1214 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58
das Corporações adverti, embora noutra qualidade, não dever pensar-se que tudo iria correr bem, pois as construções políticas e sociais são obra de homem, não podendo, por isso, exigir-se que uns sejam infalíveis na concepção e ma previsão e outros perfeitos na aceitação e na execução dos princípios.
Não há dúvida: um sistema político e social como o nosso, muito embora alicerçado nas realidades da vida, não se ergue de uma só vez como um bloco, antes se vai desenvolvendo e aperfeiçoando com o rodar dos anos e o esforço dos homens.
E neste espírito que aqui deixo esta singela reflexão.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era minha intenção não tomar parte no debate do projecto de lei sobre a designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Todavia, os termos em que o seu ilustre autor, Sr. Deputado Camilo de Mendonça, se exprimiu na apresentação e defesa de tal projecto obriga-me, por dever de consciência, a intervir, tentando trazer algumas achegas ao esclarecimento do assunto.
Propriamente quanto ao conteúdo do projecto de diploma não posso concordar com a finalidade que se pretende obter com o mesmo, ao atribuir sómente às corporações a designação dos vogais que fazem parte da representação das actividades nos organismos indicados, pelos inconvenientes que o douto parecer da Câmara Corporativa apresenta numa larga e completa explanação.
Não se trata efectivamente de dar realização a um princípio fundamental da organização corporativa - que era o de assegurar nos organismos de coordenação económica uma representação mais autêntica através de representantes eleitos com mandato das entidades eleitorais para actuarem em representação dos interesses económicos -, mas sim de olhar, à realidade do nosso corporativismo actual e verificar se, com essa aliteração, não iríamos diminuir uma representação que se pretende mais perfeita.
Parece que a demonstração se encontra plenamente fundamentada no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa.
Com efeito, coordenando os citados organismos actividades distribuídas por diversas corporações e englobando cada uma das suas secções mais actividades do que as correspondentes a cada organismo de coordenação económica, não será curial fazer designar pelas corporações os membros dos órgãos representativos desses organismos.
De facto, como se afirma no citado parecer, só uma reestruturação das corporações e uma reestruturação dos organismos de coordenação económica permitiria criar condições aceitáveis para essa designação.
Acresce ainda - e continuo acompanhando o referido parecer - que a estruturação dos organismos de coordenação económica assentou na concepção de que as entidades eram representadas totalmente pelos grémios. Deste modo, enquanto aqueles organismos não forem estruturados com base numa concepção diferente, estão os grémios em melhores con lições de poderem designar representantes nos organismos de coordenação económica.
Julgo, pois, que as razões apresentadas constituem motivo fundamental e suficiente para não poder aceitar o conteúdo do projecto de lei em discussão.
E ficava-me por aqui, depois de ler atentamente e reflectir ponderadamente sobre o douto parecer da Câmara Corporativa.
Porém, quando pensava que o Sr. Deputado Camilo de Mendonça ia pura e simplesmente fazer a defesa do seu projecto, sou surpreendido pelo ataque cerrado que S. Ex.ª faz aos organismos de coordenação económica, advogando a sua extinção e, que me perdoe o ilustre Deputado, em termos que não posso deixar de considerar demagógicos, assacando para eles a responsabilidade de todos os males deste mundo.
De facto, dizer-se que eles só se «mantêm por maldade e desacreditados, ora por inoperância, ora pela contradança de dirigentes, ora por longa e inexplicável crise de dirigência» - e neste ponto seria conveniente que S. Ex.ª nos explicasse melhor o seu pensamento concretizando as situações a que se quer referir -, não me parece que seja uma maneira construtiva de pôr os problemas perante esta Assembleia.
Mas entrando em aspectos concretos examinarei, embora ligeiramente, qual a justificação para a extinção de tais organismos, transitando algumas das suas funções para a organização corporativa e outras para o Estado.
Para já, e actualmente, pode afirmar-se que os organismos de coordenação económica são organismos do Estado, dependendo directamente, nas suas mais elementares funções, da Administração Central, e os serviços executam a política económica preconizada pelo respectivo Ministro.
Independentemente da necessidade de modificar neles o que necessita de ser modificado, convém analisar, antes de mais, os princípios a que se subordina a sua acção.
Na sua concepção original, os organismos de coordenação económica constituem os órgãos de que o Governo dispõe para estudo das acções de coordenação e empreender nos grandes sectores económicos e a via por que canaliza a acção a desenvolver.
A prova de que uma organização deste tipo é absolutamente indispensável é dada quando, ao pretender-se a sua extinção, se entende que as funções que lhe estão confiadas devem permanecer, mas desmembradas, passando umas a caber ao Estado, outras à organização corporativa.
Ora, sendo assim, parece não estarem em causa os princípios, mas sim as vias, pela qual se tem procurado torná-los operantes.
Duvida-se, porém, que aquele desdobramento resulte eficaz. Receia-se, por um lado, que a sua transformação em departamentos do Estado lhes cerceie muita da autonomia de que gozam ainda, se bem que muito inferior à que conheceram a seguir à sua criação, por se lhes ter sido progressivamente aplicado o espartilho das regras rígidas da Administração Central.
Por outro lado, a entrega de funções que lhe são específicas aos organismos corporativos levanta um problema grave: se não existe uma corporação do consumidor, quem exercerá o papel de árbitro dos interesses em jogo quando a agricultura, o comércio ou a indústria quiserem impor à colectividade os «seus» níveis de preços?
Pretender que a organização corporativa é capaz de autoconduzir a economia no sentido mais favorável ao progresso do País é dar provas de um optimismo que os factos de forma alguma justificam.
Considerar a sua criação resultado da situação criada por circunstâncias emergentes da guerra mundial é falsear profundamente a verdade, pois que quase todos eles foram criados muito árabes. Prestaram sim, durante a guerra, serviços inestimáveis ao País nas horas difíceis para o abastecimento das populações, serviços esses, aos quais se dedicaram muitos e bons dirigentes e funcionários, que