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2122 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Sr. Presidente: Não é esta a primeira vez que nesta Casa aparece um projecto de lei em que igual iniciativa se verificou, não procedendo, com verdadeiro pasmo nacional, que perdura, um desiderato, que, não prosseguindo objectivos confessionais, ninguém entendeu nem entende como pôde ou poderá contender com a essência política da lei fundamental. E não procedeu, certo que mais por pusilanimidade de alguns do que por oposição de princípio a sentimentos religiosos que, raríssimos, apesar de tudo. teriam a coragem de abjurar.
Vozes responsáveis de crentes intimoratos se afirmaram então numa limpidez de raciocínio impecável e insuperável contra que - longe disso - não foram formuladas objecções válidas. Tão bem, que considero a matéria esgotada, consequentemente de difícil trato, por nada de novo haver para acrescentar-lhe, de tal modo se «laminou» a argumentação da Câmara Corporativa, que à falta de outra para a já aduzida nos remete quanto ao essencial da questão. E, sendo assim, face ao inconformismo gerado, não é de estranhar que o problema voltasse a ser proposto, desta feita numa redacção que se não prestava a equívocos, satisfatória de todos os credos e anseios da era ecuménica que atravessamos entre nós mais do que justificável num momento em que o Estado se prepara para reconhecer a liberdade religiosa de todas as confissões, autonomizando a sua organização, com o fim de possibilitar a prática comunitária do culto de Deus; seja qual for a expressão religiosa, católicos, protestantes, maometanos, etc. - na metrópole ou no ultramar, onde virá a aplicar-se o regime que vier a ser aprovado. De estranhar é, pelo contrário e em consequência, que a Câmara Corporativa reedite argumentação infeliz, sem consideração pelas reacções verificadas e sentimentos latentes numa nação de crentes, a tal ponto que se não perdeu a oportunidade de «sujeitar» mais uma vez o nome de Deus à discussão e votação desta Assembleia, sem nenhum outro propósito, por todos o posso afirmar, que não fosse o de dar satisfação à consciência religiosa nacional, sem curar de distinguir as doutrinas com que cada um julga melhor servir Aquele. Ou não teria resultado evidente a intenção dos Srs. Deputados que subscreveram o projecto de lei n.º 7/X?
Para a ilustre Câmara Corporativa parece que não. Mas quando se volta para o que «lhe parece», amarrada ao que já lhe pareceu em 1959, então não consegue encontrar razões diferentes daquelas com que contrariou a primeira iniciativa, a meu ver numa predisposição incrível de não querer compreender o qlue é claro.
Pois de duas uma ...
Ou esta Assembleia é constituinte ou não é.
Ou representa ou não representa a vontade nacional.
Se é constituinte, no exacto entendimento do artigo 176.º da Constituição, tem poderes de revisão, e revisão é, segundo os lexicólogos, que os princípios de uma sã hermenêutica jurídica não contrariam, análise no intuito de rectificar, reformar, alterar ou anular, sendo certo que reformar significa mudar de forma, melhorar ou modificar. Modificar no sentido de completar e actualizar, tal como em 1945 já se fez ao «enxertar» na Constituição uma afirmação de princípio na consignação de que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa, o que resultou incompleto sem a invocação do nome de Deus, pois não há religião stricto sensu sem Deus.
Se representa a vontade nacional, devem naturalmente ser seus e só seus os escrúpulos de consciência no tocante ao seu modo de estar espiritualmente no momento em que se prepara para deliberar em assunto de tamanha monta. E então, a invocação que se pretende do nome de Deus resultará de uma atitude devocionista sua indiscutivelmente satisfatória de um anseio nacional e absolutamente oportuna quando se revê, já que quando se revê se procura ver o que se não teria visto ou considerar o que se não considerou. Aliás, o que sobre o mais importará é dar satisfação à consciência nacional, razão do princípio constitucional que possibilita e justifica as revisões periódicas, sem preocupações quanto ao momento em que a satisfação se dá, desde que se dê, e sem atenções também pelo poder de quem partiu a iniciativa.
Daqui, no meu modesto entender, o não colher a argumentação do parecer da Câmara Corporativa no que se revela preocupado com o que chama adicionamento ex post factum de um pórtico ao edifício constitucional, que, segundo proclama, surgiria como que «enxertado» na lei fundamental. Isto porque não se trata exactamente de um «pórtico», mas de uma «inscrição» ausente de um pórtico que, mesmo como «lembrança fora de prazo», tem todo o cabimento. Ademais que nada repugna crer que, se em 1933 o Poder Constituinte se tivesse exercido pelo modo que o está sendo hoje, diferentemente se teriam considerado os direitos de Deus, que não teria deixado de obter a consagração por que se tem vindo a pugnar, sem que ao facto se possa chamar um «enxerto», que, a sê-lo, o é tanto como as restantes alterações que o processo revisionista autoriza e se pretendem introduzir como único modo de se actualizar o estatuto político-jurídico que se pretende fazer por adaptar às supervenientes exigências da vida da colectividade. Aliás, o facto de não constar ab initio do texto constitucional o nome de Deus, o que impede que, através das vias normais, o venha a ser desde que os actuais representantes da vontade nacional o decidam, o queiram no exercício de um legítimo poder de decidir e de querer? Por acaso, numa decisão de muito mais melindre, não se «enxertou» já na revisão de 1951 uma declaração de princípio, já referida, de indiscutível natureza confessional, contida na afirmação que se mantém na proposta de que a religião católica é considerada a religião tradicional da Nação Portuguesa?
Não. Mais do que a averiguação das intenções determinantes dos Srs. Deputados legislantes no uso de uma prerrogativa constitucional, importaria, por parte da Câmara Corporativa, & averiguação quanto à viabilidade ou inviabilidade da questão proposta no tocante a saber se caberia ou não dentro dos poderes revisionistas de que esta Assembleia está investida, já que da oportunidade ou inoportunidade do aditamento ela julgaria. Isto o devia à magnitude do problema proposto e ao respeito pela parcela de soberania que detemos, um e outro fundamente tocados por um raciocínio gerador de confusões e desavenças que haveriam de retirar todo o valor ao declarado reconhecimento «dos altos propósitos dos Srs. Deputados que subscreveram» o projecto de lei n.º 7/X, não tanto, afinal, que impedissem a douta Câmara de «desaconselhar a sua aprovação na generalidade»!
Mas bem hajam os ilustres Procuradores, que, esses sim, votaram vencidos no reconhecimento desses altos propósitos ...
Além de que resultava evidente que a intenção dos Srs. Deputados subscritores não foi a de, «mediante uma declaração preambular, deixar entendido que as demais