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26 DE NOVEMBRO DE 1970 1007

Ontem, aqui, no convívio fraterno de homens que se respeitam e estornam na eventual diversidade dos formas de pensar e de agir. Ontem, aqui - hoje, na melancolia dos seus lugares vazios, sentimos a sua presença invisível roçar-nos os pensamentos, inundar-nos os espíritos, caminhar connosco nos indispensáveis propósitos de um quotidiano parlamentar responsável, intenso e construtivo.

Perdemo-los?

Ficamos mais, pobres? A morte só empobrece quando os, vivos não merecem os mortos; e só desanima os que não liem coragem de realizar, mais sós, a sua missão. No recolhimento das nossas consciências, os parlamentares definitivamente ausentes do nosso convívio terreno continuam a participar dos nossos trabalhos, pelas nossas inquietações, anseios e esperanças, pela firme vontade que pusermos na efectivação válida Ido mandato que a Nação nos confiou " que eles tanto souberam honrar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Cotta Dias: - Sr. Presidente: Morreram no Guiné e em teatro de guerra, quando no exercício das suas funções parlamentares procuravam informar-se adequadamente sobre os problemas essenciais da província, quatro Deputados & Assembleia Nacional.

Tal é, nua e cruamente, o facto que se apresenta à meditação de todos nós, que há pouco mais de um ano com eles iniciámos uma cruzada em representação e em prol do País que sem eles teremos de continuar.

Meditar nada mais é - para ser alguma coisa de válido - do que o esforço para extrair da vida já vivida lições úteis à construção do futuro, sem que seja tal esforço redutível a mero exercício mental, rígido e frio como equação matemática.

O homem só compreende o que sente: ou o sentimento se encontra, palpitantemente, na raiz e no cerne de todo o raciocínio, ou o homem não irá além da superfície dos acontecimentos, sem jamais os entender na sua íntima essência.

A morte inesperada de quatro colegas nossos temos de a sentir primeiro com todas as fibras do nosso ser para podermos depois meditar sobre ela em termos de, pelo menos, essa morte não haver sido inútil.

Será este o único meio de prestarmos a Leonardo Coimbra, José Abreu, José Pedro Pinto Leite e Pinto Bull a nossa última e mais significativa homenagem: a de, meditando sobre a tragédia que os roubou do nosso convívio, adquiramos uma consciência mãos nítida e mais vigorosa dos deveres que sobre nós impendem e em nome dos quais, porque emanados dos interesses superiores da Pátria, eles se sacrificaram.

A Assembleia Nacional mão se limitara à exteriorização de um luto pesado, como sempre é o da Pátria, por aqueles filhos que no seu altar são imolados.

A morte, com a força do definitivo, sempre impôs aos vivos a reflexão sobre o significado profundo d"s coisas. Se por tal motivo nunca nenhuma morte foi em vão, esse sentimento deve, quando é a Pátria que enlutece, ser ansiosamente buscado, sondando os altos desígnios de Deus, como única origem possível de reconforto perante o insólito de todas as mortes, perante o que na interpretação temporal e limitada não causaria mais do que a expressão profunda do injustamente gratuito.

Meditemos como o morte nos impõe.

Morreram quatro homens.

Morreram ao serviço da Pátria.

Morreram sobrepondo aos seus egoísticos interesses pessoais, desde a comodidade a segurança, os interesses da Nação.

Morreram ensinando-nos a dimensão quase sobre-humana do civismo actuante, da entrega ao bem comum pela força irresistível de uma escala de valores em que o social prevalece, de forma categórica, sobre o individual.

Surge, em plena luz, o significado profundo do mandato que cada um de nós recebeu do País - mandato de inteira dedicação à coisa pública, mandato de trabalho isento de esforço desapaixonado, mandato de doação integral que pode ir, como foi o caso, até ao sacrifício da própria pessoa se os interesses da Nação o exigirem.

Na raiz do mandato parlamentar está o dever de documentação e conhecimento sobre os grandes problemas nacionais. No remanso dos gabinetes em meditação e estudo ou ao calor da vida no afrontar directo de todas as suas asperezas, há que cumprir dever tal para um desempenho honesto da missão que aceitámos.

Nessa qualidade que tinham de comum, nesse seu amor à objectividade, nesse quererem informar-se bem para bem decidir, nesse seu realismo estreme de homens de acção, vai muito da característica essencial do verdadeiro Deputado.

E a consciência das responsabilidades do mandato que aceitaram; é a consciência das responsabilidades do órgão de soberania que representam perante a Nação que os leva à Guiné ao encontro da morte.

E é essa a primeira lição que a sua morte nos dá. A missão parlamentar sai dela elevada e enobrecida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Morreram quatro homens cujos ideais, obviamente, não coincidiam em todos os pontos. Conhecemo-los nós com maneiras de ser diversas, formações intelectuais distintas, modos diferentes de ver e atacar determinados problemas e, se me é permitido exprimir-me assim, "programas de vida diferenciados". Numa coisa, porém, e essa fundamental, eram idênticos: no escrúpulo de objectivamente se informarem sobre as realidades nacionais, a fim de, na escolha das soluções a adoptar, se pautarem sempre, à margem do academismo de ideologias pré-fabricadas, pêlos imperativos decorrentes dos verdadeiros interesses do País.

Estamos aqui, não em nome de ideias feitas ou de receituários políticos padronizados neste ou naquele quadrante, mas em nome dos superiores interesses nacionais. Estamos aqui, não para exercícios escolares de dialéctica política, não para nos confrontarmos na defesa personalística de doutrinas ou de preconceitos mais ou menos enraizados em nós - mas para estudar escrupulosamente, com o espírito aberto e a consciência límpida, as realidades nacionais e para, determinados apenas por elas, encontrarmos as soluções que melhor sirvam os interesses fundamentais da comunidade portuguesa, projectados no tempo e considerados na ampla perspectiva espacial em que se situam.

Daí que, na morte dos nossos quatro colegas, nos interesse, não aquilo que entre si os distinguia, mas aquilo que magnificamente os identificava.

Os homens cuja morte lamentamos chegaram à Assembleia Nacional em diferentes momentos políticos e a partir de posições de que se não tornaria difícil focar a diversidade. Isso, que seria fácil, não estaria, porém, na linha mais pura da homenagem que queremos prestar-lhes.

A morte de todos juntos, juntos no mesmo espírito de missão, juntos na mesma ânsia de bem servir, comporte mais uma mensagem dolorosamente forte sobre o alto valor dos ideais que unem e a insignificância mesquinha das querelas que dividem.