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1696 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84

por si bem pouco representam. Na verdade, se o professor não souber motivar ais suas lições; se mão for capaz de despenhar o interesse e a curiosidade intelectual dos alunos, conservando os espíritos atentos; se não for socialmente humano e capaz de realizar a aproximação das crianças que tem-na sua í rente; se não souber distinguir entre disciplina e generosidade, função e pessoa, se não for capaz de progredir e aperfeiçoar-se e vencer a "rotina, então de nada servem os edifícios, o material didáctico, a reciclagem e as técnicas de aprendizagem".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A essência do problema não está nas instalações escolares, mês no professorado. Nestes, sim, estará o segredo de todas as reformas, embora a valorização destes deva ser acompanhada da remodelação ampla, do sistema educativo, desde uma definição corajosa dos objectivos a atingir até às estruturas, métodos e programas.

Ora, neste particular, cremos que as coisas não têm caminhado bem.

Continuam a ser em grande número os professores que pedem a exoneração ou requerem licença ilimitada, indo à procura de melhores condições que lhes permitam a sobrevivência económica.

Geralmente os professores mais qualificados deixam de exercer, e os que continuam - e perfazem, actualmente, o número de três dezenas de milhares - continuam desencorajados, na vaga esperança de melhores dias.

Com vista a sua valorização pedagógica e à sua forma cultural, também pouco por eles se tem feito. Centenas deles continuam a viver isolados nos meios rurais, mas isolados em todos os aspectos - geográfico, cultural e humano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando os programas mudam ou as técnicas e os métodos se aperfeiçoam, não têm junto de si ninguém que os auxilie na sua preparação e actualização.

O professor primário é hoje pouco culto e o prestígio social de que justamente desfrutava em pequenas comunidades rurais vem sendo abalado.

13 tilo reduzido o número de jovens do sexo masculino que ingressam no magistério primário e nele se mantêm que, se não forem tomadas medidas urgentes e eficazes que os aliciem e prendam ao magistério, dentro de pouco tempo todos as escolas masculinas ficarão entregues n professoras, com notórios prejuízos para a formação dos rapazes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: Sinto-me tentado a abrir aqui um parêntese e perguntar se a falada crise dos nossos jovens não terá as suas raízes profundas já' na escola primária?

A todos preocupa a educação do povo português, todos e em toda a parte falamos dela e n consideramos o problema principal e a chave do nosso desenvolvimento; mas, o que temos feito por aqueles a quem a nossa sociedade confia a dura e espinhosa missão de formar os seus recursos humanos? Estes são menos valorizados materialmente que um servente de pedreiro, que já aufere o salário diário de 100$ a 120$.

Dá-se-lhes um vencimento miserável, mas confia-se-lhes uma missão tão importante como delicada, que exige espírito de sacrifício e dedicação permanente, obrigados, tantas vezes, a viver em condições de extremo isolamento e sem o mínimo de comodidades.

Se realmente se considera e é importante a tarefa que se lhes confia, importa, pois, proporcionar-lhes condições aliciantes, não só pura o recrutamento, como também no decorrer da sua vida profissional.

Hoje, um professor de instrução primária que acaba o seu curso, depois de onze anos de escolaridade obrigatória, ganha, com as recentes melhorias de vencimentos, 2900$, quase o mesmo que um varredor da Câmara Municipal de Lisboa, e menos que um servente de pedreiro ou um trabalhador rural.

Agora, que, esperançosamente, vemos abrirem-se novos caminhos para a educação de todos os portugueses, importa que a reforma do sector do ensino primário, que terá de ser ampla e profunda, se inicie por um acto de justiça para com aqueles que há longos anos muito fizeram para a merecer.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - V. EX.ª dá-me licença?

O Orador: - Paz obséquio.

Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Deputado Valente ganches: Por razões que não são desconhecidas de V. Ex.ª e também desta Câmara, eu estou a, ouvi-lo com redobrado interesse, e ainda bem, porque mão é vulgar, nem frequente, ouvirem-se vozes autorizadas como a de V. Ex.ª tocarem aspectos do ensino primário com. amplitude e superioridade como o está fazendo.

Eu, nesta Câmara, sempre acentuei que sou um professor primário, que faço ponte dessa classe que ministra o ensino de base. Faço-o, e há até quem veja nisso motivo de orgulho e talvez não se enganam. Pelo menos, vergonha não sinto, ainda que seja verdade aquilo que V. Ex.ª arrama, de que a classe está autenticamente diminuída no conceito sócio - profissional português.

Neste momento em que o Sr. Ministro da Educação Nacional, sob a égide de Marcelo Caetano, apresentou ao País o projecto da reforma do ensino e quando o Prof. Veiga Sim fio teve a coragem de apresentar bases programáticas que vão desde o ensino infantil ao ensino superior, mostrando que efectivamente a reforma do ensino em Portugal tem de ir desde a base a cúpula, e eu peço desculpa à Câmara para recordar que, em todas as minhas intervenções, sempre acentuei essa convicção, de que uma reforma autêntica tinha de ligar a base à cúpula, porque só assim o edifício ficava completo, eu, que sou professor, que me orgulho de ser professor, queria dizer a V. Ex.ª de que as suas palavras calarão bem fundo no espírito da classe a que pertenço. E porque estou nesta Casa, o que também prova que o professor primário é acreditado e que o País nele pode confiar para missões que transcendem propriamente o ensino adentro das quatro paredes da escola, não poderia perdei1 esta oportunidade soberana para, como Deputado, me regozijar com os termos em que V. Ex.ª foca um problema tão delicado e de tão premente importância. E também como professor, se posso, efectivamente, dar o testemunho do exercício de uma função pública, ser o primeiro professor a agradecer a V. Ex.ª essas palavras.

não o faço pelo facto de V. Ex.ª pedir um aumento de vencimentos, porque, no fundo, é sempre fácil fazer política pedindo aumento de vencimentos, mas, principalmente, porque V. Ex.ª foi ao fundo da questão. V. Ex.ª pede aumento de vencimentos, mas pede também mais responsabilidades, melhor formação, cursos actualizados, e é exactamente aí que está a razão de ser da valorização que a- classe do professorado primário exige para bem do nosso país.