3424 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 189
no momento presente é já um dos grandes entraves no investimento na agricultura.
Sr. Presidente: Antes de terminar, gostaria ainda de trazer perante V. Ex.ª mais um caso em que a apreciação das contas em discussão nos poderá ajudar e ver com mais clareza, que nem sempre existe aquela coordenação de esforços e acção de conjunto que se impõe. Julgo que no que ficou dito para trás já é suficientemente claro que um dos males que afecta o sector agrícola é a falta de capacidade de investimento e que grande parte dos esforços feitos pelo Governo para vencer a crise agrícola tem justamente vir do suprir esta falta e também procurando aumentar-lhe a sua rentabilidade para que o sector possa começar a ter disponibilidades que lhe permitam, a si mesmo, enfrentar as necessidades de capital que as transformações culturais impõem.
Como perceber então que o mesmo Governo, por outro lado, tenha uma actuação que no fundo leva a invalidar parto daquilo e a que se mostra tão empenhado. Refiro-me ao que se passa no campo das contribuições e impostos, e que não poucas vezes tem contribuído para criar insegurança e dúvidas que em nada favorecem o clima de confiança que tanto tem custado a restabelecer. Assim, o dizer-se que a contribuição rústica é a mais baixa estabelece a confusão, porque, se é uma verdade que a taxa que determina a verba principal é a menor, esta, com a adição dos adicionais obrigatórios e mais as quotas pagas às Casas do Povo, origina já um encargo total obrigatório que ultrapassa de largo os encargos totais que pesam sobre a parte urbano.
De facto, considerando que a quota a pagar à Casa do Povo se pode calcular em média como sendo de 5 por cento do rendimento colectável, teremos, no fundo, as seguintes taxas anuais, excluindo as «derramas» variáveis de concelho para concelho, mas que não poupam a parte rústica:
Parte urbana- 14,52 por cento;
Parte rustica - 18,90 por cento;
o que bem prova o que ficou dito.
Há ainda um facto que francamente não percebemos. A quota obrigatória a pagar à Casa do Povo não é descontada no imposto complementar, quando as quotizações, facultativas para instituições de previdência, ou os donativos, igualmente facultativos, a favor de pessoas colectivas de utilidade publica administrativa, museus, bibliotecas, escolas, institutos e associações de ensino ou de educação, de cultura científica, literária ou artística e de caridade, assistência ou beneficência, são todas elas deduzíveis do imposto, embora até determinados limites. Não podemos deixar de apoiar as disposições legais atrás citadas - alíneas a) e c) do artigo 30.º do Código do Imposto Complementar -, mas não podemos compreender como se encontra excluída uma quota cujo fim é a previdência e beneficência, e para mais obrigatória.
Julgamos até que seria muito útil, para evitar esta e outras confusões, que todas as contribuições e quotizações obrigatórias fossem englobadas num conhecimento único.
Outro aspecto que levanta reparo, pois mostra um verdadeiro antagonismo na acção, é o de se aumentar a cobrança sobre uma actividade que se reconhece estar em crise, não podendo deixar de se atrasar assim o seu desenvolvimento, que, aliás, o mesmo Governo, por outro lado, procura incentivar de todos os modos, mesmo através de subsídios, que muitas vezes são aplicados, em grande parte, a pagar novos impostos. Para mais, nem os critérios usados para a determinação destes aumentos parecem assentar em base segura de uma boa justiça fiscal.
Sabendo nós que há no País concelhos já sujeitos a regime cadastral e outros que não estão e que se procurou através de uma actualização das matrizes não cadastrais compensar as diferenças de rendimento colectável, vejamos um exemplo, donde se poderá facilmente concluir que não se obteve a justiça procurada.
Consideremos o concelho de Torres Vedras. Aplicando a doutrina do Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de Julho de 1963, o seu rendimento colectável sofreria um aumento de 220 por cento, mas como, entretanto, foi sujeito ao regime cadastral, sofreu um aumento de 600 por cento.
Não faço comentários quanto aos aumentos em face da crise reconhecida, mas não posso deixar de lembrar que, com maior ou menor amplitude, a injustiça patente no exemplo anterior se verifica em todos os concelhos cadastrados, e isto não pode deixar de ser um factor negativo.
Outro caso frisante é o que se passa quanto aos montados de azinho. Para vermos a razão dos clamores que de há tempo levanta este problema basta citar que o cadastro continua, imperturbavelmente, subindo o rendimento líquido do azinhal, apesar de as lenhas terem, praticamente, deixado de ter valor, de a produção da bolota ser cada vez menor por acção dos parasitas (Burgo) e, de se engordarem cada vez menos porcos por causa da peste suína africana (cerca de 120 000, em média anual, de 1954 a 1962 e cerca de 22 000, anualmente, de 1963 para cá).
E consegue isto, apesar de valorizar a carne de porco por um preço notavelmente baixo, 12$ por quilograma, quando o Ministério da Economia, com o evidente propósito de desfomentar a exploração do porco ibérico, fixou o preço de 15$ por quilograma. Estes 15$ são, portanto, na melhor das hipóteses, o preço de custo, mas o cadastro cifra-o em 3$96 por quilograma, pelo menos é o que resulta da análise dos números globais dos primeiros dez concelhos em regime de cadastro a preços actuais. De facto, o rendimento bruto da carne produzida pelo azinhal dos dez concelhos, segundo o cadastro, é de 24 260 contos e o rendimento líquido que as mesmas contas apresentam é de 16 259 contos, pelo que os custos são apenas 33 por cento do rendimento bruto, e como este é de 12$ por quilograma, aqueles são necessariamente os 3$96 por quilograma.
Como já se depreende facilmente, têm mais que razão os clamores crescentes da lavoura, tanto mais que aos factos apontados acresce ainda o de no solo subjacente, também tributado, não ser igualmente possível realizar os rendimentos calculados, porque na maioria dós casos não é económica a sua cultura, a ponto de o próprio Governo aconselhar que esses terrenos sejam apenas utilizados na produção de forragens.
Sendo o problema do azinhal igual em Portugal e Espanha, o facto de neste país, logo que eclodiu a peste suína africana, se terem isentado os montados das regiões onde eclodiu o surto epidémico de qualquer colecta, naturalmente porque se reconheceu que deixou de existir rendimento, vem confirmar ainda mais a razão das queixas apresentadas. Entre nós, julgo que seria da máxima conveniência seguir caminho idêntico ao do país vizinho, ou, pelo menos, rever o problema com base nas realidades actuais, para, em mais um ponto, se mostrar coerência de acção na resolução da crise agrícola, tanto mais que esta quebra de rendimento se vem processando desde 1962-1963.
Feitas estas considerações que me surgiram como resultado da apreciação das contas públicas, termino, Sr. Presidente, dando a minha aprovação na generalidade às contas que nos são presentes e manifestando