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26 DE NOVEMBRO DE 1970 1003

com a necessidade e o dever que ele envolve de contactar o mais possível bodos as realidades da vida nacional.

Viagem que nem era favor do Governo nem passeio para os Deputados; o desastre a todos colheu no desempenho ida sua missão.

Se hoje aqui estivessem, seríamos os primeiros a beneficiar dos resultados dessa viagem de informação, enriquecendo-nos com o compartilhar dos suas experiências, com o testemunho do que tiveram ocasião de ver nessas berras que não mais os deixaram viver.

Já que não podemos usufruir da riqueza da sua companhia, saibamos pelo menos aproveitar a lição das suas vidas, especialmente na dimensão política que é a desta Casa.

Todos a seu modo foram exemplares, certo como é que da actuação de cada um podemos colher lições para nós próprios; natural é que "s saliente quem pela sua proximidade humana e ideológica melhor pode testemunhar do que foi a existência política de cada um.

Do José Pedro Pinto Leite aproximava-me uma amizade antiga, uma idade recente e sobretudo uma esperança de evolução que nos levou, juntamente com vários outros, a acreditar que ao serviço dessa esperança devíamos pôr generosamente os nossos esforços, por muito que estivessem já absorvidos.

Distanciava-se ele pelo nível das qualidades humanas e políticas de que deu amplo testemunho na sessão passada, com largo e justificado relevo para a sua figura simpática e combativa, animada de uma veia política rara de encontrar, que o levava a não desesperar do combate; por tudo isso, ele tinha à sua frente largos anos de actividade, tia vasta obra das reformas a empreender.

Muito se falou da novidade desta Assembleia, na realidade profundamente renovada na sua composição.

Mais do que mudança das pessoas, era em especial n introdução de representantes de correntes de pensamento diferente que se louvava ou combatia, era desse pluralismo político que muito se esperava ou tudo se receava.

E, no entanto, nem a ideia nem a experiência eram novas, pois de longe vinha a defesa, pelo menos teórica, da presença nesta Sala, para aumento da Uberdade da Assembleia, "de pessoas independentes e desligadas de disciplinas partidárias, com os olhos postos apenas na sua competência, independência de critério e idoneidade moral, bom senso e espírito patriótico", como referia em 1953 o Doutor Salazar, que catorze anos frisara já que "o Regime só tem vantagem em funcionar de modo que homens, mesmo em discordância com. os fundamentos do sistema ou inibidos por qualquer circunstância de confessar o seu acordo, tenham também possibilidade de servir a Nação".

Não interessa agora analisar as razões que levaram a que fosse tão escassa e infrutífera a realização prática destas intenções de pluralismo político, para cuja realização se contava .com a acção da União Nacional.

Por certo que convidantes e convidados tinham ideias não coincidentes sobre o modo e o fim da sua actividade política; nada mais natural, portanto, que no jogo indulgente das boas vontades permanecesse a opinião dos anfitriões.

O curioso é que, quando finalmente se chega a uma situação diferente por alteração de todo um condicionalismo longamente sedimentado, essa mesma alteração vem tornar ambígua a situação decorrente da composição pluralista desta Câmara.

Entendamo-nos claramente quanto aos termos: a independência salientada é sempre referida a opções políticas, e jamais ao foro íntimo e à dignidade de cada um.

Nestes planos todos somos independentes, todos temos de sê-lo, pois não podemos nortear-nos senão pala nossa consciência, sob pena de trairmos o mandato que recebemos e a nossa própria dimensão de homens.

Mas já nem todos poderão estar politicamente vinculados a um regime ou à acção de um governo; e, como se viu, no plano das intenções antigas, não só se admitia a discordância em relação a este, como se não via impedimento político na própria discordância dos fundamentos mesmos do sistema.

Ora, quando desses velhos intuitos se consegue uma realização significativa, consubstanciada na composição desta Câmara, torna-se extremamente difícil assinalar as diversas correntes.

Normalmente, a mudança de um chefe do Governo no quadro do mesmo esquema político não põe imediatamente problemas de regime nem leva logo a reclassificações das forças aparentes.

Já assim não sucede quando o regime é muito mais um homem do que as instituições dadas à Nação, as quais se acham elas mesmas imbuídas e animadas de um pensamento e de um estilo que sobrelevam a lei que as fundamenta.

Os próprios textos e as instituições vão sendo ao longo dos decénios a interpretação que deles é dada, de tal sorte que só quando se retira o pensamento que os anima nos damos conta do vazio criado e da escolha que nos é imposta - a de substituir um por outro pensamento análogo que continue a ser o esteio de toda uma política, carecida de autonomia institucional; ou a de dar vida própria aos textos e às instituições para além do seu suporte humano.

Antes mesmo de optar, temos, no entanto, a noção de que cabem na interpretação dos mesmos textos e no quadro das mesmas instituições soluções diversas daquelas que durante tempos lhe foram dadas.

Aí está, portanto, uma situação ambígua, em que todas tis esperanças são consentidas para uns, todos os receios se mostram fundados para outros. Ambiguidade que permanecerá enquanto uma política não aparecer nítida, mais na precisão dos actos do que nas definições verbais.

Ora o regime político emergente da revolução de 1926 foi não só uma ordem constitucional completada por leis ordinárias, mas uma política, como assinalava em 18 de Fevereiro de 1965 o Chefe do Governo, que durante quase quarenta anos a encarnou.

Se recordo este contexto é porque isso me parece indispensável para apreciar e actuação do Deputado Pinto Leite, as resistências que encontrou, os entusiasmos que suscitou, os resultados que conseguiu.

A política que ele notavelmente defendeu, no seguimento da sua campanha eleitoral, foi uma política de verdade, uma política de progresso, uma política de concreto.

Foi-o na definição inicial da sua própria posição - "não me trazem aqui intenções de celebrar um passado recente ao qual em muitos pontos não adiro" - inteiramente coerente com os orientações que anteriormente expressara, assumindo A responsabilidade de publicamente manifestar as suas divergências.

Do princípio ao fim da sessão, verdade crua e corajosa na dificuldade dos problemas que analisou, na dureza sem contemplações da denúncia de situações, no enfrente polémico das reacções que suscitou.

Logo o demonstrou na sua primeira intervenção acerca da guerra do ultramar: "a guerra em si mesmo, qualquer guerra, a guerra em que Portugal está envolvido, não podia ser justificada, não carece de ser desculpada com argumentos de carácter económico [...] A minha homenagem e o meu apoio aos que se babem. O meu desacordo àqueles que fazem a defesa económica da guerra"