7 DE MARÇO DE 1969 3381
Chama o Governo a atenção dos responsáveis deste sector - como aliás o vai fazendo, e muito bem, para os de outras actividades da vida portuguesa - para o facto de o Estado não poder tomar para si a tutoria de todos os empreendimentos, sendo aos seus próprios dirigentes, aqui os administradores das empresas algodoeiras, que cabe a responsabilidade da gerência dos negócios.
Pode perguntar-se: porque interveio então o Governo? Naturalmente porque, se da administração de cada fábrica é o empresário o responsável, a indústria, no seu conjunto, é um considerável agrupamento industrial do País, com equipamento instalado da ordem dos 4 000 000 de contos, com uma produção de cerca de 4 700 000 contos, com uma exportação que atingiu quase 2 000 000 de contos e que mantém a vida de cerca de 300 000 pessoas.
Está, por consequência, perfeitamente justificada a série de medidas muito importantes agora tomadas, e não me lembro de nenhumas mais valiosas determinadas em benefício de qualquer outra actividade nacional.
Em determinadas condições, e para atingir os fins previstos, poderão conceder-se a favor da indústria reduções de sisa, isenção de contribuição industrial por vários anos, dos impostos de mais-valia, conversão de empréstimos a curto prazo em empréstimos a médio ou longo prazo, etc.
Estes benefícios, destinados a favorecer e provocar a concentração ou a integração industrial, serão eficazes? Este programa, tão justamente acarinhado, terá viabilidade?
Oxalá que a criação de unidades maiores se atinja. Em toda a Europa se tem assistido a numerosas fusões e creio estar demonstrado, em face das possibilidades de produção alheias e da evolução dos ajustamentos económicos europeus, que esse é o caminho que a indústria deve trilhar.
Mas é preciso, ao estudar o assunto, não esquecer a variedade de situações que o quadro da nossa indústria têxtil engloba. O despacho desenha o seu perfil com verdade e análise bem feita é também a da Comissão de Estudo da Indústria Têxtil, datada de Abril do ano passado.
Ali, como aqui, se apontam diversas singularidades desta indústria, onde tantas unidades aparecem devido ao esforço de um só ou de poucos indivíduos, que pela sua inteligência, espírito de iniciativa e amor ao trabalho conseguiram tornar-se empresários, com falta, muitas vezes, de cultura e de dinheiro.
Virão muitas empresas a fundir-se? Certamente. Mas pode bem suceder que, relativamente àquelas já com alguma dimensão, com administração e técnica capazes, o receio das más consequências de um certo delírio bancário destes anos tenha diminuído e que, portanto, o mercado venha a prolongar agora os créditos por mais algum tempo, para não perder clientes. Assim, a indústria poderá não se entusiasmar com as condições fixadas para transformação dos seus débitos em empréstimos a longo prazo e deixar de utilizar as soluções agora oficialmente propostas, não se realizando as modificações de estrutura desejadas. A isso poderá ajudar também o espírito de independência e de aventura da nossa gente do Norte, assim como, em muitos casos, a falta de preparação económica suficiente para dominar os problemas da sua actividade e até para ter a noção de que existem.
Convém ainda ter em conta que não será fácil à pequena indústria algodoeira realizar as condições impostas pelo Governo para obtenção dos auxílios citados e que a esses clientes os bancos comerciais não terão, como é natural, tanto interesse em ajudar.
Estarão todas irremediàvelmente condenadas?
É, não obstante, uma verdade - o que é mais difícil é definir os respectivos limites - que a indústria, à medida que os produtos se aproximam do acabamento, não necessita de ser tão fortemente concentrada. E o certo é que as empresas que têm realizado concordatas ou falido não se situam todas - antes pelo contrário - entre as pequenas unidades. Parece poder dizer-se que se trata mais de um caso de má gestão do que de dimensão inexacta.
Sr. Presidente: As medidas propostas pela Comissão de Estudos não foram todas, até agora, acolhidas pela Administração. Quererá isso dizer que o Governo ainda as não estudou, as repudia ou apenas não as julga oportunas?
Inclino-me para a última hipótese, pois há muitos aspectos naquele valioso trabalho que não podem deixar de ser encarados da forma sugerida ou de outra. Estão entre eles os problemas das matérias-primas, da energia, do fomento de exportação, da investigação aplicada e da formação profissional, etc.
Parece indispensável, por exemplo, não apenas tentar aumentar a procura de têxteis no mercado interno, como disse, mas também criar um clima de competência profissional e de elegância mental nos meios desta indústria. Faz muitas vezes pena ver como esses grandes lutadores, esses verdadeiros criadores de riqueza, não foram capazes de assegurar a continuidade da sua, tantas vezes, prodigiosa obra.
Relativamente ao problema da investigação aplicada e formação profissional, queria daqui lembrar ao Governo que em tempo oportuno, quando durante anos batalhei aqui na Assembleia e fora dela pela indústria têxtil, lhe foi pedida (eram então Ministros da Educação Nacional o Sr. Prof. Leite Pinto e da Economia o nosso ilustre colega e meu querido amigo Dr. Ulisses Cortês) a criação em Guimarães de um instituto comercial e industrial, no qual se desse a primazia aos cursos de têxteis.
Porquê em Guimarães?
As razões são primeiro de natureza histórica, visto Guimarães ter sido sempre terra de conceituadas indústrias e também foco de onde irradiou, pelos vales do Ave e do Vizela e até ao Porto e outros sítios, a preciosa indústria de algodão, actividade que transformou totalmente a forma de viver daquelas regiões e dá agora, como disse, possibilidades de vida a três centenas de milhares de pessoas: seria essa, indubitàvelmente, uma merecida homenagem à terra do Alfageme de Santarém, expressão do ancestral valor de Guimarães no campo industrial, e aos introdutores da moderna indústria do algodão em terras de Portugal.
Mas não só isso. Se é preciso, e é, criar um instituto comercial e industrial na região interamnense, o local da sua implantação é naturalmente naquela cidade. É Guimarães um concelho industrial por excelência: basta dizer que a receita da contribuição industrial do concelho é uma das maiores da metrópole. Guimarães paga sozinha mais do que cada um de doze dos distritos da metrópole, pagando, por exemplo, mais do que a contribuição industrial reunida dos distritos de Évora e Bragança e perfazendo 40 por cento de toda a contribuição industrial do distrito de Braga, a que pertence, e que é um dos mais industrializados do País.
Este índice, que dá bem a noção da importância de Guimarães, diz-nos ainda que o seu concelho paga de contribuição industrial cerca de 23 000 contos por ano, ao passo que os importantes concelhos de Braga e Vila Nova de Famalicão pagam, respectivamente, cerca de 10 000 e de 16 000 contos.