O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1290 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63

Verão alargado, cie entre os matos ressequidos para lamber a copa dos arvorados e combustar os troncos preciosos que haveriam de transformar-se em madeira, em aglomerados de partículas, em paste de papel.
O grito ecoou de quebrada em quebrada, dos cimos dos montes às baixas perdidas nos talvegues dos rios, anunciando: fogo. Foi um mar de fogo a impressionar as gentes e a assustar a caça bravia, a iluminar as trevas, da noite fazendo dia; ou, com seu fumo enegrecido, toldando os ares serenos desde as madrugadas, a forma que o fogo encontrou de ofuscar o Sol, fazendo noite.
O problema dos incêndios florestais tem adquirido crescente importância no nosso país -apesar da reduzida área ainda dada à floresta em Portugal -, assumido progressiva gravidade, originado avultados danos e chegado, inclusive, a tirar preciosas vidas de militares e civis que se dão à luta contra as chamas em defesa de populações, de haveres domésticos, de patrimónios silvícolas, de paisagens naturais.
O incêndio da serra da Sintra e todos os demais que coda ano surgem por esse Portugal além (*) devem estar presentes no pensamento de todos nós. Assim o exigem o respeito pela memória das vidas perdidas, a consideração dos inestimáveis bens de ordem material e imaterial desaparecidos ou adulterados.
«Chamava-se a Encosta dos Capuchos. Hoje, quatro anos decorridos sobre o pavoroso incêndio da serra de Sintra, chamam-lhe Encosta da Queimada. Foi ali, num cabeço batido pelo vento, enquadrado de neblinas, que ontem -escrevia o jornalista- foi prestada mais uma homenagem aos soldados e bombeiros que, em 1966, pereceram no combate às chamas», na serra de Sintra.
Que o seu sacrifício não seja em vão. Não podemos dar-nos ao luxo de continuar a assistir, pouco mais que passivamente, ao desencadear de tragédias, ao combustar de uma riqueza nacional: o seu património silvícola, tornado, inúmeras vezes, cinzas fumegantes em terras calcinadas ...
Há que transformar tal património, da forma mais completa possível, em apreciáveis fontes de riqueza e de trabalho nacionais, em preciosas divisas estrangeiras. Há que prevenir, há que detectar, há que agir eficazmente contra os fogos nas florestas.
Está em causa não apenas a protecção da Natureza, mas a riqueza nacional.
Assim havíamos escrito ... O tempo, com este Verão quente que passou, se encarregou de reforçar razões ao que havíamos redigido e agora, bastante alterado, se apresenta.
Necessariamente alterado porque, entretanto, tivemos o grato prazer de ver publicado o Decreto-Lei n.º 488/70, de 14 de Outubro, que pela primeira vez adopta legislativamente em Portugal «medidas de prevenção, detecção e extinção dos incêndios florestais».
Saudamos tal decreto com a alegria de constituir a primeira peça legal que contempla a incidência de incêndios florestais na sociedade rural e vida económico-agrária portuguesas. E alegra-nos tanto mais quanto corresponde, em sua essência, ao que de fundamental haveria a dizer nesta fase relativamente incipiente do processo de organização da «prevenção, detecção e combate aos incêndios» em nossas matas - pelo menos, à escala nacional. O tempo, a experiência que entretanto se for ganhando, haverá de enriquecer e corrigir o que agora, porventura, não foi contemplado ou imperfeito se venha a mostrar com o rodar dos anos.
Pela nossa porte, em ordem à consideração de alguns aspectos porventura menos considerados ou inclusive não abrangidos pela legislação ora publicada, não queremos deixar de anotar, adaptando algo do que então havíamos redigido.
São diversas as causas - quando conhecidas ... - de tais incêndios, e se noutros tempos terão sido determinantes os queimadas lançadas aos montes ou aos restolhos para o reverdecer dos pastos ou as faúlhas expedidas pelas chaminés das máquinas a vapor dos caminhos de ferro, parece poderem começar a assinalar-se, hoje em dia, pela sua importância e significado, as que resultam indirectamente de uma crescente movimentação de gentes no País.
Efectivamente, ao mesmo tempo que o repovoamento silvícola tem vindo a aumentar de modo apreciável a superfície consagrada ú floresta em Portugal, a elevação do nível de vida e o aumento do número e utilização dos meios de transporte nesta «civilização de tempos livres» têm determinado uma afluência crescente de visitantes e excursionistas aos maciços florestais no período primaveril-estival, em busca de ar puro e de ambiente repousado.
Essa mossa, em grande porte citadina ou urbana, que em certos casos perdeu o seu contacto normal com a natureza e embotou sensibilidade, desconhece por vezes os cuidados e as precauções que deve tomar para evitar o risco de incêndios, agravado para mais por dilatados períodos de seca e elevadas temperaturas estáveis tão próprias de climas com influência mediterrânica e continental.
Justificam-se assim todas as campanhas de prevenção que possam vir a ser desenvolvidas junto de automobilistas, turistas, campistas, caçadores, pescadores ou simples visitantes das matas no sentido de os acautelarem a não lançarem fósforos e cigarros acesos para as estradas e caminhos, não fazerem fogueiras ou lumes nas florestas (*), não deixarem papéis ou materiais facilmente comburentes ou embalagens de plástico e 'vidros que possam funcionar de lentes e dar assim origem a fogos florestais. O direito de todos a fruição da Natureza pode impor limitações às liberdades individuais.
Ao pessoal de conservação de estradas, particularmente aos cantoneiros, poderá e deverá exigir-se-lhes que mantenham as valetas, as bermas, os taludes das estradas limpos de ervas e matos no Verão, assim como aos proprietários confinantes das vias de comunicação se lhes poderá impor a obrigatoriedade da limpeza das estremas dos prédios confinantes.
Mas não são apenas aquelas evidentemente as causas dos incêndios florestais, muitas outras se poderão referir, desde «causas naturais»: faíscas, combustão espontânea de matos, ervas secas, lixos, estrumeiras, etc., a «fortuitas» ou «acidentais», como a queda de fios de transporte de energia eléctrica, a explosão intempestiva ou mal acautelada de tiros de pedreira na abertura de estradas ou desmonte de pedras, o rebentamento de granadas esquecidas em exercícios, que, pelas suas consequências, bem podem apelidar-se de «fogos reais», o alastramento da queima de restolhos, silvados, matos, moitas, etc.

(*) A lista dos acidentes pessoais por via das chamas nos florestas há que acrescentar, no ano findo, unais oito mortos, pelo menos, e numerosos feridos.

(*) E, na realidade, por que não interditar mesmo o uso de lumes ou fogos nas florestas, ou, inclusive, o próprio fumar, pelo menos nos locais e durante os períodos de maior risco de incêndio, como prevê a alínea c) do artigo 4.º do decreto-lei publicado?