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1 DE MARÇO DE 1968 2559

A segunda, e esta não será a menos importante, é que chegou o tempo de deixar a Misericórdia do Porto em paz, entregue àqueles dos seus irmãos que a farão voltar aos caminhos da caridade traçados pelos instituidores e protectores. Eu sei que há feridas difíceis de cicatrizar. Pois, não sejamos nós, Sr. Deputado Fernando de Matos e eu, a alargar essas feridas, antes se veja no nosso proceder, servindo com a recta intenção de engrandecer e prestigiar a instituição, o cumprimento da fraternidade que jurámos ao transpor as suas portas.

Já ouvi dizer que a fala, a cada passo, desune os homens. Só faço o voto de que esta minha de hoje faça unir.

Mais uma palavra, Sr. Presidente. Escrevi ao Sr. Deputado Fernando de Matos informando-o de que V. Ex.ma me daria hoje a palavra. O ilustre Deputado respondeu-me que estaria aqui a esta hora, o que não acontece, e eu lamento, certamente por motivos de força maior.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

• O Sr. Santos Bessa:- Sr. Presidente: Venho hoje ocupar-me de um problema de economia agrícola que tem graves repercussões na saúde pública e que me parece não estar convenientemente estruturado - o do uso dos pesticidas na agricultura e contra certos agentes vectores de doença.

É assunto de perfeita actualidade, que dia a dia se vai revestindo de maior importância e vai suscitando mais justificado interesse.

Ocupei-me dele, no Verão passado, nas Jornadas de Medicina do Trabalho .da Figueira da Foz, chamando para o assunto não só a atenção dos médicos do trabalho e de todos os demais, como também do próprio Governo, uma vez que o caso o impunha. Passados estes meses, não descortino que, por parte do Governo, se tomem as medidas que ele impõe. Por esse motivo, volto agora a ocupar-me dele na Assembleia Nacional em breve apontamento, na esperança de que o Governo, desta vez, lhe preste a devida atenção.

A designação genérica de pesticidas abrange os produtos destinados a assegurar a destruição ou a prevenir a acção de vírus, bactérias, fungos, vegetais ou animais, nocivos que comprometem a agricultura.

Já lá vai o tempo em que a protecção das plantas e do homem era assegurado, com produtos simples e pouco numerosos - uns inorgânicos e outros de origem vegetal.

Em 1940, os pesticidas usados contra esses elementos que comprometiam o desenvolvimento e a vida vegetal que interessam à agricultura podiam contar-se pelos dedos das mãos' - excediam um pouco a meia dúzia, segundo a afirmação de um técnico competente do nosso Laboratório de Fitofarmacologia.

Mas nestes últimos vinte anos, e, sobretudo, depois da segunda guerra mundial, temos vindo a assistir a uma extraordinária proliferação dos mais variados produtos sintéticos com que o homem pretende dizimar aquelas pragas da agricultura sem cuidar devidamente da sua própria protecção. Mercê do domínio da química, da alteração das moléculas e da substituição dos átomos, o homem pôde colocar à disposição da agricultura (e também da saúde pública) uma enorme série de produtos dotados de "enorme potência biológica" e que penetram "nos processos vitais do corpo, modificando-os de maneira sinistra e, por vezes, mortal". As enzimas que asseguram a vida das nossas células são atingidas por eles, sofrendo mesmo a sua destruição, e por esta via são travados os processos de oxidação e é impedido o funcionamento normal de vários órgãos. E não fica por aqui a sua acção, já que também se podem originar mutações celulares que conduzem a manifestações malignas - afirmação que foi feita por quem conhece de perto tão delicado assunto. Os quadros de intoxicação aguda e de morte que lhes estamos devendo são de todos os dias, como o demonstram os estatísticas •hospitalares e as notícias dos jornais.

A inconsciência, a ignorância, o descuido e até mesmo a maldade têm causados muitos milhares de vítimas, que perecem devido à alta toxicidade aguda de muitos destes produtos.

Se as entidades responsáveis, se a indústria, o comércio e os indivíduos que compram e aplicam os pesticidas tivessem os devidos cuidados, consciencializando-se a si próprios e consciencializando o próximo, o perigo proveniente da toxicidade aguda dos pesticidas seria, praticamente eliminado.

Estas graves afirmações devem-se a um distinto técnico do Laboratório de Fitofarmacologia e foram produzidas há pouco mais de ano e meio na Sociedade das Ciências Agronómicas de Portugal (7 de Junho de 1966).

A toxicidade aguda dos pesticidas é uma das suas características fundamentais. Ela pode ser bem determinada pela acção exercida sobre vários animais de laboratório, como a ratazana, o rato, a cobaia, o cão, o gato, o coelho e o macaco.

É expressa pelo símbolo LD50, isto é, pela quantidade mínima de pesticida capaz de matar 50 por cento de uma população de experiência, quando administrada por via oral ou por outra via, em dose única ou repetida, no espaço máximo de 24 horas. Esta dose refere-se, em geral, a miligramas de pesticida por quilograma de peso de animal e serve para classificar os pesticidas em quatro classes, segundo o seu grau de toxicidade decrescente: I, II, III e IV.

Ora mais de 50 por cento dos pesticidas organofosforados estão incluídos na classe I, a mais tóxica, havendo somente 2 por cento na classe IV.

Os insecticidas organofosforados e outros estão distribuídos uniformemente pelas quatro classes toxicológicas e a maioria dos herbicidas pertence a classe IV (S. Silva Fernandes -1966).

Os casos de intoxicação crónica são menos aparatosos, dificilmente se individualizam por quadros clínicos bem caracterizados, mas têm seguramente uma enorme importância, pelas alterações íntimas do funcionamento das células e tecidos e, portanto, pelas graves repercussões na saúde e na vida dos indivíduos.

Os pesticidas aplicados sobre as plantas em plena vegetação ou, sobretudo, na armazenagem dos seus produtos nem sempre sofrem rápida alteração que lhes faça perder ou atenuar as suas propriedades tóxicas.

Muitos deles, e dos mais tóxicos, têm uma meia vida longa, quer dizer, levam muito tempo a transformar-se.

Dos que são aplicados sobre as plantas, muitos mantêm ainda toda a sua toxicidade no momento da colheita dos produtos.

Os resíduos ingeridos pelo homem podem não ser suficientes para originar quadros agudos; mas como uma das características de muitos deles é a de não serem metabolizados nem eliminados, as doses ingeridas vão-se acumulando e somando e, ao fim de alguns tempo, exercerão, indubitavelmente, acções deletérias de tipo crónico. . As experiências de laboratório podem, para cada pesticida, estabelecer a tolerância, isto é, a quantidade máxima de pesticida que é admissível em cada cultura no momento da colheita, de modo a não provocar intoxicação crónica quando ingerida diariamente.