5 DE MARÇO DE 1969 3331
publicados pela pasta da Saúde desde 27 de Abril até esta data, precisamente daqueles que, sucessivamente, criaram a carreira médica hospitalar, estabeleceram o Regulamento Geral dos Hospitais e o Regulamento do Internato Médico e estabeleceram em novos moldes o estágio do último ano do curso de Medicina.
Já por diversas vezes nesta Câmara, a propósito da discussão da reforma da previdência e do Estatuto da Saúde e Assistência, do exame das contas públicas e em intervenções sobre vários problemas da saúde pública, me referi aos anseios dos médicos e dos corpos dirigentes da sua Ordem, tão claramente e tão oportunamente expressos no Relatório das Carreiras Médicas que o seu conselho geral e a sua assembleia geral aprovaram e que foi publicado em 1961. O Ministro Martins de Carvalho deixou bem expresso no Estatuto da Saúde e Assistência o valor desse documento como trabalho sério e como elemento de franca e útil colaboração. A carreira médica hospitalar, como outras, foram votadas por esta Assembleia aquando da aprovação do Estatuto da Saúde e Assistência, mas foi sómente o Ministro Neto de Carvalho que teve possibilidade de a estruturar.
Foi no final do mandato do bastonário Lobato Guimarães e por virtude de uma acção contínua da Ordem do Médicos que foi possível dar início a um movimento tendente a pôr em execução não só o que então se julgava do mais alto interesse no que toca às carreiras médicas, mas também tudo o que a experiência tinha ensinado desde então e aquilo que as condições actuais do País reclamavam e permitiam no campo da saúde pública.
Esse movimento, prosseguido pelo actual bastonário, foi entusiasticamente acarinhado pelo ilustre titular da pasta da Saúde e Assistência, Doutor Lopo de Carvalho Cancela de Abreu, que, sendo médico, conhecia perfeitamente os problemas dos médicos, os da Ordem e os dos hospitais.
A publicação destes diplomas justifica plenamente que eu afirme nesta Assembleia o meu regozijo pela espírito que presidiu à sua elaboração, pelas medidas que neles se contêm, pela formação médica que permitem, pela elevação do nível da medicina portuguesa que daí resulta e pelo alcance social que é lícito esperar da- sua aplicação, na melhor assistência aos doentes, no aperfeiçoamento da saúde pública e na economia da Nação.
Estamos convencidos de que estes diplomas marcam sómente o início de uma série de reformas que abranjam o ensino médico, a estrutura hospitalar e a saúde pública, nos seus variados sectores.
Não podemos continuar a protelar o estudo criterioso dos nossos recursos humanos, do nosso equipamento médico-sanitário, das nossas necessidades em relação à nossa organização económico-social. Temos de ajustar sem demora o ensino médico e a estrutura dos nossos hospitais à preparação do tipo e do número de médicos que o País necessita. Não há que adoptar o figurino deste ou daquele país - há que definir o que mais nos convém, o que devemos e o que podemos fazer. Não sei se nos convém o modelo americano, nem se é mais conveniente o tipo inglês, nem se se ajusta melhor ao nosso país o figurino escandinavo. Só sei que me repugna o sistema adoptado pelos países socialistas, onde houve necessidade de criar o feldsher, uma espécie de curandeiro, enxertado entre o enfermeiro e o médico, para a solução dos seus problemas médico-sanitários.
A formação do médico não pode continuar A limitar-se ao ensino básico das Faculdades de Medicina. Esse ensino básico há-de completar-se com a formação técnica dada pelo internato hospitalar de feição moderna e de execução séria. Só então o médico estará em condições de exercer conscientemente a sua alta missão. E não há-de ficar por aqui: a este estágio, assegurado pelo Estado em condições de eficiência e com justa remuneração, há-de seguir-se uma terceira fase, de cursos periódicos de frequência obrigatória, que permitam a educação progressiva e a actualização constante dos médicos, a qual, aliás, já está em aplicação em vários países.
O mundo que aí vem exige um tipo de medicina bem diferente daquilo que caracterizava a época em que iniciámos a nossa actividade profissional e que se prolongou até aos nossos dias. Os médicos do nosso tempo continuam a ser preparados para exercerem uma medicina individual, de tipo familiar, que já não se adapta às realidades de hoje e muito menos às do futuro próximo.
A medicina que a evolução da sociedade de hoje impõe não é sómente a medicina curativa nem a dos clínicos gerais. Ela exige médicos que possam estar à altura de servir também e tão bem a prevenção da doença, a reabilitação do enfermo e a promoção da saúde individual e colectiva. Como disse o Prof. Jaime Celestino da Costa, a saúde pública e a medicina social variam de época para época, de acordo com a própria evolução social, e as sociedades ainda mudam mais do que os homens que as constituem. Já em 1961, no Relatório das Carreiras Médicas, se afirmou que:
O volume dos conhecimentos mínimos, teóricos e práticos excedeu há muito tempo a capacidade do curso de Medicina segundo os moldes clássicos ainda hoje em vigor.
Ainda muito recentemente também o Prof. Miller Guerra afirmou que o actual curso de Medicina «prepara o médico para um tipo de profissão que já não existe ou, pelo menos, já não tem semelhança com o modelo que tinha em mente o legislador».
O clínico geral, o médico de família, da clínica individualista da sociedade de outrora, está em via de desaparecimento pela sua incapacidade para se adaptar a este novo tipo de sociedade a cujo nascimento e progresso estamos assistindo. Daqui em diante, em vez do colóquio singular, do binómio médico-doente, havemos de ter essencialmente o trabalho de grupo, a colaboração de vários médicos com preparação diferenciada. E é para a preparação deste novo tipo de médico que temos de olhar, na execução de uma política de saúde eficaz e oportuna. Isto há-de ser obra da reforma do ensino médico e da reforma dos nossos hospitais. Assim o impõem, não só a moderna estrutura da população, mas também a evolução dos conhecimentos científicos, as novas técnicas de actuação médica e a protecção médico-social. Quanto mais tarde se fizer mais graves serão para nós as consequências. Manter por muito tempo o que aí está será fazer persistir aquilo a que um ilustre mestre de Medicina já chamou «medicina artesanal», e será dano grave para a economia e para o progresso da Nação.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente: Agradeço-lhe e agradeço-lhe Sr.. Deputado o terem-me permitido algumas palavras que se me impõem como profundamente interessado e responsável por problemas de ensino, e não para reforçar as palavras de V. Ex.ª, que, por tão claras, de tal não necessitam.
Referiu-se V. Ex.ª à necessidade absoluta de uma reforma, que de há muito se impõe e se pede, do ensino médico. É evidente que a ciência médica evoluiu de tal