístas, àqueles que nada demove das suas comodidades, que rendo a minha homenagem, afirmando-lhe o meu respeito, a minha profunda gratidão, como homem e como português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Para colocar-me «dentro da ordem» -calamo currente ..., sem achegas e apenas com o que sei de ciência infusa -,