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2176 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115

e amigo, e enquanto puderam aproveitar da surpresa foi um saciar de crueldade e de maus instintos, piores que os das feras, que normalmente só matam pela imperiosa necessidade de se alimentarem. Num momento os ânimos se restabeleciam e o necessário para a luta se recompletou; agora temos a experiência da guerra, será de uma guerra muito especial, que não poderá constituir generalidade de padrão para muito longo futuro, mas é com essa que no momento presente temos de nos haver e que, de resto, temos de admitir seja para durar. Para tanto, impõe-se estarmos preparados, moral e materialmente. É a opinião do Chefe do Governo e também a nossa.
Urge legislar para este fim.
A proposta de lei n.º 2/IX vem-nos ao encontro das conveniências presentes. Intitula-se Lei do Serviço Militar, e não Lei do Recrutamento e Serviço Militar, expressão já talvez tradicional e como a actualmente em vigor é designada. Mas há razões para esta diferença: na lei que se pretende substituir, o recrutamento é um conjunto de operações que condicionam a prestação deste serviço; na que está em proposta, o recrutamento decorre durante a prestação do serviço militar. Ato agora a legislação sobre serviço militar era quase que exclusivamente referente ao Exército, dando praticamente a todos os cidadãos responsabilidades sómente perante este, constituindo as disposições relativas às outras forças armadas matéria de excepção, isto é, como se o serviço naquelas constituísse casos especiais da prestação do serviço militar.
Esta proposta de lei é indiscutivelmente um trabalhe previamente bem estudado, conscienciosamente elaborado, de forma que só fosse posta no papel obra digna e que de antemão desse a garantia de ser proveitosa. Foi a elementos do Estado-Maior do Exército que em boa hora foi entregue esta incumbência, que mais uma vez reafirmaram os seus já tão conhecidos méritos, que de todos nós ficam credores dos melhores elogios. Assim, não tiveram dúvidas os Ministros das quatro pastas militares de o confirmar, conscientes de que este difícil trabalho era digno das suas assinaturas. Difícil, sim, pois, conquanto muita da sua matéria já transitasse das leis anteriores para esta, sem dúvida que a actualização dessa mesma matéria e o que de novo lhe foi introduzido não podem ter sido elaborados de ânimo leve ou menor aplicação.
Entregue o projecto em causa à apreciação da Câmara Corporativa, esta, de igual modo, no seu douto parecer, também não lhe regateou os elogios, rendendo as devidas homenagens aos seus autores.
Porém, tendo passado às mãos de um jurista dos mais distintos, este lhe deu corpo e forma, sem em nada lhe alterar a sua essência, de aspecto aparentemente diferente, mas que em tudo o mais continua a mesma. E lealmente cumpre-nos declará-lo, na sua quase totalidade resultou melhor. A Comissão de Defesa Nacional inclinou-se para o parecer da Câmara Corporativa, salvo em quatro artigos, em que dá preferência à estruturação inicial.
O militar está habituado, porque assim é instruído, a educar desde as massas menos cultas às que amanhã hão-de constituir as elites da Nação; assim, para ele tudo tem de ser minucioso, detalhado, de descer quase sempre até ao pormenor, aprecia mais o regulamento do que a lei, tudo deve ser claro, sem balanceamento de interpretações; o jurista é como o pintor ou o escultor, de que o primeiro, com um lápis, um papel, em meia dúzia de traços é capaz de fazer um desenho expressivo, e o outro, com um pedaço de barro mole, em meia dúzia de amarrotadelas nos apresenta uma figura que parece dizer-nos qualquer coisa. Assim, a lei na mão do jurista, em menos, toma mais expressão e até mais beleza. Se é que numa lei esta pode existir.
No projecto que estamos apreciando, como na lei ainda em vigor, o serviço militar, pode ser obrigatório ou voluntário, mas naquele procura dar-se-lhe mais relevo e elevação. O obrigatório é prestado não só nas forças armadas, mas também, quando necessário, na reserva de recrutamento militar e na reserva territorial. A reserva e o recrutamento militar, conquanto já previsto pela Lei n.º 1961, é agora que se leva a efeito, com a principal finalidade de evitar a emigração entre os 18 e os 20 anos. O serviço militar voluntário apresenta-nos neste projecto uma modalidade que se pode considerar inteiramente nova: a prestação de serviço militar por indivíduos do sexo feminino.
Por ser preceito de inteira novidade na nossa legislação, seja-me permitido que a este respeito pronuncie algumas palavras. Trata-se de uma inovação que, embora se nos afigure trazer incontestáveis vantagens, ou, talvez melhor, comece a ser necessária, não deixa de nos causar hesitação e nos levar a ponderar como e até onde o serviço militar prestado pelas mulheres possa ser conduzido.
A Câmara Corporativa, ao apreciar essa inovação no nosso serviço militar, deixou nitidamente transparecer o melindre que nela encontra, emitindo opinião de que certamente não se pretenderá levar a mulher portuguesa a tomar parte em acções militares de campanha, em paridade com os homens. Evidentemente que o pensamento dos autores deste projecto nunca terá sido este, não nos resta a menor dúvida de que nunca lhes passou pela mente levar a mulher portuguesa, ainda que voluntariamente, a um serviço nas forças armadas, tal como na China, em Israel ou no Vietname. Nem o nosso país se encontra em situação que o obrigue a recorrer a tanto, nem os Portugueses poderiam aceitar, a não ser em caso extremo, que as mulheres fossem conduzidas aos mesmos sacrifícios que eles tão abnegadamente aceitam, para garantia da continuidade da resistência da sua pátria.
Há hoje nas nossas forças armadas especialidades e serviços que, por oferecerem nenhuns ou quase nenhuns riscos, colocam os homens que os desempenham em situação moral de grande inferioridade perante aqueles que lutam na frente de batalha, sempre sujeitos às traiçoeiras surpresas das emboscadas, das minas ou das armadilhas. Estes, sim, estes é que sentem a guerra, são os que passam os dias e as noites atentos: ou ao ataque inesperado, que, quando todos descansam, já exaustos de fadiga da constante vigília, numa aparência ilusória de tranquilidade e de paz, repentinamente irrompe de entre o capim ou do denso arvoredo; ou à mina, que, bem dissimulada nas asperezas do caminho, bruscamente estoira ao ser tocada pelo carro em que se transportam; ou nos reconhecimentos e perseguições, em que têm de enfrentar os bandoleiros, aniquilando-os ou forçando-os à fuga.
São os que ficam feridos, são os que morrem.
Porém, por mercê da natureza das suas habilitações ou da profissão que exercem, muitos há que têm de ser destinados àquelas especialidades e serviços, as tais que lhes concedem poder tomar parte na campanha em situações de risco quase ou mesmo totalmente nulo.
Se estas missões puderem ser confiadas às mulheres, não diremos totalmente, mas em grande parte, os homens serão assim em muito maior número em situações de igualdade no cumprimento dos seus deveres de defesa da Pátria. Ninguém poderá então dizer que este ou aquele se aproveitou da sua profissão ou género de preparação cultural para se emboscar dos perigos, riscos e exigentes sacrifícios de uma campanha, por entre as enfermarias dos hospitais, por detrás dos balcões e aparelhagem dos