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9 DE JANEIRO DE 1972 1299

A proposta de lei em debate não tem talvez sido atribuída a importância que merece. Para alguns, trato-se de problema meramente técnico, para outros, de questão insolúvel, para outros ainda, de tema que apenas interessa a uma minoria de trabalhadores e cidadãos.
Este alheamento, detectável dentro e fora- da Assembleia Nacional, deve-se, em grande parte, ao ostracismo a que, durante muitos anos, Portugal foi cinematogràficamente votado. O bom cinema internacional não podia ser exibido no País por ser considerado subversivo ou pornográfico. O cinema produzido em Portugal foi-se acomodando, com honrosas mas raras excepções, a uma confrangedora mediocridade, desculpada amiúde pelos impedimentos derivados da censura aos espectáculos. Os poucos filmes de qualidade, nacionais ou estrangeiros, que até nós chegavam recebiam, regra geral, mutilações que alteravam ou destruíam a sua mensagem social e o seu valor estético.
Entre 1964 e 1967, dos 1801 filmes que, na metrópole, os distribuidores aunaram apresentar à censura, 146 foram totalmente reprovados (e note-se, a título de curiosidade, que, destes, 29 puderam ser exibidos em Angola ou Moçambique) e 698 RO foram autorizados com cortes.
Compreende-se assim que os Portugueses se tenham afastado do cinema. Não foi apenas o advento da televisão que provocou, entre 1957 e 1968, uma baixa de l 250 000 no número anual de espectadores. Decorrido o período de novidade do animatógrafo, entrando-se numa progressiva interpenetração e internacionalização da vida oficial e privada, o público passou a exigir mais do cinema. Não lhe bastavam já o entretenimento, o passar hora e meia divertido. Quis obter .respostas às fluas dúvidas. Quis que o som e a imagem do grande écran lhe explicassem o mundo onde vive, lhe esclarecessem uma realidade nem sempre aceitável, por vezes contraditória.
E tanto assim é que, quando, depois de Setembro de 1968, se atravessou uma fase, que apenas durou cerca de um ano, de liberalização dos critérios de censura dos filmes, esse mesmo público que lê as publicações estrangeiras, que viaja, que emigra e que, portanto, sabe o que se passa lá fora em matéria de cinema- acorreu de novo às salas de espectáculos.
E neste contexto que a Assembleia Nacional debate a proposta de lei de protecção - e fomento, segundo o parecer da Câmara Corporativa - ao cinema nacional.
Há, antes de mais, duas observações prévias a fazer:
Em primeiro lugar, a proposta de lei não visa apenas proteger o cinema nacional. Em muitos dos seus preceitos - e sobretudo nos capítulos dedicados à distribuição e à exibição, trato-se de legislar sobre cinema em geral, e não apenas sobre cinema português.
Sendo assim, estranha-se que a proposta de lei não toque no problema - essencial, como já demonstrou - da censura aos filmes e que não sejam directas e inequívocas as referências aos cineclubes que, lutando muitas vezes contra a indiferença ou a hostilidade oficial, tanto têm feito pela expansão do cinema em Portugal.
Quanto à censura, parece querer manter-se a situação actual, mercê da qual o júri de recurso das decisões da Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos é constituído pelos mesmos elementos que proferiram a decisão condenatória de um filme inteiro ou que ordenaram os cortes parciais.
Quanto aos cineclubes, são, na verdade, difíceis de interpretar as referências que, sob o nome de «associações do cinema», lhes silo feitas no relatório da proposta de lei.
Em segundo lugar, a proposta governamental, embora não se duvide dos suas boas intenções, é bastante vaga quanto ao modo como tenciona concretizá-las e aos resultados finais que espera alcançar. Esta indeterminação não passou, aliás, despercebida a Câmara Corporativa:

Se é certo que, em diversos dos seus aspectos, a proposta em apreciação traduz com nitidez os orientações definidoras de uma nova política de cinema, pelo contrario, em muitos outros casos, apenas estabelece meras possibilidades ou instrumentos .para. a ulterior formulação e execução dessa política, sem que da própria proposta ou do seu relatório resulte suficientemente cloro o sentido em que o Governo se propõe utilizá-los.

Na verdade, se se admite que, por exemplo, se deve deixar para regulamentação posterior a administração corrente do Instituto Português de Cinema, já é muito menos aceitável que o adicional a cobrar com os preços dos bilhetes não seja definido com exactidão na própria proposta.
O problema não surge, no entanto, apenas nas subtis distinções entre o que é ou não regulamentado - e como o será e quando o será.
Quase nada se sabe sobre a opção delicada entre cinema de qualidade e cinema de quantidade; pouco RO conhece sobre os critérios que presidirão à concessão de assistência financeira; são imprecisos as preocupações quanto à formação que se afigura fundamental- de realizadores, actores e técnicos; ignora-se qual o tipo de acordos cinematográficos internacionais a assinar; não se fica esclarecido - sobretudo depois da surpreendente posição tomada pela Câmara Corporativa neste capítulo - acerca do estímulo que receberá o cinema amador português, o único que, internacionalmente, conquistou e consolidou um indiscutível prestígio; desconhecem-se os verdadeiros requisitos para que um indivíduo seja produtor de filmes; pouco se diz sobre os critérios a seguir no estabelecimento dos contingentes; etc.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, parecem acertadas as reivindicações da Câmara Corporativa de uma muito mais ampla representação dos interesses profissionais nos órgãos do Instituto Português de Cinema, de atribuição a este de personalidade jurídica e da sua não total submissão ao Governo.
Se se pretende que o Instituto seja a mola impulsionadora do cinema em Portugal, há que conceder-lhe verdadeira autonomia e confiar a sua orientação a pessoas, representando, equitativamente, o sector patronal e os trabalhadores, que conheçam os assuntos de que se ocupam e que com eles lidem dia a dia. Essa autonomia não existirá se o Instituto funcionar, como os organismos de coordenação económica, na estreita dependência da Secretaria de Estado da Informação e Turismo.
É evidente que a solução de relativa independência apresenta ruços: a fragilidade dos estruturas, um certo aventureirismo que tem reinado no sector, o tradicional espírito de improvisação, etc. Mas valerá a pena correr esses riscos; porque a outra hipótese possível - controle rígido de administração- é ainda menos satisfatória: imobilismo não menos tradicional, actuação política que pode não corresponder aos interesses em jogo, livre exercício de um despotismo nem sempre esclarecido, etc.
Para que o sector privado, através da orgânica coorporativa, desempenhe, no Instituto Português de Cinema, o papel que lhe compete, é necessário, todavia, que este