DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64 1314
São estas as razões para aceitarmos as medidas de protecção propostas, pois que visam, em especial e segundo o relatório da proposta, «aumentar, quantitativa e qualitativamente, os filmes realizados no País», medidas que parecem seguir em duas linhas de orientação:
a) Necessidade de assegurar aos produtos nacionais uma suficiente assistência financeira;
b) A obtenção a todas as vantagens provenientes de uma co-produção ou comparticipação, que são as resultantes de afluxo de capitais, e do enriquecimento nos aspectos técnicos e artístico, resultantes do contacto com técnicos e artistas estrangeiros mais evoluídos.
As medidas assinaladas parecem levar a poder presumir-se que iremos ter uma indústria cinematográfica, o que me parece difícil, tão grandes serão os obstáculos que se levantam a uma indústria nascente, mesmo protegida.
Todavia, acreditemos que sim, e aqui haverá que fazer exigências ao cinema português, já que é o País todo que paga a sua criação e manutenção:
l - O respeito pelos valores fundamentais e pela verdade da cultura, da tradição, das terras e do povo português.
Para tal, teremos da exigir-lhe qualidade técnica e artística, é certo, mas também que não enverede pelos temas de mais fácil comercialização, que, nomeadamente, são a sexualidade e o erotismo, e outros que envenenam e corrompem o público a quem se dirige e que inconsciente os reclama.
2 - A criação de estúdios, verdadeira e seriamente apetrechados de acordo com as necessidades da indústria, em condições de serem utilizados com rendimento por produtores nacionais e estrangeiros.
3 - O aproveitamento do actuei escol de técnicas e artistas e a promoção de novos com elevado nível artístico-técnico, por meio de estágio, bolsas e trabalhos em escolas estrangeiras da especialidade.
4 - Uma produção contínua, em quantidade e qualidade, que tome viável o sistema de contingentação preconizado pela proposta, garantindo, assim, a presença de filmes nacionais mós écrans, no tempo e no espaço que as suas possibilidades exigirem.
Só assim os outros sectores de distribuição e exibição terão possibilidade de, recorrendo à venda do cinema nacional, evitar a importação de filmes estrangeiros, que pagamos por bom preço, com a consequente sangria de divisas, que constituem um mal, sem contar com os malefícios maiores que advêm do esmagamento da nossa cultura pela sobreposição daquela que através desses produtos vão inculcando no nosso povo.
Este problema é, quanto a mim, do maior alcance, e tem de ser considerado com o maior cuidado. Qualquer actividade económica apresenta os seus produtos, que são bons ou são maus, e o público escolhe aquele que lhe agrada. Porém, já o mesmo não acontece com o cinema. Este dispõe de meios próprios, servido, como é, por técnicos avançadíssimos para impor os seus produtos, menos quando maus, e como não há possibilidade de escolha, pois vêem-se mesmo os maus.
O cinema consegue penetrar os espíritos, usando todos os recursos de uma técnica avançada, conseguindo embotá-los e prostituí-los, bem como aos sentimentos mais nobres, cultivando determinados gostos, que utiliza em proveito próprio, sem cuidar de prejuízos de ordem moral e material que possa provocar na pessoa humana.
Não quero com isto negar ao cinema o seu extraordinário valor como factor de educação e de promoção cultural; o que acontece é que pode sê-lo nos dois sentidos, no bom e no mau.
Como manifestação de uma arte e de uma técnica, que pode ser utilizada ao serviço dos povos, dando-lhe a conhecer os motivos e lugares que lhes estão vedados de outra forma, contribuindo para uma crítica mais esclarecida dos temas sugeridos, é um extraordinário meio de elevação de nível cultural e social doa povos e um instrumento altamente valioso, que tem de ser integralmente aproveitado, como todos os outros que possam contribuir para uma maior dignificação da pessoa humana.
Parece-nos, nesta matéria, que, dada a extensão da carnuda de população que pode ser aproveitada pelo cinema, praticamente uma cobertura total, considerando a variedade de níveis de compreensão e sensibilidade, creio ser necessário, com vistas ao desenvolvimento do espírito de critica e de observação, proceder ao estabelecimento de novos escalões de idade e a uma mais cuidada classificação de filmes, pois os actuais- dois escalões soo nitidamente insuficientes e prejudiciais na forma como estão sendo postos em prática.
Não desejo terminar esta minha modesta intervenção sem uma menção especial ao cinema amador, cuja acção é desmerecida pelo parecer da Câmara Corporativa, ao ponto de a olvidar de entre as actividades sujeitas à protecção do Instituto Português de Cinema.
Não ter em conta o cinema amador é, quanto a mim, uma flagrante injustiça a um sector que dá provas de uma maturidade notável, alcançando em numerosos certames nacionais e estrangeiros os mais altos galardões e tem levado aos mais longínquos lugares o nome de Portugal, donde regressa verdadeiramente glorificado.
O cinema amador é hoje considerado um sector sério e importante de cultura e arte do nosso país.
Constitui hoje a única escola onde os técnicos, em contacto permanente com" a realidade das dificuldades infindas a que o mesmo sector está sujeito, aprendem a arte de cinema e prosseguem numa investigação sistemática de novos processos, novas formas e novas técnicas. E uma verdadeira forja de artistas e de técnicos, sem os quais a incipiente indústria de cinema que possuímos seria ainda inferior.
Assim sendo, penso que deverão ser aprovados todas as medidas tendentes a favorecer o desenvolvimento deste interessante e importante sector de actividade, que tanto tem engrandecido o País no confronto internacional a que tem sido chamado.
À figura central desta proposta de lei é, contudo, e quanto a mim, o Instituto Português de Cinema, órgão superior de coordenação e de administração, cujas atribuições de competência estão definidas na base n.
Cabe-lhe a responsabilidade de dinamizar um sector que prima pela rotina, está praticamente moribundo e que se reconhece ser de grande importância para o País; pois aqui, com mais propriedade ainda do que no Fundo de Teatro, há que conceder-lhe os meios necessários ao exercício dos suas atribuições, já que a base m lhe concede uma autonomia administrativa e financeira necessária para dele se poder tirar todo o rendimento.
 este Instituto, verdadeira mola impulsora do sistema, exige-se dinamismo e rapidez de actuação, que me parece difícil conciliar com a sua volumosa constituição. Todavia, a presença de sete representantes da actividade profissional dá garantia segura da defesa dos seus interesses, e, se estes quiserem, podem ser o factor de dinamização que se impõe.