DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 48 1004
Ousado realismo político no desbravar dos caminhos da Europa, que agora se começam a trilhar afoitamente, mas que na altura eram havidos por muitos como vias de deserção.
Antes mesmo da polémica aqui suscitada, tão ao gosto do seu feitio combativo, a opção europeia é apresentada em termos contundentes, que não suscitam então reacções e que há que citar para que melhor se apreenda como o que Finto Leite aqui disse em Janeiro corresponde à posição que havia de merecer consagração governamental: "Como já o tenho dito, penso que, a médio ou a longo prazo, a integridade da Nação Portuguesa como comunidade multirracial e pluricontineal só poderá ser mantida com base na independência política do território e esta só será viável desde que prossigamos uma hábil e oportuna política europeia, que nos assegure a indispensável participação no progresso económico, tecnológico e social das nações mais avançadas do Globo. Trata-se, portanto, de enunciar inversamente a tese que faz depender a independência política do próprio território metropolitano da manutenção du integridade de todas as parcelas do território nacional."
Estas opções haveriam de aqui ser contestadas, aquela tese viria a ser defendida em debates vivos, nos quais as suas intervenções de resposta iriam rebater os argumentos dos seus opositores, sem falso respeito pelas pessoas e pelas situações.
E o debate sobre a política de integração europeia que dá lugar aos seus mais completos, estruturados e arrasantes discursos.
Olhado então com certa desconfiança, mercê da defesa dessa política, não obstante a simpatia humana que sempre suscitava, ele reentraria agora com a satisfação de ver essas mesmas posições consagradas.
"Há quem sustente que a defesa do ultramar é imprescindível, porque a sua perda significaria a perda da independência de Portugal. Não estou de acordo", haveria de afirmar o Presidente do Conselho, permitindo concluir quem estava contra quem, quanto à Europa e quanto ao ultramar.
E seria com justíssimo regozijo que o ouviríamos aqui celebrar a abertura das negociações que nos preparam o caminho do Mercado Comum, ontem encetadas em Bruxelas.
Só a já assinalada ambiguidade do nosso contexto político explica que, durante a primeira, sessão, alguns entronizassem os reais opositores e houvessem encorado como dissidentes aqueles que afinal defendiam es posições que o Governo ia adoptando.
Quanto a este, dois traços caracterizam a actuação de Pinto Leite - apoio e antecipação. Apoio franco e confiante, especialmente ao Sr. Presidente do Conselho, sem excluir independência crítica relativamente aos actas e às instituições.
Antecipação nas soluções defendidas e mas vazões invocados, os factos demonstrando, como se viu, quem estava afinal na linha do Chefe do Governo.
Pedindo do progresso económico, social e político, Pinto Leite era o mais alto defensor parlamentar de uma política de centro reformista, esperança daqueles que entendem que a anarquia que tememos e a ditadura que não queremos só se conjuram com a existência de leis justas, claras e precisas, que, devidamente aplicadas pelos tribunais comuns, garantam o, dignidade da pessoa humana e o exercício efectivo das liberdades fundamentais.
Ele soube expressar a nossa indignação contra os actos de terrorismo, manifestando-se imediatamente contra os extremistas da esquerda e da direita a propósito da execução do embaixador Von Spreti.
E daqui apelou para o Sr. Presidente do Conselho, no sentido de enviar rapidamente às câmaras- ias leis tendentes à liberalização do condicionamento político em que temos vivido, condicionamento que ele próprio havia da experimentar com justa indignação quando, meses depois, prestou o seu depoimento a um semanário sobre os trabalhos da primeira sessão; infelizmente ficamos privados de tomar integral conhecimento das suas palavras, as últimas, suponho, que publicou.
Progresso político, ainda, o defendido na última intervenção que aqui lhe escutámos e que haveria de dar seus frutos em prometidas iniciativas legislativas: "Não posso deixar de afirmar que fazem ainda porte do nosso sistema político algumas disposições restritivas da liberdade, dos indivíduos, que serão possivelmente anticonstitucionais, que ferem a minha sensibilidade moral, e que tenciono apresentar na próxima sessão legislativa, coso o Governo nada tenha previsto nesse sentido, uma proposto de alteração a essas mesmas disposições."
Os seus amigos sabiam que a sua actividade política não era mais do que o prolongamento natural da sua forte e inteligente personalidade, do seu carácter generoso e honesto, corajoso e combativo, intransigente apenas com o imobilismo, a subserviência e o domínio de qualquer espécie, onde quer que se acoitassem.
Mas a Nação tem o direito de julgar os seus representantes em função da sua actuação política; por isso me parece essencial salientar os traços fundamentais daquela que José Pedro Pinto Leite desenvolveu generosamente e para a qual se preparara na seriedade do estudo e da reflexão; ela atesta melhor a dimensão da sua personalidade do que as palavras sinceras e sentidas que brotam de um conhecimento privado.
Dentro e fora desta Casa, o Deputado Pinto Leite desenvolveu uma actividade política constante, procurando a resolução dos problemas tanto na actuação discreta e ignorada junto dos responsáveis, tantas vezes frutuosa, como na intervenção contundente e na denúncia pública.
Sempre sem pensar em si, em projecção ou relevo pessoais, preocupado apenas com a obtenção do resultado útil e concreto em proveito do bem comum, em benefício das pessoas atingidas, como é característico da política autêntica, que se não compadece com o egocentrismo e a mesquinhez dos politiqueiros.
Por isso acorria com o mesmo entusiasmo à defesa dos grandes temas nacionais como à dos casos restritos a uma profissão ou instituição: beneficiários de pensões, professores do ciclo preparatório e do Conservatório Nacional, Escola Superior de Belas-Artes, foram temas que aqui trouxe dos muitos que suscitaram o seu interesse, que beneficiaram da sua actuação permanente como Deputado.
Tragicamente inexactas foram apenas as derradeiras palavras da sua primeira intervenção: "durante quatro anos terão de me aturar."
Mas nos quatro meses de uma sessão legou-nos de modo insuperável o exemplo alto do que é um Deputado, um político autêntico.
Prestigiou esta Câmara, a Nação e o próprio Governo.
Exemplo que nos responsabiliza gravemente e que nos move a sair do acabrunhamento da sua perda irreparável para o esforço da actividade política intensa a que nos chama o seu lugar vago e que a Nação tem o direito de nos exigir.
Não que alguém queira ou possa imitá-lo, mas que cada um a seu modo preste, mercê de um trabalho mais árduo, mais corajoso, mais aguerrido, o tributo que merece a sua memória e a de todos os que pereceram no