O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

12 DE FEVEREIRO DE 1969 3153

O parecer da Câmara Corporativa, muito completo, aliás, em relação à limitada matéria da proposta governamental, não aceita a totalidade do seu conteúdo.
Sugere, quanto ao artigo 646.° do Código de Processo Penal, a não eliminação da capacidade de recurso sempre que o acórdão seja condenatório. Justifica, que a "limitação do recorrer constante da proposta em apreciação pode trazer para o réu sérios prejuízos, sobretudo quando o crime, pelo seu carácter infamante, possa afectar gravemente a sua vida profissional".
Tem razão a Câmara Corporativa.
Mas este ponto, embora seja um progresso em relação à proposta, vem também consagrar um princípio doutrinal perigoso: o impedimento ao direito de recorrer.
Creio que tudo o que conduza a uma limitação do direito de defesa, tudo o que represente cercear a demanda de justiça, tudo o que iniba alguém de se fazer ouvir para que lhe seja concedida razão, é grave ofensa, atentatória dos direitos, humanos.
O direito do recorrer é apanágio da personalidade humana.
A redução dos casos recorríveis em nada valoriza a justiça. É preciso ter presente que em matéria de honra, de liberdade e de fazenda não há questões mais ou menos importantes: todas são igualmente importantes.
Por isso sou dos que concordam com o alargamento do direito ao recurso para as instâncias superiores e daí não poder aceitar quaisquer sistemas que consagrem redução em matéria tão melindrosa.
Um outro ponto pretendo referir, pois suponho merecer meditação.
O parecer da Câmara Corporativa está eivado de uma opinião manifestamente errada - produto de quem conhece perfeitamente a administração da justiça, mas a conhece de um curto ângulo, que, embora elevado, não abarca a exacta dimensão da realidade.
Na verdade, aponta-se no parecer, como causa da morosidade judicial, "a reprovável tenacidade das partes ... na defesa das suas posições". Comenta o parecer: "as partes frequentemente não colaboram com a justiça; pretendem atingir certa finalidade, alcançar determinado resultado, e não hesitam, para tal, em recorrer a todos os meios, requerendo, reclamando, recorrendo, recorrendo sempre até ao Supremo Tribunal de Justiça, e, quando o fazem, logo com a mira de irem até ao tribunal pleno! Se as partes são poderosas, ou uma delas, então é quase certo que assim acontece".
Mais além mas ainda dentro da mesma opinião, adverte e sentencia o parecer da Câmara Corporativa: "por mais cuidado que haja em simplificar os termos do processo e em fechar as portas às "habilidades" das partes ...".
O que venho de transcrever filia-se no esquema intelectual de quem conhece a justiça pela prismática do julgador.
Não acho nada de censurável em chegar um processo ao tribunal pleno, como também não é chocante constatar sentenças contraditórias, até na mesma instância.
Em processo-crime, se o acórdão é absolutório, o réu exultará por lhe ter sido feita justiça, e só lamentará as vezes que, até aí, foi mal julgado. Se o acórdão é condenatório, o réu tranquiliza a sua consciência pelo facto de haver tentado tudo para fazer reconhecer judicialmente a sua razão.
Convém não esquecer que em matéria-crime, e salvo o caso de má fé - para a qual há sanções na lei -, o recurso é sempre o grito contra uma má sentença e a
única alavanca susceptível de tentar fazer imperar a verdade, a verdade dos factos.
Quando digo má sentença não tenho intenção de dizer sentença dolosa. Refiro isto porquanto, muitas vezes, interpor recurso de uma decisão é considerado pelo próprio magistrado que proferiu o despacho ou sentença como um agravo pessoal ...
Se na base de cada recurso está uma decisão com a qual as partes se não conformam - e portanto não devem aceitar - por que razão se considera esse direito como entrave a rapidez da justiça?
Penso vantajoso não desprezar nem esquecer que a função primordial dos órgãos jurisdicionais e julgar. O problema de serem mais ou menos solicitados com afazeres próprios da sua finalidade, ou objectivo apresenta-se a meu ver como não essencial, direi mesmo acidental para a função, e de fácil remédio.
O que a seriedade exige da justiça é que julgue bem e, se possível, com celeridade. Não se lhe pede simplesmente rapidez, quantas vezes incompatível com a reflexão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Recorde-se que os julgadores têm à sua mão, porque prevista na lei, possibilidade de castigarem as partes que propositadamente entravem o andamento normal dos processos cíveis ou crime.
Pois actualizou-se na parte da multa essas disposições, para terem vida e poderem constituir ameaça respeitável.
Quererem ou não utilizar os juizes tais medidas, que algumas vezes sem dúvida, envolvem coragem moral, é outro assunto ...
Escandalizar-me porém, ver o "ar fácil" como se descarrega sobre as partes uma culpa a que as próprias partes são alheias e notar como se atribui a quem recorre ao tribunal - e nunca é por prazer - a deficiência que pesa sobre os serviços da justiça.
Isto envolve um preconceito que não admito como verdadeiro e que portanto repudio.
Em representação das partes estão os profissionais do Direito e entendo caber-me a obrigação do declarar tratar-se de uma classe que goza de justo prestígio e digna reputação no nosso país.
Os termos em que n parecer da Câmara Corporativa se refere as partes em juízo necessariamente implica uma censura concreta à actuação dos seus mandatários: advogados e jurisconsultos.
É isto que, com toda a veemência, rejeito!
Ninguém ignora, que o advogado, na instrução do processo, não está presente; que o advogado não assiste, às inquirições das testemunhas, não colabora na produção da prova, não acompanha o interrogatório do réu, não pode consultar o processo, que permanece em fase secreta até à, pronúncia ...
Assim, sob o peso deste condicionalismo, não constituirá surpresa recorrer-se do despacho de pronúncia, como ninguém se pode admirar de ver requerida a instrução contraditória, como será normal requerer-se reinquirição de testemunhas.
Será entravar a acção da justiça um requerimento para esclarecer situações, para sugerir diligências tendentes ao apuramento dos factos e das responsabilidades?
Será não colaborar com a justiça recorrer a um tribunal superior para que tome conhecimento e se pronuncie?
Não são "habilidades". São direitos que a lei confere às parte, e a faculdade de os usar depende exclusivamente da sua vontade.