3506 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 192
manisfestar por mais de uma vez nesta Câmara, um acto de justiça e uma necessidade que, por evidentes, penso que dispensam justificação que tomariam tempo a VV. Ex.ªs e não seriam mais do que repetição do que já aqui tenho afirmado.
No entanto, ao percorrer o articulado da proposta de lei, algumas disposições que julgo contraditórias e certas imprecisões que poderão sobrecarregar desnecessariamente a lavoura ou ocasionar-lhe situações de dupla tributação causaram-me discordâncias e preocupações que entendi dever dar a conhecer à Câmara.
A lei agora proposta, pela sua importância e pelas implicações que lerá na economia agrícola e nas finanças do País, merecia ser estudada com uma atenção e cuidado que não pode permitir o pouco e sobrecarregado tempo de trabalho que resta a esta Assembleia para o fazer.
Não deixo de lhe reconhecer, por isso, menos oportunidade, mas a lavoura e todo o meio rural encontram-se de tal modo enfraquecidos de disponibilidades financeiras e humanas que toda a cautela é pouca para que, ao pôr em prática uma medida que, em parte, poderia contribuir para suster o ê todo do trabalhador para outras actividades, não vão criar-se à exploração agrícola dificuldades que acelerem ainda mais a fuga da terra, do capital e empresários, sem os quais ela não é possível.
A lavoura tem suportado, é certo, agravamentos de salários que, nos últimos cinco anos, não devem andar longe cios 100 por cento, o que levaria a supor que o acréscimo de despesa resultante da previdência estaria dentro das suas possibilidades por não representar mais do que o aumento de salários verificado num só ano e porque a segurança social com elas conseguida para o trabalhador rural poderia é, em certa medida, suster essa vertiginosa tendência ascensional.
Mas se olharmos mais de perto o problema, fácil nos será concluir que, é um facto que a lavoura tem pago esses agravamentos, a verdade é que não o tem feito com o seu rendimento e apenas se tem aguentado com lucros de outras actividades ou à custa do próprio capital, que vai comprometendo ou alienando.
Não quero, com isto, significar que a extensão da previdência não se deva fazer, ou se possa fazer sem encargos para a lavoura.
Ela deve fazer-se e tem de fazer-se, e não pode deixar de trazer encargos à lavoura, por muito que ela tenha o direito a espere r da solidariedade social dos outros sectores, que poderá aceitar sem desprimor, pois nessa matéria tem dado o exemplo, vendo desde sempre o seu equilíbrio financeiro sacrificado ao equilíbrio geral das actividades nacionais e ao desenvolvimento harmónico da evolução do custo de vida, como nos veio lembrar o preâmbulo da proposta do Governo.
A lavoura nunca foi dada a possibilidade de transferir para o considerar os acréscimos dos custos de produção dos seus produtos, na maioria tabelados a preços que não lhe permitem, quando permitem, mais do que uma magra margem do lucro, que à mais pequena contingência se transforma em prejuízo, ou abandonados à especulação de intermediários sem garantias mínimas de justa valorização.
Ao votar uma proposta de lei, cujos objectivos são justos e inadiáveis, á que atender à necessidade de não fazer suportar ao sector agrícola senão aquilo que ao sector agrícola corresponda e apenas na medida em que a solidariedade dos ou dos sectores não o puder aliviar, e para isso é necessário começar por não atribuir exclusivamente à lavoura responsabilidades sociais que cabem a todos e não deixar na proposta de Lei imprecisões de que possam resultar para as explorações agrícolas encargos sociais superiores aos que teriam como empresas industriais ou comerciais.
Que cada empresa agrícola suporte, em maior ou menor medida, os encargos sociais correspondentes aos seus trabalhadores, mas não os que digam respeito a trabalhadores que nada tenham que ver com a sua exploração.
Ora, ao examinar as atribuições das Casas do Povo especificadas na base IV e atendendo à evolução apontada para o programa de previdência rural em que terão papel cada vez menos directo na sua execução e à possibilidade, aqui ontem referida, pelo ilustre Deputado Veiga de Macedo, de a representação profissional do trabalhador agrícola ser realizada através de sindicatos, fácil nos é concluir que dessas atribuições, a primordial, aquela que será para ficar e justificar a criação e persistências das Casas do Povo, é a cooperação social.
E, se nessas suas atribuições de cooperação social compete à Casa do Povo interpretar e equacionar as necessidades e aspirações comuns, promovendo a sua satisfação ou nela colaborando, esta sua acção, com vista ao desenvolvimento das comunidades locais, e as suas actividades de promoção social e cultural interessam a todos os elementos dessas comunidades, pois, directa ou indirectamente, todos delas beneficiarão, e não só os produtores agrícolas e trabalhadores subordinados da lavoura.
Não entendo, por isso, justo que delas sejam responsabilizados apenas estes últimos e todos os outros sejam dispensados de nelas participar como sócios da Casa do Povo.
Não concordo, portanto, com o disposto na base IX da proposta do Governo, ao estabelecer as categorias de sócios das Casas do Povo, pensando que deveria desaparecer as categorias de sócios protectores e serem contados como sócios contribuintes e efectivos todos os contribuintes do Estado e trabalhadores residentes na área da Casa do Povo.
E só assim, me parece, poderá, com autenticidade, manter-lhe a designação de Casa do Povo, desde que integre todo o povo numa missão que a todo o povo interessa.
Além do que a qualificação de trabalhador das actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias não está devidamente especificada na proposta de lei, como devia estar, e será difícil fazê-lo, uma vez que o trabalhador rural não contratado com carácter permanente naquelas actividades se emprega acidentalmente tanto nelas como noutras actividades estranhas à agricultura.
Seguindo a mesma ordem de ideias, as quotizações para a Casa do Povo deveriam ser consignadas apenas aos fins de cooperação social e constituiriam a verdadeira quota da Casa do Povo, estabelecendo uma mais justa distribuição de encargos, de acordo com o dever que a todos cabe de participar nesse objectivo, e resultariam bastante mais suaves por ser dividida por todos e limitada a esse fim que não englobaria grandes despesas.
E para fixação dessa quota parece-me ser de evitar o recurso a acordos, que podem sempre gerar desacordos, e esta ser estabelecida em regulamento e atendendo às possibilidades crescentes dos sócios efectivos e às dificuldades também crescentes dos sócios contribuintes.
As quotizações dos sócios contribuintes correspondem hoje, em média, a 5 por cento do rendimento colectável, o que reprensenta metade da contribuição predial rústica, ao passo que as dos sócios efectivos se situam em menos de 0,5 por cento do seu salário médio.
A desproporção é evidente, e os sentidos contrários da evolução das receitas destas duas categorias de sócios permitiriam considerar, com justiça, a aplicação de um mesmo factor sobre os rendimentos mensais respectivos