1300 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 63
disponha de meios. Acabando com o imposto único, parecendo encaminhar-se para o sistema do controle de bilheteira, alargando à exploração dos espectáculos cinematográficos o regime da contribuição industrial, o Governo corresponda a anseios já antigos. A criação, em termos a definir em regulamento, de um adicional a cobrar com os preços dos bilhetes vem, no entanto, tornar uma actividade que se quer proteger numa actividade onerada por encargos suplementares. O adicional só se admite se. como sustenta a Câmara Corporativa, os receitas dele resultantes reverterem a favor do Instituto Português de Cinema. Se o progresso do cinema nacional depende, no campo material, essencialmente do autofinanciamento - como, tudo indica, é a opinião governamental -, dêem-se-lhe as receitas próprias, em vez de os distribuir pelo Tesouro, Fundo de Socorro Social, Caixa de Previdência e câmaras municipais.
Por outro lado, a lei de protecção ao cinema parece sei- o diploma indicado para regular o modo desordenado como se processa a concorrência do espectáculo televisivo gratuito em recintos públicos. Se se deseja proteger o cinema, tomem-se medidas que disciplinem não só essa concorrência, mas também proporcionem fundos ao Instituto Português de Cinema.
Ainda neste capítulo financeiro-tributário -bem como, aliás, nos preceitos relativos aos contingentes e à feitura de cópias em Portugal -, é de presumir que o Governo tenha estudado os eventuais implicações e contradições de algumas das disposições propostas perante os compromissos assumidos no G. A. T. T., na O. C. D. E. e mesmo na U. N. E. S. C. O. Embora se compreendam as razões que determinaram a inserção desses preceitos, levantam-se, com efeito, dúvidas sobre a viabilidade legal de certas discriminações relativamente a produtores, distribuidores e estabelecimentos técnicos estrangeiros.
A proposta de lei de protecção ao cinema nacional contém, de qualquer modo, outros aspectos muito positivos. Citemos, entre eles, a livre construção ou adaptação de salas por todo o País (um país onde 25 por cento dos concelhos, abrangendo l milhão de habitantes, não tem cinema), a protecção concedida aos estabelecimentos técnicos, o reconhecimento do cinema de formato reduzido, a autorização da dobragem, a defesa dos interesses dos profissionais de cinema nas co-produções e nas co-participações e, enfim, as medidas destinadas a assegurar os melhores condições de exibição dos filmes nacionais.
Sr. Presidente: Este conjunto de princípios levam-nos a dar a nossa aprovação na generalidade à proposta de lei em debate. A discussão na especialidade permitir-nos-á trazei- achegas concretas, que supomos nos darão possibilidade de colaborar de modo mais construtivo - que nem sempre é o totalmente concordante - com o Governo, naquilo que julgamos serem os seus objectivos: a possibilidade de vermos em Portugal o cinema que a Europa vê; & viabilidade de fazermos em Portugal um cinema que retraio e exprima, aquém e além fronteiras, os nossos anseios, a nossa realidade, o nosso mundo; a transformação do cinema em Portugal num verdadeiro meio de comunicação social, num factor de aproximação entre as pessoas e de esclarecimento dos suas interrogações.
Só assim - encarando o cinema dentro das suas funções sociais e do seu valor artístico, reabilitando a influência que ele deve exercer na sociedade, concedendo-lho para tal independência e meios que lhe permitam seguir o caminho moía rápido e directo sem necessidade de recorrer a compadrios duvidosos, a transigências inexplicáveis ou a simplificações complicadas -, só assim valerá a pena proteger o cinema em Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas considerações, devo dizer a V. Exa. que não era minha intenção apresentar nesta Assembleia qualquer comunicação sobre o assunto da ordem do dia de hoje - protecção do cinema nacional.
Essa minha atitude não era ditada por minimização do problema, mas sim por me considerar completamente leigo neste assunto.
Mas os Deputados são, nesta Casa, as vozes do povo que os elegeram, e eu fui escolhido por cerca de sem cidades portuguesas para aqui defender o seu ponto de vista, que julgo pertinente e de ser considerado.
Solicito, portanto, a VV. Exas. um pouco de atenção a base XXII da proposta de lei n.º 6/X «Protecção do cinema nacional», que diz:
É permitida a dobragem em língua portuguesa de filmes estrangeiros executada em Portugal, desde que não afecte a qualidade do filme.
Meus Senhores: julgo poder já afirmar a VV. Exas. que por melhor que a dobragem seja efectuada - e estou certo que temos profissionais suficientemente aptos para o fazer -, será de todo impossível não se afectar a qualidade do filme quando se substituir, por exemplo, o diálogo de um filme de origem anglo-saxónica pelo português.
Julgo conveniente desde já afirmar a VV. Exas. que não sou contra a dobragem para o português de filmes em língua estrangeira, mas não posso deixar de realçar a necessidade de se condicionar a base XXII de tal forma que o espectador interessado tenha possibilidade de optar entoe o filme dobrado e o da língua de origem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se tal não acontecer, um grande número de portugueses terá limitações fortes a cultura de ordem geral e linguística que a arte cinematográfica proporciona.
Com efeito, não será difícil afirmar o interesse que advém para os espectadores com conhecimentos linguísticos seguirem os diálogos na língua em que o filme foi rodado. Melhor apreensão terão do seu conteúdo e aprofundarão, estou certo, os seus conhecimentos linguísticos.
A nossa juventude, que nas escolas aprende o francês, o inglês e o alemão, auxiliada por professorado dedicado e qualificado, mas, certamente, sem o acento e o sotaque só completamente dominado petas naturais, poderá na verdade, melhorar pela audição de filmes estrangeiros não dobrados, e em plena distracção, os seus conhecimentos.
Sr. Presidente: Não foi pelas razões atrás apresentadas que solicitei o uso da palavra.
Dodrados ou não dobrados, os filmes de origem estrangeira serão sempre procurados pela generalidade dos seus actuais apreciadores.
Todavia, os surdos, esses nossos irmãos que vivem rodeados do silêncio, deixarão, se se não condicionar a base XXII, de gozar uma distracção que lhes é sumamente útil por educativa - o cinema.
O surdo tem tendência para o isolamento, por dificuldade de contactos e convivência social. Fecha-se, muitas vezes, perante a sociedade; outras vezes, talvez o mais geral, é esta que se fecha àqueles.
Srs. Deputados: Não podemos esquecer que o cinema com legendas abriu aos surdos integrais alfabetizados uma larga e fácil porta à cultura e & convivência social.